E se fossem os Beatles tocando em Paraisópolis?

Maestro, por onde anda esse rock trevoso? Se eu te disser que tem uma pá de black metal evangélico? E o Rock In Rio com Espaço Favela? Tudo nos conformes.

Tarde da noite depois do trampo. Aquele lance de passar em supermercado. Comprar algo pra fazer janta. Motorista de aplicativo. Um figurão pop toca bem alto no carro. A canção fala de uma mina estrangeira repleta de beleza. O nome dela é Nikita. O chapa da direção aponta o dedo pro som no rádio. Insinua em direção àquela fera da Indústria Cultural: "Até parece que gosta".

Algumas quadras são percorridas naquele silêncio que alimenta a necessidade do benéfico isolamento social. Me concentro nos teclados bregões da música. O tema retorna quando o cara dispara pausadamente o nome de alguns outros cantores.

Compara passado e presente citando Matogrosso, Mercury, Cazuza... Dono de um semblante preocupado e estarrecido, conclui a conversa com um "e hoje temos Pabllo Vittar?"

No jogo preguiçoso e forçado do se fazer de besta dividi. "Tu acha que quando o Ney Matogrosso apareceu, no tempo dele, dançando vira, se rebolando, a família brasileira curtiu? Será que falaram: 'Porra! Taí, o grande Ney. Que artista! Mesa para seis no Ideal quando ele vier'".

Mediada entre a preguiça e o desejo de sumir, a resposta foi o subterfúgio mais simples naquela ocasião. Pouco sei da precisão da resposta caso ele retrucasse. "Não curto Pablo Vitar, não. Eu gosto dum rock mais assim", defendeu.

A experiência com “Nikita” no Uber fez encucar um papo cansado.

Falo do rock "mais assim" citado pelo amigo motorista. Como o talibanesco Brazil 2019 entrega uma trama bizarra 24h, não é que o tal do rock'n roll acabou sendo jogado no ventilador? O roque voltou a ser marmita de degenerados. Teta da maldade a serviço de satã. Ambiente de droga e alucinações abortivas. Até os Beatles entraram na história. Comunistas devassos. Gente escrota tal qual o piromaníaco do Leo D' Caprio.

Tal qual um Pelé no milésimo gol com papinho de "salvem as crianças", um senhor alçado ao cargo de presidente da Funarte mandou todo um papo noiante e recheado de conspirações.

A nova estrela da rede mundial de computadores brazuca é apresentado como maestro. É outra nomeação do novo secretário de cultura, o " é um tal de Alvim, aí", como foi apresentado o figura pelo presidente a jornalistas.

O mandatário da Funarte creditou ao remelexo pélvico de Elvis a origem de toda lascívia e bunda lê lê na Terra do Tio Trump. Regurgitou mantras de comunas infiltrados. Parte das alucinações atestam pactos demoníacos entre os músicos do gênero. As afirmações foram extraídas do canal de YouTube mantido pelo maestro. 

Seu maestro, o senhor já foi a um show cover de Beatles em Fortaleza? Criatura, tem nada dessa safadeza aí, não. É só família. Todo mundo bom rapaz. Um comercial de margarina que amava os Beatles e os Rolling Stones.

Um “iê, iê, iê” legalizado. Se acalme. Alguns desses músicos que ganham algum homenageando os quatro garotos de Liverpool estão até bem satisfeitos com o atual Governo. Tá tudo em casa. Tenha dó.

Maestro, por onde anda esse rock trevoso? Se eu te disser que tem uma pá de black metal evangélico? E o Rock In Rio com Espaço Favela? Tudo nos conformes. Geração Rock 80 é tudo gente recatada. Paulo Ricardo e Andreas Kisser até fizeram música para as Rotas Ostensivas Tobias Aguiar, a Rota.

Raul virou X9. O Skank acabou. O Dead Kennedys querem a “América Grande Outra vez". Tico Santa Cruz discutiu pesado na TV com Sérgio Malandro. O agravante: na ocasião, Malandro usava o famoso boné com hélices.

