Há anos eu deixei a escola. Mas vez ou outra me pego pensando e sentindo os colégios por onde passei, as pessoas com quem estive, as professoras e professores que marcaram os meus dias. E entre as memórias estão também os espaços de minhas escolas: pátios, salas de aula, quadras esportivas. Lugares onde eu sempre tive a sensação de estar segura.
Certa vez, quando eu tinha 10 anos, voltei à sala de aula após o recreio e tinham roubado o dinheiro da minha passagem que, tranquilamente, todos os dias eu deixava dentro do meu estojo de lápis e canetas. Outro dia, em outra escola, já com 14 anos, presenciei uma briga violenta - para mim absurda - entre colegas de salas vizinhas e logo depois soube de outro estudante que levava uma arma para a escola. Nunca vi.
Aquilo tudo me marcou, mas não me tirou a sensação de estar em um ambiente seguro. Um privilégio, eu sei.
Mas hoje, quando leio e penso sobre o ataque ocorrido na Escola de Ensino Médio de Tempo Integral Professora Carmosina Ferreira Gomes, em Sobral, com alunos feridos à bala, muito dessa segurança que sentia me vem à memória, e uma pergunta se sobressai em mim: como é que se volta pra escola após um ataque violento como o de Sobral?
Embora entenda que existam realidades absolutamente distintas entre alunos que vivenciam em seus territórios dilemas tantos, sabemos o quanto - apesar de espaços de demandas sociais amplas - a escola continua sendo para muitos um abrigo, lugar de afeto, descoberta, cuidado e amparo. Por isso, tantas são as questões que pulsam quando se pensa em violência dentro da escola.
Como adentrar novamente o local onde tiros foram ouvidos, gritos revelados, pânico instalado? Medo. Dúvida. De que maneira se chega? E como querer permanecer? Quem pode e precisa ser amparado? Alunos, professores, diretores, pais e responsáveis? Como fazer para esquecer a memória da dor e concentrar-se nas aulas?
Nem sempre parece haver tempo para muitas perguntas, até porque as respostas têm que dar conta de alunos que muitas vezes já são feridos, por suas perspectivas sociais, econômicas, emocionais, familiares. E assim precisam permanecer na escola para tentarem sair dos ciclos de inseguranças nos quais estão inseridos.
Então, penso que, para além de encontrar respostas referentes ao ato, é urgente encontrar formas de cuidar de quem está dentro da escola. Ainda mais depois que a pandemia agravou e maltratou mais crianças e jovens - seus professores, seus familiares - com demandas que vão da falta de comida à falta de saúde física e mental. E diante desse cenário, a escola, que é refúgio, sempre foi também espaço e meio de libertação - várias.
Sobral é uma referência nacional por suas políticas para educação, e seus bons resultados, e ainda assim virou cenário de algo tão dolorido. Isso tudo revela o quanto a violência tem incontáveis raízes e formatos.
Portanto, a violência precisa ser uma preocupação de todo mundo, um problema geral, porque isso, e muito mais, pode acontecer em qualquer escola, em qualquer ambiente. Por isso a urgência em se pensar ainda mais políticas e espaços não só para combater, mas evitar a violência. Pois escolas também estão cheias de gatilhos. E quando eles 'estouram' na sala de aula é muito mais cruel porque é uma dor muito precoce de se sentir.