Aldeia indígena abre as portas ao público em busca de autonomia econômica, mas visitantes não aparecem

Em uma nova etapa de sua luta histórica por reconhecimento e sobrevivência, o povo Balatiponé-Umutina, residente às margens dos rios Bugres e Paraguai, no Mato Grosso, abriu uma aldeia em maio deste ano, para receber visitantes interessados em sua cultura e tradições. No entanto, desde o início desse projeto, não houve sequer uma visita a essa comunidade indígena.

O etnoturismo surgiu como uma esperança para essa população incrementar a renda, atualmente oriunda do artesanato e da agricultura. Essa busca por autonomia econômica visa interromper a diáspora das novas gerações, conforme explicou o escultor e líder indígena Paulo Apodonepá, durante a Feira Nacional de Artesanato e Cultura (Fenacce), em Fortaleza

Se não fizermos isso, cada vez mais, será como se estivéssemos deixando nossos filhos e netos saírem da aldeia para o mundo. Infelizmente, quando isso acontece, eles não voltam. Por isso, buscamos essa alternativa de trabalho sustentável para trazer de volta os indígenas que saíram e manter aqueles que já estão em nosso território”, disse. 
Paulo Apodonepá
Liderança indígena e escultor

A comunidade possui um conjunto de seis aldeias. Todas as demais já receberam turistas por meio do projeto, exceto a Águas Correntes, liderada por Apodonepá.

Segundo ele, o povoado tem até dezembro deste ano para conseguir três visitas (cada uma com 20 participantes) para comprovar a viabilidade do projeto, cuja autorização só foi possível após várias viagens a Brasília. A manutenção da anuência junto à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) depende desse resultado. 

Povo Balatiponé-Umutina possui uma história marcada por lutas

Apesar de não terem sido atingidos diretamente pelas queimadas recentes no Mato Grosso, a história dos Balatiponé-Umutina é marcada por conflitos de garimpeiros e grileiros que tentaram invadir as terras desde o início do século XX. 

Para Apodonepá, falta apoio dos governos para defender os indígenas. "Queremos que as pessoas que dizem nos representar se sensibilizem e olhem para os povos originários não como se fossem todos iguais, pois cada grupo tem seus próprios costumes e tradições", frisou. 

"Estamos testemunhando, hoje, a destruição da maior reserva, que é a do Povo Yanomami, com incêndios e invasões por madeira e minério. Se não agirmos, essas pessoas serão exterminadas", lembrou.
Paulo Apodonepá
Liderança indígena e escultor

A coluna perguntou ao Ministério dos Povos Indígenas e à Funai se ambas acompanham os projetos de visitação turística em terra indígena, os prazos para a comunidade e a situação específica dos Balatiponé-Umutina, mas não obteve resposta até esta publicação.

Questionamos ao Ministério do Turismo como a pasta tem trabalhado os projetos de etnoturismo. Também não houve retorno. Quando as respostas forem enviadas, o texto será atualizado. 

'População precisa conhecer comunidades indígenas'

Para Apodonepá, o projeto de etnoturismo ainda não teve sucesso devido à falta de divulgação da cultura indígena e suas riquezas. 

“Tenho certeza que vamos conseguir [visitantes]. As pessoas não vão porque não conhecem, mas temos muitas belezas naturais para oferecer para o Brasil e para o Exterior", aponta.
Paulo Apodonepá
Liderança indígena e escultor

"Muita gente não nos conhece. Somos conhecidos como os Barbados, pois confeccionávamos barbas com os cabelos das mulheres ou de macacos. Moramos a 160 km de Cuiabá, em uma terra de 28.120 hectares, com cerca de 800 pessoas", apresenta a comunidade. 

A população Balatiponé-Umutina tem uma cultura diversa e vive em um território de muitas belezas naturais. Segundo o site Povos Indígenas do Brasil, do Instituto Socioambiental, as canções, indumentárias e coreografia variam. 

Para os rituais, os trajes levavam somente palha da palmeira buriti. Algumas danças eram dedicadas aos espíritos protetores da caça, pesca, lavoura e outros, que veneravam como ancestrais.

O passeio pensado pela comunidade Balatiponé-Umutina inclui a apresentação da sua gastronomia e todas as tradições em uma imersão cultural, podendo ser durante um dia ou com pernoite (veja o serviço ao fim do texto).  

Também conheça o artesanato feito pelo povo indígena

A  Fenacce, onde o Apodonepá e outros povos originários também expõem o artesanato, começou dia 20 e vai até 29 de setembro, no Centro de Eventos, em Fortaleza.

O stand dele é o de número 6, da Associação ASCOMAC-MT. Quem passar por lá, irá conhecer uma variedade de artigos que vai de biojoias a esculturas e remos.

O objetivo do evento é fomentar o artesanato e a cultura com atividades econômicas sustentáveis. Essa é a 6ª edição do projeto, que contará com a participação de artesãos de 27 estados brasileiros.

