Portugal dificulta nacionalidade para descendentes de judeus sefarditas; comunidade presente no Nordeste

Nova regulamentação introduz “requisitos de demonstração de uma ligação efetiva a Portugal”

O governo português aprovou uma alteração à lei que concede nacionalidade para descendentes dos sefarditas, judeus que foram expulsos da Península Ibérica no século XV, durante o período da Inquisição católica, e que migraram para o Nordeste do Brasil.

A nova regulamentação introduz “requisitos de demonstração de uma ligação efetiva a Portugal”, explicou o ministro das Relações Exteriores do país, Augusto Santos Silva, em uma entrevista coletiva com correspondentes estrangeiros nesta quarta-feira, 16.

Desde 2020 que o governo português discute alterações à legislação. Já nessa época, segundo o ministro Santos Silva, considerava-se que "a lei, generosa e justa, estava a ser pervertida".

A guerra contra a Ucrânia trouxe aos holofotes um dos exemplos do que pode representar a “perversão” da lei. O decreto foi promulgado pelo presidente no último dia 9, em meio às suspeitas de irregularidades na concessão da nacionalidade para o oligarca russo Roman Abramovich, dono do Chelsea, que sofre sanções internacionais por causa das ações de Vladimir Putin.

Realizado em 2021, o processo de Abramovich durou seis meses, muito menos do que a média de dois a três anos que pode levar a concessão da cidadania para os sefarditas.

O caso é investigado. O órgão em que tramitam os processos já abriu procedimentos contra funcionários e o rabino da Comunidade Israelita do Porto (CIP), que atestou a ascendência sefardita de Abramovich, foi preso. Diante do escândalo, a CIP informou que não vai mais emitir esse tipo de atestado.

Quando a nova regulamentação começa a valer

 

Hoje, para iniciar o processo é preciso reunir documentos de identificação, certidões de antecedentes criminais e o certificado emitido por uma das comunidades judaicas de Portugal. A nova regulamentação, exigindo o vínculo com o país, passa a valer assim que for publicada no Diário da República.

Júlio César Parente, advogado na área do direito internacional privado que atua no Brasil e em Portugal, explica que é preciso aguardar a publicação do decreto de lei para saber se as provas de vínculo serão “de rol exemplificativo ou taxativo”.

No primeiro caso, a regulamentação sugere que tipo de comprovação é aceito, o que pode deixar a decisão ao critério da avaliação do agente público. Já o rol taxativo “é objetivo, ele não tem como fazer interpretações subjetivas do que seria o vínculo”, diz Parente.

O advogado explica que a prova do vínculo já existe com outras modalidades para aquisição da nacionalidade portuguesa de forma exemplificativa. “Quem é casado com um português há mais de três anos, mas menos de seis, pode comprovar através, por exemplo, de comprovantes de viagem ao país, de cursos, de vivências com a comunidade”.

Processo mais demorado

 

O advogado também ressalta que com o fim da emissão dos certificados pela Comunidade Israelita do Porto, a concentração dos pedidos no órgão de Lisboa “pode tornar o processo ainda mais demorado”.

Para quem já deu entrada, nada vai mudar. “Não vai ter efeitos retroativos”, explica Parente. “Nesse momento, quem já tiver toda a documentação pode tentar dar entrada o quanto antes para não ter que juntar mais documentos. Para quem ainda vai iniciar, isso não vai invalidar o processo, só vai criar mais um requisito”.