Em uma pacata cidade de interior na Califórnia, o dia de uma família de três pessoas começou seguindo a rotina. John, o pai e caixa de uma farmácia local, prepara o café da manhã para seu filho, Eddy, um estudante de música. Enquanto comem, Eddy revela que está compondo uma nova canção. Quando Mei, a mãe, se junta a eles, John, orgulhoso, compartilha a novidade. Mei comemora entusiasmada com o talento do garoto.
Essa rotina, que se repete em tantos lares pelo mundo, não tem nada de mais, exceto por um pequeno detalhe:
Essa família não existe no mundo real.
São criações de Joon Sung Park, pesquisador da Universidade de Stanford, geradas a partir de agentes autônomos controlados pelo ChatGPT. Essa família faz parte de uma pequena comunidade de 25 “pessoas” que vive na cidade virtual de Smallville, onde residem, trabalham, estudam e se divertem em uma dinâmica social emergente que reflete as complexidades e nuances das relações humanas reais, incluindo amizades, intrigas e desavenças.
O projeto, denominado "Agentes Generativos", visava explorar a habilidade de Modelos de Linguagem Avançados, como o ChatGPT, em dirigir a cognição de agentes generativos, permitindo que aprendessem, se relacionassem e organizassem autonomamente em busca de um bem comum.
Joon Sung Park alcançou sucesso em seu projeto, comprovando que agentes autônomos conseguem planejar, organizar, trabalhar juntos e produzir resultados. Inspirados, em parte, por este projeto, pesquisadores chineses desenvolveram um projeto chamado ChatDev, com o objetivo de implantar agentes generativos na condução de empresas virtuais.
Pequenas IAs, grandes negócios
O desafio de construir uma empresa virtual, nas quais pequenas Inteligências Artificiais (IAs) assumem papéis cruciais, foi objetivo do projeto "ChatDev". Neste projeto, agentes generativos ocuparam todas as funções, desde CEO até Designer Gráfico, e trabalharam de maneira autônoma com o objetivo de criar um produto final viável que, neste caso, é um jogo eletrônico funcional, que pudesse ser jogado por seres humanos.
Para iniciar o projeto, os pesquisadores definiram o objetivo (criar um jogo eletrônico) e quais agentes deveriam ocupar papéis-chave, como Presidente, Diretor de Tecnologia e Diretor de Produto. A partir daí, os agentes assumiram o controle da operação, decidindo sobre as funcionalidades desejadas, design de interface do usuário e a linguagem de programação mais adequada para o desenvolvimento.
O notável aqui é que, por meio de mecanismos de comunicação e colaboração eficazes, esses agentes foram capazes de realizar uma série de tarefas complexas. Eles se reuniram para tomar decisões, formaram equipes multidisciplinares, executaram tarefas variadas, da programação ao design gráfico, testaram versões do software, identificaram e corrigiram falhas, e, finalmente, entregaram um produto funcional. Durante todo este processo de produção, os pesquisadores interviram somente na fase final de testes do jogo criado pelos agentes.
Quando colocamos na ponta do lápis, a empresa virtual de jogos eletrônicos conseguiu produzir um jogo funcional em 7 minutos ao exorbitante custo de 1 dólar.
Concorrência desleal
A máximo “tempo é dinheiro” tem uma dimensão diferente em uma era em que empresas virtuais, operadas por IAs, comprimem processos de meses para minutos. Apesar de ainda não estarmos vivendo essa realidade, a evolução acelerada das ferramentas de IA aponta claramente para uma arena na qual empresas virtuais e humanas lutarão pela hegemonia de mercado.
Nesse contexto, concorrer vai além da capacidade de produzir rapidamente e a baixo custo; trata-se de saber inovar e se adaptar com agilidade. Enquanto IAs podem analisar e implementar estratégias a uma velocidade estonteante, empresas humanas possuem a habilidade única de se conectar emocionalmente com os consumidores e proporcionar uma oferta que transcende a simples solução de problemas. Empresa humanas podem encantar!