A programação completa está disponível no perfil do Instagram.

Apesar dos desafios, povo Balatiponé tem tido conquistas com o etnoturismo  

Segundo o consultor responsável pelo projeto, Sidnei Varanis, o etnoturismo Balatiponé conquistou importantes avanços desde o recebimento da anuência da Funai. Nos próximos dias, uma das aldeias, a Central, receberá um grupo de 25 pessoas. 

Em agosto de 2024, informou, os jovens Balatiponé levaram a riqueza cultural para o Salão de Turismo no Rio de Janeiro. Atualmente, o projeto está sendo apresentado na ABAV Expo 2024, em Brasília. 

A comunidade também se prepara para futuras participações em eventos de grande relevância, como a WTM em Londres, em novembro, e a COP29, que acontecerá em Baku, Azerbaijão. 

Ceará já trabalha etnoturismo e planeja expandir atividades 

A secretária dos Povos Indígenas do Ceará, Juliana Alves Jenipapo, Cacika Irê do Povo Jenipapo-Kanindé, ressalta que o etnoturismo oferece diversas vantagens, além de promover o desenvolvimento econômico sustentável.

É uma oportunidade para que as pessoas conheçam e valorizem nossas culturas, tradições e modos de vida, sempre com respeito às nossas realidades. Essa é uma atividade que merece avançar em nossos territórios, com os devido incentivo. Nesse sentido, já dialogamos com a Secretaria de Turismo e pretendemos avançar nessa área", afirmou. 
Juliana Alves Jenipapo, Cacika Irê do Povo Jenipapo-Kanindé
Secretária dos Povos Indígenas do Ceará

Aqui, os territórios do Povo Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz; do Povo Tremembé da Barra da Mundaú, em Itapipoca; e do Povo Pitaguary, em Pacatuba, já desenvolvem atividades para visitantes.


Infográfico elaborado pelo repórter Nicolas Paulino

No Ceará, há 16 povos indígenas, distribuídos em 20 municípios, totalizando 56 mil indígenas, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2023. 

SERVIÇO

  • Etnoturismo no Mato Grosso

O passeio para conhecer a cultura do povo Balatiponé-Umutina pode ser feito por meio de seis aldeias. O roteiro inclui as apresentações culturais, contação de histórias, trilhas na natureza e a venda de artesanato. Os valores podem chegar a R$ 1 mil, pois incluem hospedagem. Para ter acesso ao catálogo de experiências e preços, clique neste link

  • Etnoturismo no Ceará

O passeio para conhecer a cultura Jenipapo Kanindé apresenta diferentes opções de preços. O roteiro pode incluir visitas ao museu, à escola indígena, diversas trilhas, banho de lagoa e a dança do Toré. A trilha simples custa R$ 30, enquanto o percurso com almoço tem o valor de R$ 60.

O cardápio oferece peixe torrado, galinha caipira, baião e outros acompanhamentos. A comunidade também recebe visitas de escolas públicas e particulares, com preços a combinar. Para agendar, entre em contato pelo telefone (85) 98605-2820. Se o contato for por meio de aplicativo de mensagens, dê preferência a áudios para falar com a comunidade. 

Entenda mais sobre sustentabilidade

O que é etnoturismo

O etnoturismo é uma modalidade de turismo voltada para o mergulho em culturas e tradições de determinados povos, sobretudo os indígenas, no Brasil. A prática promove o desenvolvimento sustentável na comunidade.

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ESG é a sigla, em inglês, para Ambiental, Social e Governança (Environmental, Social and Governance). O conjunto de práticas visa reduzir os impactos ambientais provocados pelas empresas e desenvolver um sistema econômico justo e transparente. Por isso, pode contribuir para a descarbonização da economia, termo usado para a redução da emissão de dióxido de carbono (CO₂), principal gás responsável pelo efeito estufa. ESG surgiu em um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2004, e também está atrelado aos Objetivos de Desenvolvimento da ONU.

Por que o ESG é importante para o consumidor

O ESG é importante para toda a sociedade, considerando que o País é marcado por assimetrias socioeconômicas, herança do período colonial, escravista e de uma cultura patriarcal. Por isso, pode promover mudanças de equidade no mercado de trabalho, além de reduzir os impactos ambientais dos negócios, sobretudo em um contexto de crise climática. Compreender a importância da agenda ESG ajuda a tomar decisões de consumo baseadas em práticas ambientais e sociais, pressionando os negócios a se adequarem.

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A Agenda 2030 é um compromisso global firmado pelos 193 Estados-membro da ONU, com o objetivo de gerar desenvolvimento sustentável nas dimensões econômica, social e ambiental, considerando as prioridades de países e localidades. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são parte da Agenda 2030

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O Acordo de Paris é um pacto internacional voltado para conter o aquecimento global, aprovado como lei doméstica por 194 países e pela União Europeia, em 2015. Pelo tratado, a meta era manter o aquecimento abaixo de 2ºC e, na medida do possível, 1,5ºC.