Francisco Alberto Lopes de Souza, de 64 anos, está animado. Seu restaurante - que tombou com a maré para depois atravessar décadas na beira da praia da Barra do Ceará - virou museu. É de lá que ele olha para as memórias da própria família enquanto conta a história de uma parte de Fortaleza invisibilizada. Vê ali o marco zero da cidade, rememora antigos hidroaviões e salinas que existiam no bairro, exalta uma narrativa distante da dos colonizadores.
"Queremos contar aqui as histórias de família, homenagear as pessoas. Não é a história da colonização que você encontra aqui, mas é do povo, de como é sobreviver na beira da praia. De como é ser pescador ou canoeiro", ele diz.
Alberto chegou naquele pedaço de praia aos 4 anos de idade. Veio com a família de Pacoti para construir uma nova história. O pai colocou um pequeno quiosque para vender peixe frito em uma praia ainda pouco habitada. "Tinha mais pescadores. Era um lugar muito lindo que encantou e fomos ficando", conta.
Mas seis anos depois aquele mundo desmoronaria. Era 8 de março de 1970, quando a maré derrubou o quiosque e obrigou a família a começar do zero. "Aquilo foi muito triste pra mim, que tinha 10 anos e um certo entendimento", lembra.
O pai dele não desistiu. Quando a maré baixou, colocou uma lona e seguiu com o restaurante até conseguir levantar novamente a barraca. "Mas nunca mais foi a mesma", lembra Alberto. Talvez tenha vindo daí o sonho de honrar o pai e manter o restaurante.
Alberto arregaçou as mangas e contou com a ajuda de muitos clientes para reconstruir o restaurante da família. Transportou gente em canoa e barco para conhecer o Rio Ceará. O apoio dos clientes lhe deu crédito e ajuda para vender aguardente, depois coca-cola e cerveja.
Juntou um dinheirinho para colocar energia no estabelecimento, mais uma vez com a ajuda de um cliente de longa data, que conseguiu um financiamento. Sem ter como comprar o freezer por conta das parcelas da energia, ganhou um. E assim foi crescendo. Fez reforma e reinaugurou o restaurante. "E estamos aqui até hoje. Com muita dificuldade, mas estamos aqui até hoje com momentos alegres e difíceis", celebra.
Não falta história para o restaurante que agora virou museu. É só ir ali, comer a tradicional peixada cearense, enquanto se abre os olhos para o patrimônio ambiental que circunda o Rio Ceará e a história dos primórdios da cidade.
"Estamos montando retalhos da história da Barra do Ceará, da construção da ponte, das salinas", diz Alberto. "A Barra do Ceará é um patrimônio cultural e ambiental. Tudo a gente relata aqui no nosso espaço cultural e gastronômico", acrescenta.
O restaurante Albertus, que já foi tombado provisoriamente pela Prefeitura de Fortaleza em 2018 como patrimônio histórico, é o primeiro museu orgânico instalado na capital cearense pelo Sesc Ceará, num projeto em parceria com a Fundação Casa Grande. É quando casas e espaços de mestres da cultura são abertos ao público para conhecer histórias por meio de fotografias, instrumentos e objetos. "É uma honra pra gente receber isso", diz Alberto. Um reconhecimento a um trabalho que neste ano completa 60 anos de muito afeto e resistência.