Retirada do ICMS da base do PIS/Cofins vai gerar créditos tributários às empresas; entenda

Segundo especialistas, iniciativa ajuda a reduzir zonas cinzentas nos impostos brasileiros e reforça importância de se aplicar uma reforma tributária

Concluindo a "tese do século", o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na semana passada retirar do cálculo da base da cobrança do PIS/Cofins o valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

A medida, vista como acertada por especialistas, deverá reduzir a arrecadação do Governo Federal, que poderá buscar alternativas para mitigar o impacto, mas ajusta os custos das empresas no Brasil por fazer um ajuste tributário devido. 

Vitor Valença, secretário-geral da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), explicou que a iniciativa faz com que a União retire da base de cálculo do PIS/Cofins os valores do ICMS destacados em notas fiscais de produtos. 

A justificativa se baseia na tese de que o formato usado atualmente estava causando uma dupla tributação nas mercadorias, o que reduziria os rendimentos empresariais. 

Ele comentou que, como o valor do ICMS já está incluído no valor do produto ou serviço e destacado na nota fiscal, a cobrança do PIS/Cofins sobre o valor desses itens configuraria a cobrança de um imposto sobre o outro. 

"Quando essas empresas vendem uma mercadoria ou um serviço, elas pagam ICMS, que é estadual e é destacado na nota fiscal. Mas a empresa também afere faturamentos que são base de cálculo para dois tributos federais, o PIS/Confins. Como o ICMS incide no preço do produto, isso inflava a arrecadação Federal", explicou Valença. 

Contas a acertar

Com a decisão, o STF definiu que o Governo Federal deverá ressarcir todas as empresas que passaram pela situação desde março de 2017 e que a questionaram na Justiça.

Segundo Valença, por se impactar uma ampla e diversa camada de negócios no País, a questão deverá gerar benefícios a empresas em todos os estados da Federação. 

Contudo, para os negócios que tiveram ações judiciais abertas antes da data definida pelo STF, há ainda a possibilidade de reaver os valores tributados em excesso por período retroativo de 5 anos. 

Ou seja, se a empresa já havia feito um pleito à Justiça para que a União não considerasse o valor do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins em 2013, a União terá de devolver os pagamentos desde o ano de 2008. 

Segundo o diretor da KPMG e do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Ceará (Ibef), Marco Furtado, a estimativa é de que decisão deverá gerar um impacto de até R$ 160 bilhões à arrecadação federal. 

Tivemos uma decisão definitiva (do STF) e devemos ter um impacto de R$ 160 bilhões aos cofres federais", disse.
Marco Furtado
diretor do Ibef
 

Recebimento dos valores

Furtado afirmou que o mais recomendável para empresas que ainda não entraram com ações na Justiça sobre o assunto, o façam para garantir o retorno dos valores pagos referentes à bitributação.

Ainda assim, o diretor do Ibef afirmou que os pagamentos da União poderão demorar um pouco, já que o Governo ainda precisará definir as regras de procedimento. 

"O Governo Federal precisará reconhecer essa decisão nas leis e ações normativas. Existe um limbo, então o recomendável é entrar com uma ação agora para poder se garantir", recomendou Furtado. 

De acordo com Valença há duas formas de ter os retornos financeiros da União em relação à questão. O contribuinte poderá pedir o pagamento em dinheiro, em forma de precatórios, ou receber créditos tributários para a cobrança futura de impostos. 

"Você pode entrar com uma ação e o juiz fornecerá um precatório, e a União vai ter de pagar o dinheiro diretamente na conta do contribuinte, ou, no pedido judicial, você calcula do valor que deve ser ressarcido, e o após aferimento da União, você terá um crédito para usar até em tributos que vão ser cobrados daqui para frente", explicou o representante da OAB.  

Contudo, ainda segundo Valença, o contribuinte tem até cinco anos para fazer o pedido de ressarcimento dos valores referentes à cobrança do PIS/Cofins incididos sobre o ICMS. 

Discussão antiga

Além de solucionar um problema tributário, o diretor do Ibef comentou que o STF deu fim a um embate histórico no País, que pode ajudar a reduzir as análises dúbias relativas ao sistema tributário brasileiro, ao que ele se referiu como "zonas cinzentas". 

"Essa é a tese do século, que vem sendo travada por mais de 15 anos no sentido de que a base de cálculo do PIS/Confins não deveria incidir o ICMS. Tivemos um julgamento favorável aos contribuintes em março de 2017, que, apesar de conceder que o ICMS deve ser deduzido da base do PIS, não se explicou como fazer", afirmou Furtado. 

A opinião é corroborada por Valença, que destacou, a partir da decisão referente ao ICMS, a possibilidade do STF avaliar e tomar decisões parecidas sobre outros tributos no Brasil, como o Imposto Sobre Serviços (ISS). 

O que a gente imagina que vai acontecer agora, e já existe até, é termos decisões positivas ao contribuinte de forma semelhante, como pode ser com algumas questões do ISS. As empresas agora vão agora em busca para a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/Cofins", disse. 
Vitor Valença
Membro de Comissão da OAB-CE

Importância da reforma 

Os especialistas também reforçaram a importância de se discutir uma atualização do sistema tributário brasileiro, que vem durante anos gerando confusões e situações dúbias ao planejamento tributário de governos e empresas. 

"Se a reforma tributária não for votada nos próximos anos, as pessoas continuarão discutindo essas zonas cinzentas, onde não se sabe se paga ISS ou outro tributo. Os tributos incidem sobre a mesma base, muitas vezes, ou tem características parecidas. Precisamos evitar o contencioso que temos no Brasil", disse. 

Isso ajudaria a diminuir as ações judicais e iria simplificar o ambiente de negócios para os investidores", completou. 
Marco Furtado
Diretor do Ibef

No entanto, apesar de o Congresso Nacional já ter iniciado o diálogo sobre modelos de reforma, o secretário-geral da Comissão de Direito Tributário da OAB-CE afirmou que os projetos já em discussão no Senado e na Câmara dos Deputados não solucionam totalmente os problemas. 

Segundo ele, a unificação de cinco tributos (PIS, Cofins, ICMS, o ISS e IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados) na base única de um imposto sobre valor agregado poderia trazer danos consideráveis a alguns setores, como serviços, pelo aumento de carga tributária. A iniciativa poderia forçar um regime especial para o setor e criar novas "zonas de confusão". 

"O sistema tributária atual é muito complexo e leva a isso, se a cobrança é devida ou não, se gera abuso, e esperamos que se isso se resolva no Congresso", afirmou Valença.
 
"Temos as comissões discutindo o assunto, mas ainda caminhamos a passos lentos. E a reforma tributária vai ganhar uma nova força porque a União vai perder arrecadação e pode ser que ela tente recuperar esse valor, aumentando a alíquota de um tributo ou outro", completou.