Chega junto num "pub" desses de Fortaleza. "Noites calientes regadas a Coldplay, Charlie Brown Júnior e toda uma turminha sapatênis jovem de coração". Venha testemunhar existências nas quais a vivência mais perigosa no cotidiano é ter que topar nos cruzamentos com limpadores de para-brisa.

Red Hot Chili Peppers, Metallica, Foo Fighters e Scorpions certamente serão confirmados para o RIR 2021. Verdadeira odisseia no espaço. Finado Fred Mercury cantando "Love of My Life" via holograma. Seu chefe da Funarte, o "sonho acabou".

Lennon foi executado na porta de casa como um animal. Reaça dos bons, Elvis, se vivo fosse, seria o primeiro a fazer um concerto musical no muro que separa EUA do México. Toda arrecadação seria doada à National Rifle Association.

Ao tentar espremer algo razoável das falas do youtuber, chego à faminta curiosidade de localizar o paradeiro desse roque doidão e devorador da moral. Santa Escola de Frankfurt, Batman.

Diante de tal cenário me agarro a uma constatação. Tenho mais medo de quem compartilha a fala do novo dirigente da Funarte. Desconfio dos que replicam e se prestam ao papel de ecoar algo tão infantilóide e estrategicamente idealizado.

Enquanto boquiabertos defendemos esse rock mole das garras de um ser medieval, nove pessoas foram assassinadas em Paraisópolis.

Polícia de Dória em ação. Baile funk. Comunidade. Coisa de bandido. Se tivessem em casa ouvindo “Le It Be” nada disso teria acontecido.

No mundinho da internet vi pessoas pilhadas. Inflamadas. Arrisco dizer que boa parte se preocupa verdadeiramente com o massacre recorrente nas periferias. Pediam justiça. Um olho por olho. "Eles deveriam agir assim nas raves, pra pegar playboy maluco de bala". Aí complica. PM ou qualquer coisa semelhante não deve chegar arrepiando com quem tá de boa, jamais.

Contudo, a mira na periferia é mais razinha. O dedo da lei costuma ser nervoso. Funk é promiscuidade e pura carne moída exportada da Babilônia. O citado "roque meio assim", na cachola de seu público, é o som de respeito. Arte digna à pratica de contrição. Seu maestro, arrume outra turma pra avacalhar. Durma tranquilo.

Boa parte dessa roqueiragem gosta mesmo é de pisar na cabeça da serpente. A última frase bem que poderia ser o título de um novo disco do Dinho Ouro Preto produzido pelo Bonadio.

Seu maestro, fuzilaram o músico Evaldo dos Santos Rosa com mais de 80 balaços. Nove jovens foram trucidados na "cidade paraíso". A baderna tá longe de ser culpa dos astros do rock. Difícil precisar responsáveis, quem sabe o B.O talvez pertença à "degenerada" Fernanda Montenegro.

As máximas “queimem as bruxas” e “rock não precisa de mensagem” soam tão deprimentes quanto a pergunta: "e se fossem os Beatles tocando em Paraisópolis?

“Pô, Paraisópolis?. Nada ver. Beatles comunista. Será que o aplicativo chega lá?”, rebateria algum perfil de twitter dos mais trogloditas.

Pessoal, próxima semana rola outra polêmica inócua na net. Somos os melhores na indústria vital dos memes.

A nova onda do verão pode ser o vídeo de alguém ensinando o espectador como depilar as partes íntimas ou alguma parada bisonha envolvendo a Piovani. Todo mundo tem o Caetano estacionando no Leblon que merece.

O senhor da vez eclipsa o que anda rolando na terra plana e devastada de Brasília. Nove pessoas são esmagadas e a bunda de muita gente cai devido a meia dúzia de delírios travestidos de erudição. Chilique de uma suposta alta arte cafajeste. O revezamento sincronizado de sandices da turma capitaneada pelo "é um tal de Alvim" anda de mãos dadas com uma parcela generosa da turma chegada ao rock.

Não há razão para pânico. “Oh, Nikita, você nunca saberá algo sobre meu lar”, cantou Elton John.