Dos quadrinhos às telonas, saltam exemplos de heróis fortes e superpoderosos. Via de regra, nos enredos fantásticos e distópicos, as cidades são o cenário ideal para a ação dos justiceiros. Movidos por uma coragem inigualável, são capazes de grandes feitos, lutam contra criminosos, sozinhos vencem os arqui-vilões e estabelecem a ordem social. De um só golpe, combatem a violência urbana.
Afundada na corrupção, deteriorada e controlada por grupos criminosos, Gotham City é uma nova Sodoma à espera do castigo divino. Em meio a essa situação, nasce o homem morcego, o alter ego do jovem e rico Bruce Wayne. Após o assassinato de seus pais, o fundador da liga da justiça, movido por seu desejo de vingança, encarna o soldado capaz de limpar as ruas sujas e escuras da metrópole fictícia.
É superior a qualquer estatuto legal, faz sua própria investigação e captura todos os malfeitores. Seu senso de justiça nunca erra. Será!?
Na Detroit fílmica, um policial honesto sofre um atentado e é transformado em um ciborgue. Surgia assim o Robocop. A cidade do automóvel, antes considerada símbolo do crescimento capitalista, encontrava-se falida e entregue aos narcotraficantes. Contra a ineficiência do prefeito e a elevação dos índices de criminalidade, a nova arma, meio humana e meio máquina, era a solução perfeita. Contudo, os conflitos entre os resquícios de consciência e o software conduziram o herói a caçar incessantemente seus algozes.
Os roteiros pincelam essências da realidade, mas criam estereótipos. Nos cativamos pelos heróis. Afinal, não passam de diversão. No fundo, acredito que fazem sucesso porque exaltam nosso desejo de resolver problemas complexos e multicausais, utilizando-se de soluções únicas, rápidas e sem aparentes efeitos colaterais.
Ações policiais como as que ocorreram na última semana na cidade do Rio de Janeiro, na comunidade do Jacarezinho, me fazem lembrar desses dois heróis e dos seus respectivos contextos.
Primeira ressalva: se vivemos numa sociedade baseada na democracia e na justiça, qualquer cidadão descumpridor das leis deve passar pelo devido processo legal, inclusive com o direito à ampla defesa. Essa é uma garantia contra o autoritarismo, contra a barbárie.
Segunda ressalva: não se trata, da mesma forma, de ser complacente com criminosos ou criminalizar policiais. Conduzidos pelas prescrições constitucionais, as polícias têm um papel importantíssimo para a vida em sociedade, para a organização das cidades.
Os fatos violentos em cidades como Fortaleza não são ficção. As mortes e os crimes a envolver jovens delituosos também não o são. É lógico que conhecer e vivenciar tudo isso nos traz uma forte sensação de medo, até de terror. Em consequência, para frações da sociedade, esse perigo justifica qualquer tipo de procedimento à la Batman ou à la Robocop.
Numa sociedade democrática, nenhuma instituição específica ou segmento pode concentrar os papéis de polícia, julgamento e aplicação de punição.
Mesmo o cinema, com suas simplificações, nos traz algum tipo de lição a este respeito. Tanto o homem de capa preta como o policial do futuro descobriram que a corrupção, a violência ou o narcotráfico não findaram com a captura ou morte dos malfeitores do front de batalha. Até o nosso tupiniquim Capitão Nascimento descobriu o mesmo. Há outros agentes secretos, camuflados e poderosos, responsáveis pelas mortes e pelas organizações criminosas.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.