O perdão e o pão nosso de cada dia

Devemos superar nossas incompletudes por meio do perdão não somente aos que nos cercam, mas também à natureza e a Deus

Escrito por
Adalberto Barreto producaodiario@svm.com.br

A vida humana, em sua essência, é marcada pela incompletude. Desde o nascimento, cada ser humano carrega uma fragilidade inata que o torna dependente do outro para existir. A criança precisa da mãe, do pai, da família. Essa precariedade saudável, como podemos chamá-la, é o motor que impulsiona a formação de vínculos inter-humanos, sejam eles familiares ou sociais. 

A premissa fundamental é que todos nós, seres humanos, nascemos livres e iguais em direitos, mas permanecemos em constante estado de precariedade ao longo de nossas vidas, pois dependemos integralmente dos outros e do planeta para nossa sobrevivência, conforme destacado na Declaração de Lyon de 2012.

Essa fragilidade nos ensina sobre a importância de sermos protegidos em nossa vulnerabilidade. Precisamos ser acolhidos com afeto, respeitados em nossa singularidade, reconhecidos em nossas diferenças, apoiados em nossas ações e valorizados por quem somos, e não por aquilo que podemos produzir. 

Cada criança, em sua jornada de crescimento, utiliza de maneira única os elementos que a sociedade oferece através da família, da escola, das regras e leis, das crenças e de todo o conhecimento que forma sua cultura. Esses componentes são cruciais para a organização e funcionamento de seu aparelho psíquico, permitindo-lhe gerar sentimentos e forças que a impulsionam a satisfazer suas necessidades.

Para que essa capacidade mental se desenvolva plenamente, é essencial haver uma identidade pessoal bem estruturada. Os cuidados necessários para isso devem começar no seio familiar, mas também precisam ser garantidos pelo poder público, abrangendo as esferas social, econômica e política. 

A convivência com a imperfeição exige, de todos nós, uma atitude de aceitação da nossa condição humana. O “Pai-Nosso”, uma oração cristã, nos lembra de dois aspectos fundamentais: o pão nosso de cada dia, que precisamos conquistar através do trabalho, e o perdão, que nos ensina que, em nossos relacionamentos com pessoas incompletas e frágeis, devemos superar nossas incompletudes por meio do perdão não somente aos que nos cercam, mas também à natureza e a Deus.

Viver é cuidar e conviver com diferenças. Os atritos são inevitáveis e necessários à nossa humanização e socialização. O perdão é a solução. Perdoar não significa esquecer. Quem esquece um erro cometido está fadado a repeti-lo. O verdadeiro perdão é compreender que não se pode crescer permanecendo preso ao sofrimento, à mágoa e ao ódio. 

O segredo para uma convivência harmoniosa reside em dois pilares: o respeito e o perdão. O respeito é fundamental para acolher as diferenças, entender os ritmos e as contradições, ter flexibilidade e estar disposto a fazer concessões. O perdão, por sua vez, é como uma faxina da alma.

Como disse o Papa Francisco: “Sem perdão, a convivência torna-se uma arena de conflito e uma fortaleza do mal.” O exercício do perdão é vital para nossa saúde emocional e sobrevivência espiritual. O ódio e o ressentimento nos adoecem e nos aprisionam. É um veneno que intoxica e mata. Quem não perdoa está fisicamente, emocional e espiritualmente doente.

O perdão traz alegria onde a dor trouxe ressentimento; cura onde a tristeza causou doença. Já vive o inferno em vida. Ele libera a quem pede perdão e libera ao perdoado de seguir seu caminho sem ressentimentos. 

A palavra “perdão” pode ser decomposta em dois elementos: “perder” e “doar”. Mas, o que devemos perder? Precisamos deixar para trás o ódio que alimenta a violência, a mágoa que envenena nossas vidas e a vontade de vingança, que só perpetua o ciclo de agressão. E o que devemos doar? O perdão nos oferece a oportunidade de nos libertar do sofrimento e de doenças, como a gastrite, permitindo-nos agir e caminhar livres do peso do ressentimento e da amargura de nos sentirmos vítimas.

A física quântica nos ajuda a compreender o que ocorre em relacionamentos marcados pela raiva e pelo ódio. Tudo é energia, e nossos pensamentos e sentimentos são formas de energia que vibram em diferentes frequências. Quando estamos feridos e cheios de raiva, essas vibrações se afastam de nós e se dirigem à pessoa que nos feriu. 

