Quando adolescente, numa dessas sessões da tarde transmitidas pela televisão, assisti ao filme norte-americano “O show de Truman”. A história é bem conhecida, e muitos dos leitores provavelmente também a conhecem. A priori, é divertida, e tem no ator Jim Carrey sua maior estrela. Para chegar aonde queremos, talvez um pequeno resgate se faça necessário.
Truman é um cidadão comum de classe média e leva sua vida em uma cidade. Tem seu cotidiano, sua esposa e seus amigos. É um homem como qualquer outro, com seus problemas e traumas. Contudo, ao passar o tempo, a personagem principal vai percebendo que há algo estranho em sua vida. Tudo que ele pensava ser real, não era.
Ele tinha razão. Incrivelmente, Truman vivia numa redoma desde seu nascimento. Na verdade, ele participava, sem saber, de um programa de televisão, transmitido 24 horas por dia. Sua vida era um reality show. Todas as suas relações eram programadas, sua vida era literalmente orquestrada por um diretor de tv. Em síntese, Truman não conhecia a vida como ela é.
Claro que o filme é uma grande caricatura. Contudo, passados alguns anos, concluo que é possível ler a cidade contemporânea à luz da experiência de Truman. Um exame cuidadoso da trama sugere crítica severa ao cotidiano de parcela da sociedade a viver, por exemplo, em condomínios-clube, geralmente, localizados em bairros de classe média/alta das cidades.
Os condomínios residenciais verticais ou horizontais, batizados pelo mercado como clubes, são formas imobiliárias comuns no tecido urbano. São produtos imobiliários, sucesso de venda. A primeira questão é: o que explica o sucesso dessa forma de morar?
A resposta pode ser dada de várias maneiras. Para alguns o mais importante é dispor de lazer completo, isso significa ter a acesso a uma piscina, academia, salões para festas e jogos, jardins e garagens para seus automóveis.
Por outro lado, tem-se o argumento da economia de compartilhamento. Tudo fica mais barato ao dividir as cotas e, dessa maneira, dispor de todos os serviços. Um terceiro argumento, menos utilizado e mais implícito, é o desejo pela homogeneidade social. Ou seja, o ideal de viver próximo aos iguais, sobremaneira, no quesito renda familiar.
Dentre as razões já descritas, considero o medo e a busca por segurança como o fator decisivo para o gosto por esses imóveis. De fato, todas as características físicas são potencializadas, porque estão cercadas por muros e cercas. São compostos por artefatos de segurança acrescidos por vigilantes humanos e digitais, câmeras e sistemas.
Parece que nunca tivemos tanto medo da rua, das calçadas e das praças. Em consequência, cada vez mais fechamos nosso cotidiano e nossas práticas comunais nos espaços condominiais. Os pais ficam felizes em confinar a si e aos seus filhos, sentindo-se seguros e distantes de vários problemas da cidade.
E aqui não digo que fazem por mal ou por egoísmo. Registro mea-culpa. Atualmente, moro em um desses condomínios.
Todavia, essa solução de moradia e de vida urbana, aparentemente inofensiva, nos leva à fábula de Truman. Caímos no canto da sereia ao achar que de fato estaremos seguros numa redoma enquanto a cidade apodrece e padece em razão da violência.
Ninguém em sã consciência deseja colocar os seus em perigo, ao contrário, quer dar-lhes as melhores condições de vida. Contudo, não teremos essas garantias criando fortalezas supostamente isoladas.
O que estamos fazendo é dar aos nossos filhos um show de Truman ou talvez os transformando em pequenos Trumans, um desconhecimento total do que é a cidade real. As soluções individualizadas são paliativas. Eu tenho certeza, mais cedo ou mais tarde, que os problemas da vida lá fora nos encontrarão.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.