O futuro que se aproxima irá exigir que empresas humanas capitalizem sobre a experiência humana, servindo com empatia e criatividade para construir relacionamentos genuínos - não apenas com vantagens econômicas, mas com uma prática comercial autenticamente humana.
Quem está exposto?
Ao contrário do que se pensava há dois anos, os primeiros a serem afetados pelo avanço da IA não são os trabalhos braçais, mas, sim, os digitais. A empresa que possui uma oferta 100% digital, que não depende da aquisição de bens físicos ou matéria-prima, e conta com as facilidades da distribuição e vendas digitais, via e-commerce, por exemplo, está diretamente na rota de colisão com a primeira onda de empresas virtuais.
O nível de exposição é particularmente alto para as empresas que operam em mercados commodities, ou seja, de baixa diferenciação qualitativa e briga acirrada por preços baixos.
Se o concorrente lança um novo produto no tempo que se leva para começar uma reunião, a empresa não consegue competir no preço. Tempo é dinheiro e seres humanos são particularmente lentos quando comparados às IAs. Dito isso, enquanto as IAs têm a vantagem da velocidade, as empresas humanas têm a vantagem da empatia, da criatividade e da capacidade de formar conexões genuínas.
A questão, então, não é apenas quem está exposto, mas como essas empresas e setores podem se reinventar e redefinir suas propostas de valor de maneira a explorar as capacidades únicas dos seres humanos. A exposição ao avanço da IA não é uma sentença de morte. É um convite à inovação e à redefinição do que significa oferecer valor em uma era cada vez mais digital e automatizada.
Seja mais humano
Concorrer no preço com empresas virtuais é uma estratégia falida, portanto, o que resta é concorrer na qualidade da experiência. E aqui, não basta apenas oferecer uma experiência superior, mas uma experiência profundamente humana e autêntica, que vai além da simples transação comercial.
IAs são excelentes produtoras, mas não são consumidoras. Neste mundo dominado por pessoas, nós continuamos sendo os clientes. Quanto mais o mercado for dominado por ofertas virtuais, maior será a demanda por experiências memoráveis. O cafézinho servido com um mimo e um sorriso, a viagem acompanhada de um guia divertido e atencioso, a camisa entregue com um cartão escrito à mão agradecendo o cliente pela patronagem, são exemplos de como empresas humanas continuarão conquistando a clientela.
Mas, para sobreviver, as empresas humanas precisarão ir além dos gestos simbólicos e mergulhar profundamente na essência do que significa ser humano. Isso envolve criar produtos, serviços e experiências que não apenas atendam às necessidades funcionais dos clientes, mas que também amplifiquem seus valores e aspirações.
Qualidade é um vetor de valor subjetivo. Para uns, o bom restaurante é o que tem um ambiente agradável, para outros é a carta de vinhos exclusivos. Humanizar a oferta significa apostar nos aspectos sociais que nos fazem felizes. Nós humanos gostamos de socializar, de dar nossa opinião, de sermos ouvidos e nos sentirmos valorizados.
A chave, então, é construir uma empresa que seja mais do que um mero fornecedor de bens ou serviços, mas um membro valorizado da comunidade na qual o cliente trafega. Uma empresa que entenda as nuances do comportamento humano e que esteja disposta a colocar as pessoas em primeiro lugar.
Pessoas valorizam experiências de alta qualidade e estão dispostas a pagar mais por elas. Humanizar a oferta é a melhor estratégia para concorrer com as empresas operadas por IAs.
So What?
2023 introduziu um cenário no qual empresas virtuais, 100% operadas por agentes generativos, conseguem produzir ofertas digitais com eficiência e velocidade até então impossíveis.
Três pontos importantes para a avaliação de empresários e executivos:
O mundo gira, mas a máxima “o cliente tem sempre razão” continua viva e forte.
Como a sua empresa enfrentará esse cenário?
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