O litoral cearense é, indiscutivelmente, o principal espaço turístico do estado. No entanto, os mais de 570 quilômetros de praia são tão diversos e repletos de nuances que nos impedem de tratá-los como uma coisa só, um bloco homogêneo.
As propagandas e o marketing turístico costumam revelar ou destacar unicamente os casos de sucesso. É por isso que escutamos tanto falar de Porto das Dunas, Jericoacoara e Canoa Quebrada. Na estratégia de venda dos lugares e na tentativa de atração de mais visitantes, essa postura parece óbvia e coerente. Mas, para além disso, quem faz estudos sobre as condições socioeconômicas das zonas de praia, percebe problemáticas não escritas nos cartões postais.
Ultimamente, com o objetivo de superar o olhar convencional, tenho me dedicado ao estudo das condições de vulnerabilidade social em zonas de praia de municípios metropolitanos de Fortaleza. Estes espaços, desde os anos 1970, apresentam funções balneárias. Primeiro, para os fortalezenses que transformaram vilas de pescadores em balneários para veraneio, para o lazer marítimo.
Principalmente com as segundas residências e, em seguida, com o crescimento da visitação turística veio a tendência à urbanização destas zonas de praia, a partir de então, passam a ser conhecidas como balneários marítimos. Infelizmente, o processo de urbanização não representou diretamente o aumento da qualidade de vida dos habitantes das praias; na sua esteira, problemas sociais foram agravados e outros brotaram.
Nos anos 1980 e 1990, muitas praias metropolitanas constituíam-se como destinos certos dos fortalezenses nos finais de semana. Também o fluxo de ônibus era frequente, fazendo daquelas praias dinâmicos lugares de visitação, inscritos num roteiro turístico. Acontece que nas décadas seguintes, muitos destes espaços viram sua função balneária entrar em decadência. Substituídas por outras destinações, estes zonas de praia colecionam dificuldades.
Nossas pesquisas apontaram, nas praias metropolitanas, a formação de assentamentos habitacionais precários, marcados pela irregularidade na posse da terra, na geração de impactos ambientais e na sensação de medo em função da crescente onda de violência.
A urbanização desigual e contraditória foi à praia. Basta ver que menos de 10 quilômetros, em linha reta, em Caucaia e em Aquiraz, separam complexos turísticos internacionais de comunidades pobres espremidas entre dunas e lagoas, sem sequer ter acesso a água potável encanada. Aqui se verifica a justaposição espacial de formas desiguais e combinadas de ocupação da planície litorânea no Ceará: mansões de milhões de reais relativamente próximas a centenas de casebres habitadas por famílias socialmente vulneráveis.
Favelização
Geralmente esquecidas, essas comunidades pobres que crescem nos antigos balneários à beira-mar, à revelia das políticas públicas municipais e estaduais, sofrem com problemas comuns às periferias das grandes cidades e com tendência à favelização.
Com o desenvolver da nossa investigação, depois de 50 anos do início do processo mencionado, constatou-se efeitos intensos e impactantes: i) expansão da mancha urbana nos espaços litorâneos; ii) surgimento de zonas residenciais com alta e média condição de vulnerabilidade social nos assentamentos humanos; iii) deficiências infraestruturais básicas nos serviços públicos urbanos (ausência de abastecimento de água e de tratamento de dejetos); e, iv) crescimento demográfico e residencial de assentamentos precários próximos aos balneários turísticos.
O turismo litorâneo é só uma das funções planejadas para a zona costeira. Há de cuidar dos milhares de cearenses, pescadores e seus descendentes, que habitam este espaço e também merecem prioridade nos orçamentos públicos. Se a urbanização chegou a praia, que seus benefícios cheguem para todos.