Contas de grandes e médias cidades são mais impactadas pela pandemia

Próximo ano será de busca pela recuperação dos cofres públicos ao patamar anterior à pandemia. Prefeitos terão desafio de equilibrar caixa e atender a demandas de investimentos em educação e saúde

Escrito por Ingrid Coelho , ingrid.coelho@svm.com.br
Legenda: As capitais e cidades mais populosas sentiram mais a queda da arrecadação com a paralisação econômica
Foto: Thiago Gadelha

O impacto do coronavírus na arrecadação dos municípios deixa para as próximas gestões das cidades cearenses e brasileiras um grande desafio. De acordo com o Anuário Multicidades – Finanças dos Municípios do Brasil Ano 16/2021, da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), os piores resultados foram observados nas finanças das médias e grandes cidades, a exemplo das capitais. Na avaliação do consultor econômico da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), André Carvalho, 2021 ainda será um ano de busca pela recuperação dessa arrecadação.

“Com certeza, será um ano de bastante desafio, porque 2021 será um ano de recuperar os patamares que tínhamos em 2019. É importante lembrar que, além dessa recuperação, será um ano em que, apesar da perspectiva da vacina, a educação vai demandar uma adaptação, o que exigirá investimento nas estruturas físicas”, pontua o consultor André Carvalho. Ele também lembra que, somado a isso, está o fato de que todo gestor precisa de um tempo de adaptação. “É natural na renovação que exista isso, um período de adaptação”, explica Carvalho.

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De acordo com o relatório da FNP, os números do primeiro semestre deste ano foram melhores em decorrência do aumento das receitas observado nas contas das grandes cidades brasileiras no período.

Já nos pequenos municípios, a receita do 1º semestre foi garantida pelos auxílios federais, apesar dos recursos terem chegado às administrações municipais de forma tardia, o que acabou por comprometer o planejamento das ações das prefeituras na pandemia, conforme o relatório.

“Até março de 2020, o agregado das receitas municipais vinha de uma trajetória de crescimento, com a receita corrente líquida apresentando um comportamento positivo de 5,7% na comparação do primeiro trimestre com igual período de 2019, em valores descontados da inflação”, diz o documento.

O relatório mostra que, nos municípios brasileiros, o desempenho dos primeiros três meses de 2020 não foi uniforme, considerando os componentes da receita municipal. “Enquanto a cota-parte do ICMS e o ISS registraram incremento real de 6,7%, o IPTU computou ampliação de 4,3%, o recolhimento do ITBI praticamente reproduziu o mesmo patamar do ano anterior (0,2%), o IPVA subiu 8,1%, e o FPM (Fundo de Participação dos Municípios) encolheu 1,3%”, aponta o anuário.

Choque das contas

O tombo nas receitas municipais começou a ser observado em abril, primeiro mês completo de quarentena, e o segundo trimestre fechou com recuo acentuado. O relatório destaca que, entre os tributos municipais, observou-se encolhimento de 16,8% na arrecadação do ISS e queda de 15,8% no IPTU na comparação com o segundo trimestre de 2019.

“O ITBI sofreu uma baixa ainda mais forte, de 24,4%. As transferências estaduais do ICMS diminuíram 15,1% e as do IPVA caíram 21,8%. O FPM, proveniente da União, foi reduzido em 19,1% no mesmo período”, diz o documento.

Além da redução da atividade econômica, o relatório justifica que a redução drástica também está aliada às postergações do parcelamento do IPTU e à suspensão da cobrança da dívida ativa adotadas por algumas cidades.

André Carvalho explica que é comum que os municípios mais populosos e as capitais sofram mais com a queda de ICMS. “Nos municípios mais populosos, e obviamente a Capital está inclusa, o ICMS é uma base mais forte na composição da Receita Corrente Líquida. E realmente o ICMS sofreu bastante durante esses meses, principalmente de abril a junho, durante o período mais agudo da pandemia, falando do ponto de vista fiscal”, explica. “(Esse cenário) acabou abalando fortemente esses locais nos quais a base de ICMS é mais forte, que são as capitais e os mais populosos”.

Ele destaca, entretanto, que a recuperação no ICMS observada em agosto, setembro e outubro permitem um olhar um pouco mais otimista. “Estamos vendo fortes altas, com uma recuperação em ‘v’, o que nos dá boas perspectivas do ponto de vista do ICMS. Mas os municípios sofreram não só com o ICMS, mas com os tributos próprios, que são ISS, IPTU, ITBI e Imposto de Renda Retido na Fonte”.

Municípios menores

André Carvalho também reforça que, no Ceará e no Nordeste, em cerca de 95% dos municípios, a receita tributária corresponde apenas a 5% da Receita Corrente Líquida. “Então, por mais que a arrecadação tenha um desempenho ruim nesses municípios, o que de fato vai contribuir para o desempenho são o Fundo de Participação dos Municípios, Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb) e o próprio ICMS”, diz.

“Em relação ao FPM, teve uma medida do Governo Federal garantindo o mesmo valor do ano passado. Sobre o Fundeb, tivemos aqui um certo impacto, mas houve recuperação de uns meses para cá. E sobre o ICMS, há uma tendência de igualar 2020 com 2019, em função do que esperamos para os próximos meses”, explica André Carvalho.

Incertezas

Na avaliação do especialista em Administração Pública da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Álvaro Martim Guedes, os próximos gestores municipais vão se deparar com um grande desafio.

“Seguramente, os próximos prefeitos vão pegar um caixa baixo, ações de políticas públicas em atraso, obras inacabadas e um cenário de incerteza, porque o cenário é muito conturbado e Brasília só dá sinais ruins para a política e a economia”, explica Martim Guedes.

Ele pontua que o cenário pandêmico agrava o fato de os municípios brasileiros serem, em geral, subfinanciados.

“As cidades brasileiras em geral não possuem uma abundância de recurso. Muitas políticas estruturantes de saúde, educação, meio ambiente e segurança poderiam estar sendo melhor realizadas pelos municípios, mas eles não possuem o devido financiamento”, acrescenta o especialista.

 

 

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