A história do pai que queria juntar os ‘pedaços da família’

Pouco antes do Dia dos Pais, abri a maleta secreta do meu avô Luiz. Nela, a fantástica obsessão de um pai para juntar os pedaços de uma família imensa, que nasceu numa cidade fantasma do sertão

Nós nunca pudemos mexer na maleta de couro tingida de vinho do Vovô Luiz. Cresci com a ideia de que, ali, ele guardava um tesouro inacessível. Mas, nas vésperas do Dia dos Pais, seu filho primogênito me entregou aquela maleta secreta da minha infância, que eu não via há mais de uma década, desde que ele partiu. Abri a maleta em busca de quem foi meu avô e encontrei trechos de uma autobiografia nunca terminada por ele. Nela, a fantástica obsessão de um pai para juntar os pedaços de uma família imensa, que nasceu numa cidade fantasma do sertão.

Peço licença a você, leitor, para abrir essa maleta simbolicamente nesta coluna e contar a história de Luiz de Carvalho Jucá. Nossa família Jucá nasceu no sertão dos Inhamuns, em homenagem a uma comunidade indígena na luta por terra na cidade fantasma de Cococi. A história não é muito bonita e há quem diga que um de nossos antepassados virou serpente. Segundo a lenda, até hoje sai do túmulo se arrastando em Cococi. 

Não sei ao certo como o pai de vovô Luiz, Bernardo, e sua mãe, Maria, foram parar em Fortaleza, onde ele nasceu. Vovô Luiz veio ao mundo de forma natural, no “pique da fortuna” de seu pai, comerciante. Mas dois anos depois a família começou a falir. A grande seca do Ceará de 1932 iniciou um verdadeiro inferno na família. Pouco depois de dar à luz naquele ano, a mãe dele morreu. Seu pai casou de novo, mas não conseguiu evitar que toda a sua prole fosse, pouco a pouco, se espalhando pelo mundo e perdendo contato. 

Vovô Luiz só conviveu mesmo ao longo da vida com uma pequena parte de seus 23 irmãos. Nunca lidou bem com a perda da mãe, cujas tranças de cabelo guardava cuidadosamente numa caixa. É por esse sentimento que ele começa sua autobiografia, guardada na maleta com um aviso cuidadoso para os curiosos na primeira página: “não leia”.

Eu li. “Começou a debandada de filhos, e eu fiquei mais só e mais angustiado. A falta da minha mãe tornou-se latente”, conta. Vovô tinha sete anos de idade quando perdeu a mãe e precisou amadurecer cedo. Começou a trabalhar jovem, vendendo couro de bode pelas estradas do Crato. Não conseguiu estudar na adolescência, mas, já beirando a velhice, resolveu fazer vestibular para provar a um de seus 10 filhos que não era um feito impossível. Passou, mas não concluiu o curso de Filosofia.

A falta da mãe e o pouco contato com grande parte dos irmãos desenvolveram nele uma certa obsessão por manter a família unida. Queria a todo custo que filhos, netos e bisnetos convivessem. Por isso, doou um pedaço de um hectare de terra que tinha numa cidade de praia para cada filho construir ali uma casa. Nem todos o fizeram. Mas isso tem garantido o contato constante entre primos de diversas cidades e estados, que não conviveriam se não fosse por ele.

Vovô Luiz escreveu que não tinha medo de morrer. Mas sentia um pavor terrível de pensar na saudade que sentiria de Vovó Helena, sua esposa, e dos filhos - os de sangue e os mais de 30 jovens do interior que foram morar em sua casa, em Fortaleza, para estudar. Vovô Luiz dizia que a velhice é o terminal da vida. E que família é como política: quanto maior o grupo, mais e maiores os problemas. Mas nunca ousou pensar em abrir mão de juntar a sua e fazê-la conviver. Seguimos por você, Vovô.