Nas redes sociais, Lara Nicole Medeiros Mota, de 27 anos, posta como se precisasse provar que existe. Mãe, travesti, funkeira e influenciadora digital, ela compartilha seu cotidiano na arte e na criação de Flora Liz, uma bebê de um mês, gestada no ventre do pai, seu marido. Ali, ela mostra que sua família é como todas as outras: repleta de amor e cheia de ânimo para comemorar cada mesversário da pequena.
Mas, fora dos stories e daquele perfil, os desafios que enfrenta no mundo real ainda são muitos. "É punk ser mãe e travesti porque a nossa maternidade é deslegitimada todo tempo", conta. O nome dela consta como mãe no documento da filha. Seus próprios documentos também trazem o nome feminino. Mas a letra da lei às vezes demora para ser reconhecida na sociedade, especialmente no país que mais mata pessoas trans no mundo.
Isso só fortalece a luta de Nicole, conhecida no meio artístico como Nik Hot, para tentar ajudar a desenhar um mundo diferente para o futuro da filha. Nascida em Ipueiras, Nicole cresceu em Fortaleza e, na capital, criou a ONG Casa Transformar para acolher a comunidade LGBTQIA+. Sempre teve o desejo de ser mãe e abraçou a missão com alegria.
"Mãe é uma palavra que combina muito com acolhimento. Ser mãe é ser amiga", acredita. E embora as pessoas insistam em não reconhecê-la como mãe, ela sabe que está dentro dela tudo o que precisa para sair do escanteio e maternar. "Existem várias configurações de maternidade", diz.
Para ela, é desafiadora a responsabilidade de cuidar de uma vida. "Um recém-nascido requer todo o cuidado. Está sendo bem intenso, mas estou me mantendo firme [neste propósito] mesmo diante da deslegitimidade", conta. O marido, um homem trans, também costuma ter sua paternidade questionada diariamente.
Mas, apesar de todas as questões, Flora vem ajudando Nicole a manter o foco e a calmaria. É ela que agora ajuda a mãe sonhar com um futuro mais diverso e potente. "Vejo um futuro ocupado também por famílias trans. Que venham outras crianças filhos de casais trans, que venham outras mães trans e travestis", roga.
"Acho que a maior revolta das pessoas preconceituosas e dos conservadores com a minha maternidade é porque elas estigmatizam que travesti só pode estar na esquina se prostituindo. Quando a cisnormatividade e o conservadorismo vêem uma travesti reproduzindo, o que para eles é algo exclusivo deles, é ainda pior. Vejo um futuro com mais pessoas como nós, contando histórias parecidas com as nossas", finaliza.