A fotógrafa suíça Claudia Andujar vive imersa em muitos mundos. Crescida no mundo dos brancos, dedicou décadas a longas viagens ao norte do Brasil para entender a cultura indígena. Debruçou-se, em especial, aos isolados yanomami. "Tenho uma ligação muito forte com eles. Fiz isso pela história da minha vida, porque assim como os índios [que perderam parentes no contato com não índios] eu também perdi os meus parentes judeus”, ela me disse em uma entrevista há cinco anos, na sala do apartamento onde mora em São Paulo. Do lado de dentro, quadros, penachos e vasos de cerâmica contrastavam com a megalópole que se impunha atrás de uma ampla janela de vidro.
Na infância, Andujar viu parte da família paterna ser deportada da Hungria para campos de concentração nazistas. Ela sobreviveu porque fugiu com a mãe para a Suíça. Desde então, viveu em vários países com a sensação de não pertencer a lugar nenhum. Até que a mãe e o padrasto a convidaram para morar com eles no Brasil. Andujar tinha 24 anos e um desejo incomum para desbravar o novo país. Começou a viajar sozinha antes de aprender português, usando uma câmera fotográfica para se comunicar. As imagens que fazia despertaram o interesse de revistas nacionais e internacionais.
O amigo e antropólogo Darcy Ribeiro a apresentou à etnia Karajá, mas ela queria se aprofundar ainda mais nas raízes do Brasil. Foi com esse desejo que chegou ao povo yanomami, que vive entre os estados do Amazonas e de Roraima.
Na primeira viagem, em 1971, sentiu que precisaria de um tempo sem limites para tentar entendê-los. Ninguém falava português, e ela começou se comunicando com gestos, sorrisos e o desejo de aproximação. Com eles, aprendeu que não existe um "até logo". Despedir-se significa um fim, e a vida é uma continuação eterna das coisas que se ligam, desligam e se ligam de novo. Por isso, retornou a São Paulo muitas vezes sem se despedir. Depois, voltou às aldeias tantas outras graças a bolsas de pesquisa, que a permitiram permanecer com os indígenas por anos.
Andujar nunca deixou de se impressionar em como a noite no meio da Amazônia chegava cedo e se alongava. Deitava por volta das 19h, quando se concentrava em escutar a mata. Acordava várias vezes, com medo do barulho dos passos de bichos ou do canto dos pássaros noturnos. Ali, no meio da selva, ela se dividia entre muitos mundos possíveis entre o seu, tão distante em mentalidade, e um outro, que ela queria pegar entre as mãos e entender.
A fotógrafa viajou por dias na mata fechada, caçou, ganhou espaço próprio nas malocas. Só usou a câmera fotográfica — que depois se tornou mais um elo de comunicação com os indígenas — quando se sentiu aceita pela comunidade.
O povo yanomami evita a fotografia porque acredita que a foto distancia a pessoa de sua imagem. Quando um yanomami morre, tudo o que lembra aquela pessoa deve ser destruído, inclusive as fotos. Mas Andujar tinha confiança, e o acervo que foi construindo virou símbolo de luta.
A convivência da fotógrafa com os povos originários e seu envolvimento com os rituais mudaram o olhar e o resultado das imagens. Era preciso tentar captar ao menos parte daquela magia. Andujar então criou uma linguagem própria para retratar os sonhos dos yanomami.
Um acervo de cerca de 40.000 imagens é instrumento de luta pela defesa da etnia, que segue constantemente ameaçada pelo garimpo ilegal, pela grilagem e pelas invasões. Experiências como a de Andujar devem ser celebradas. Parte da obra da fotógrafa, com cerca de 200 imagens, está exposta na Pinacoteca do Ceará até dezembro.