Uma característica fundamental da energia é que o que sai de nós acaba retornando. Quando permitimos que nossas vibrações de raiva deixem nosso ser, elas se conectam as do nosso agressor e retornam a nós mais intensas, criando um campo de energia tóxica que gera exaustão, dor e morte relacional. A única maneira de romper esse ciclo é deixar ir, como diz a música de John Lennon: “let it be”. Permitir-se encontrar novos espaços onde as vibrações possam se transformar.

A mudança no campo de energia só ocorre quando nós mudamos. É preciso fazer um esforço consciente para sair do lugar do ressentimento e começar a afirmar mentalmente: “Eu me perdoo, eu te perdoo, eu me liberto, eu te libero. Eu me liberto, liberto meus ancestrais e meus descendentes.” Repetir essas frases diversas vezes como mantras pode nos ajudar a perceber que o perdão e a compaixão que emanam de nossos corações retornam a nós como paz e serenidade.

Esse clima de mágoa, desconfiança e ódio que se instala entre as pessoas vai corroendo os vínculos de solidariedade e acolhimento que são tão característicos de comunidades sertanejas, nordestinas. A precariedade sadia se transforma em precariedade doentia. Isso gera um ambiente propenso a conflitos, intrigas, violências e até agressões entre familiares e contra vizinhos. O medo e a insegurança, por sua vez, se tornam fermentos da violência e da divisão social, provocando reações irracionais que podem desestabilizar a convivência pacífica.

O sentimento de descrença no próprio potencial se reflete em vários níveis. Ao nível individual, leva as pessoas a silenciarem seus sentimentos e emoções mais profundas, resultando em altos índices de tensão psíquica, violência e somatizações físicas. Quando os indivíduos perdem a confiança em si, eles experimentam um profundo vazio, sentindo-se desvalorizados tanto em suas famílias quanto na sociedade. Essa perda de autoconfiança é uma das mais dolorosas, levando a um estado de melancolia e à crença de que não merecem amor ou consideração.

Além disso, a confiança nos outros se esvai. As relações se tornam marcadas pela desconfiança, e qualquer tentativa de aproximação é vista como uma ameaça ou uma intrusão. Essa visão distorcida do outro impede a construção de laços saudáveis e solidários, fundamentais para uma vida social harmoniosa. A perda da confiança no futuro é ainda mais alarmante, pois o indivíduo se vê sem esperança, sem a crença de que pode avançar e vencer na vida. Essa falta de fé se estende não só aos relacionamentos interpessoais, mas também à sociedade, à humanidade e até mesmo a Deus.

Assim, a superação desse ciclo vicioso é um desafio que exige coragem e determinação. É necessário cultivar a consciência de que o perdão não é apenas um ato generoso, mas uma necessidade para o nosso bem-estar emocional e espiritual. O perdão nos permite libertar-nos das amarras do passado, transformar nossas energias e abrir espaço para novas experiências e relacionamentos.

Para viver em paz, é essencial que reconheçamos a nossa fragilidade e a dos outros. Essa compreensão nos levará a agir com empatia, a oferecer apoio e a criar um ambiente onde todos se sintam valorizados por quem são. O perdão, então, não é um fim, mas um meio de promover a cura e a construção de um futuro mais harmonioso. Ao nos permitir perdoar e ser perdoados, contribuímos para um ciclo de amor e solidariedade que pode transformar não apenas nossas vidas, mas também a sociedade.

Benefícios do perdão

Perdoar traz diversos benefícios, tanto emocionais quanto físicos. São eles:

  • Alívio emocional: O perdão pode reduzir sentimentos de raiva, ressentimento e mágoa, proporcionando uma sensação de alívio e paz interior. Saúde mental: perdoar pode diminuir a ansiedade, a depressão e o estresse, contribuindo para uma melhor saúde mental. 
  • Melhor saúde física: Estudos sugerem que o perdão está associado a uma redução da pressão arterial e a um sistema imunológico mais forte. 
  • Relacionamentos mais saudáveis: O ato de perdoar pode melhorar a comunicação e a confiança entre as pessoas, fortalecendo os relacionamentos. 
  • Maior empatia: O perdão pode aumentar a capacidade de entender e se colocar no lugar do outro, promovendo a empatia. 
  • Liberdade emocional: perdoar permite que você se liberte do peso da mágoa, permitindo que você avance na vida de maneira mais leve. 
  • Crescimento pessoal: O processo de perdoar pode levar a uma maior compreensão de si e um desenvolvimento pessoal significativo.

Esses benefícios mostram como o perdão é um ato poderoso que pode transformar a vida de uma pessoa de maneira positiva.

Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.