Em Portugal, proposta quer premiar médicos de mulheres que não façam aborto nem tenham DST

Uma proposta em análise pelo ministério da Saúde de Portugal quer dar bônus no salário para equipes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que não realizem abortos. A interrupção voluntária da gravidez é legalizada no país desde 2007 e pode ser realizada por qualquer mulher com até 10 semanas de gestação.

A medida faz parte de uma proposta de novos critérios para avaliação de profissionais do SNS. A não realização de abortos e a ausência de pacientes com doenças sexualmente transmissíveis daria um bônus no salário das equipes.

Um dos responsáveis pela elaboração da proposta disse ao jornal Público, que revelou o caso, que o intuito dos novos indicadores é melhorar a qualidade das ações de planejamento familiar, evitando “gravidezes indesejadas”. Ou seja, para este médico a equipe que não teve nenhuma mulher solicitando um aborto ou diagnosticada com uma DST trabalhou bem, as demais não.

Até quando o direito de uma mulher decidir sobre seu corpo seguirá sendo manipulado?

Os dados mais recentes da Direção Geral de Saúde mostram que a descriminalização do aborto em Portugal é uma política efetiva. O número de mortes de mulheres por complicações decorrentes da interrupção de uma gravidez caiu para zero e a realização dos procedimentos vem reduzindo desde 2011. Detalhe: mulheres de qualquer nacionalidade têm o direito garantido e as brasileiras são as estrangeiras que mais interrompem a gravidez no país.

Entre as várias reações que condenam as novas propostas para o SNS, a Federação Nacional dos Médicos de Portugal disse, em nota, que “a monitorização das doenças sexualmente transmissíveis nas mulheres – que não tem paralelo nos homens – configura uma discriminação de gênero inaceitável. Igualmente, a inclusão da interrupção voluntária da gravidez neste domínio é sinal de um retrocesso civilizacional e ideológico incompreensível, responsabilizando os profissionais de saúde familiar por uma decisão pessoal, que interessa apenas às pessoas com útero”.

O caso português vem à tona dias depois do vazamento do rascunho de uma decisão da suprema corte dos Estados Unidos que deverá anular o direito ao aborto no país, aprovado em 1973 na sequência do processo Roe v. Wade. É a maior potência do mundo sucumbindo ao conservadorismo punitivo da atualidade: seis dos nove juízes do supremo norte-americano são conservadores.

Ainda essa semana, em El Salvador, uma mulher foi condenada a 30 anos de prisão (já estava há dois em cárcere aguardando a sentença) por ter sofrido um aborto espontâneo.

Em pleno ano de 2022, o corpo de uma mulher continua não sendo dela. É domínio público, sobre o qual todos acham que podem legislar.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora