Natal é o aniversário de uma criança, símbolo do amor, da aliança entre Deus e os homens. Uma criança que, apesar da morte na cruz, foi uma vencedora, aquela que salvou a humanidade. Natal é a festa da criança mítica, da criança vitoriosa e da criança feliz. No aniversário desta criança divina, símbolo de paz e felicidade, desperta dentro de cada um de nós outra criança, a criança que fomos e que ainda somos.
Esta criança divina mexe profundamente com outra criança que cada um tem dentro de si. A criança interior. O encontro entre essas duas crianças, a divina e a interior, pode evocar sentimentos profundos que revelam o estado emocional do adulto que somos hoje. É no Natal que elas se encontram, se olham e trocam palavras.
Cada um terá sentimentos bem específicos, pois revelarão o estado de espírito do adulto que somos. As emoções profundas da infância podem ser reativadas durante o Natal, revelando tanto a felicidade quanto as feridas não cicatrizadas. Para aqueles que conseguiram realizar seus sonhos de criança, vencer na vida, construir sua existência, estes têm o que celebrar, por terem algo em comum com esta criança divina do Natal.
Porém, outros, que tiveram seus sonhos roubados, suas vidas abortadas, neste dia fogem às festas, isolam-se dos outros, choram e se entristecem. É um dia de balanço da vida e descobrem que não têm razões para celebrar vitórias. Percebem que a criança que mora dentro de si está amordaçada, abandonada, maltrapilha, rejeitada, vagando pelas ruas da vida, sozinha, infeliz.
Para esses indivíduos, o Natal pode se transformar em um dia de introspecção dolorosa, um balanço de suas vidas que revela a falta de conquistas e razões para comemorar. Eles experimentam uma desconexão profunda, onde a criança que reside dentro deles e o menino Jesus. Sentem-se envergonhados, revoltados e por isso fogem das crianças felizes, dos ambientes alegres, pois enquanto outros têm razões para sorrir e celebrar, eles só encontram razões para chorar e se isolar.
O hino ao amor torna-se num réquiem, um hino aos mortos. A força e a beleza do menino Jesus contrastam com a fragilidade do que se é e do ser que tem se tornado. É compreensível então que não se suporte o júbilo de alguém e que se refugie no mais profundo de si, na mais triste solidão.
Na minha experiência como psicoterapeuta, testemunho a dor e o sofrimento destes infelizes do Natal. Muitos vieram ao mundo, mas não nasceram. Outros nasceram, mas não se desenvolveram. Outros, ainda, interromperam involuntariamente seu crescimento e arquivaram seus projetos de vida. Faltou-lhes o alimento indispensável à existência: o amor, a compreensão, o carinho, o respeito, a acolhida, o apoio, o estímulo.
São existências raquíticas, marcadas por uma série de carências e sobretudo analfabetas de amor. Ignoram que possuem dentro de si forças suficientes para libertar esta criança amordaçada e faminta de afeto. Perderam a capacidade de se rebelarem, de se indignarem com o estado em que se encontram. Agem como vítimas e vivem como mortas.
Neste dia de Natal, como eu gostaria de poder acolher estas criancinhas infelizes e poder dizer a cada uma que acredito nela, ajudá-la a descobrir suas potencialidades, desvendar-lhes os olhos, tirar a mordaça da boca, transmitir uma mensagem de fé e esperança.
Cada Natal é um apelo a cada um de nós, para despertarmos esta criança interior, dar-lhe as mãos, ensinar-lhe a falar e aprender a sonhar e a esperançar. O parto que me trouxe ao mundo foi o de minha mãe, mas este novo parto, sou eu que tenho que realizar. Sou aquele que gera e dá à luz. A luz que clareará a minha vida.
O Natal é um apelo à vida, à libertação de tudo aquilo que nos impede de viver, de amar, de crescer. O Natal é um convite à adoção desta criança abandonada dentro de cada um de nós mesmos. Não deixe que a dureza da vida ofusque em você o brilho da vida. Busque apoio nos amigos, se necessário recorra a um terapeuta.
Coragem, criança, vá em frente, não se deixe intimidar e lembre-se de que o oceano da vida será mais pobre se não receber a gota d'água que você é. Se não contribuirmos com nossa singularidade e potencial, o oceano se torna mais pobre.
Assim, o Natal não é apenas uma celebração externa, mas um convite à reflexão interna, um momento para abraçar nossa criança interior e permitir que ela brilhe, mesmo em meio às dificuldades. É uma época para reavivar a esperança e a coragem, lembrando que todos têm o direito de sonhar e viver plenamente.
Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.