Reajuste de taxas de turismo em Jericoacoara irá preservar destino

Aumento de preços de acesso e estacionamento é visto como forma de controlar o turismo na vila e reduzir os impactos ambientais e sociais. Solicitação de revisão das taxas partiu do próprio Governo do Estado

A aprovação do reajuste das tarifas de estacionamento externo, que deve passar de R$ 20 a R$ 40, e da taxa de turismo sustentável de Jericoacoara, de R$ 5 a R$ 30, tem o apoio de especialistas e representantes do trade turístico – que avaliam a medida como quase tardia. O objetivo é frear o turismo predatório na vila e garantir o financiamento da infraestrutura básica necessária aos visitantes e à população. 

O coordenador do laboratório de Políticas Públicas do Turismo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Marcius Tulius Sousa Falcão, aponta que o turismo em Jericoacoara se desenvolveu sem controle e de forma desenfreada ao longo dos último anos, o que acaba acarretando diversos problemas ambientais e sociais ao destino.

Ele acredita que o reajuste das tarifas poderia ter sido discutido há mais tempo e ser implementado de forma escalonada, a fim de minimizar o impacto econômico aos visitantes. “Temos observado que desde que foi liberada parte das atividades turísticas, Jeri tem aglomerações quase todos os fins de semana. O fluxo de pessoas vai além da capacidade do destino. A vila não tem condições de receber essa quantidade de turistas. Tinha que ser feito um estudo de capacidade”.

O coordenador lembra que, ao ministrar aulas do curso técnico em Guia de Turismo, costumava levar os alunos a Jericoacoara sempre às quartas-feiras, oportunidade com a qual pode observar o crescente fluxo de pessoas no destino ao longo dos anos. “Até cinco anos atrás, o movimento era normal. Hoje, uma quarta parece um sábado. Imagina como está o fim de semana. O controle necessário não foi feito”, destaca.

Prejuízos

Falcão elenca alguns problemas que se desenvolveram ou foram agravados pelo turismo desenfreado em Jericoacoara. O primeiro deles, de ordem ambiental, compromete a própria existência e atratividade de um dos principais destinos turísticos do Ceará.

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“Os impactos são visíveis. A Duna do Pôr do Sol, por exemplo, está diminuindo. É algo já discutido em outras ocasiões. Após as 17h, o fluxo de pessoas no local não tem controle, não existem regras respeitadas para acesso a espaços importantes como esse”, alerta o coordenador.

“Se continuar assim, será que daqui a dez anos teremos Jericoacoara? Teremos Duna do Por do Sol? Teremos Pedra Furada?”, questiona.

Outras problemáticas de ordem social também preocupam. Segundo Falcão, a crescente exponencial de visitantes traz consigo o aumento do tráfego de carros e, consequentemente, de acidentes. “Além dos acidentes, quantos carros também não atolam, quantos problemas não são relatados? Fora isso, também aumenta o fluxo de drogas, aumentam os furtos, intensifica a violência que já existia de certo modo”, destaca.

Bate-volta

Falcão ainda aponta que os chamados bate-volta, viagens a Jericoacoara de apenas um dia, são uma das práticas mais prejudiciais ao destino por aumentar a média diária de pessoas no local. “Fora que não é uma experiência muito legal, não dá para desfrutar da viagem”, avalia.

Questionado se o aumento das taxas cobradas não desestimularia a ida de turistas ao destino, ele argumenta que a visitação tem de ser desenvolvida com responsabilidade, controle e respeitando a capacidade de cada local.

“Todo mundo que quer vai a Fernando de Noronha? A Bonito, no Mato Grosso do Sul? A Ushuaia, na Argentina? Existem vários lugares em que existe controle de fluxo de visitantes. Por que nós não podemos ter também para respeitar o bem natural que existe hoje e que possa continuar existindo como o paraíso que todos falam?”.

Hotelaria

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Ceará (ABIH-CE), Régis Medeiros, também é favorável ao reajuste e acredita que não deva gerar prejuízos à ocupação da rede de hotéis e pousadas instaladas em Jericoacoara, justamente por reduzir o turismo de um dia.

“O aumento das taxas vai dar uma segurada no excursionismo, aquelas pessoas que chegam de manhã e vão embora à noite. É um tipo de turismo que não ajuda muito, que não deixa muitos recursos no local, que muitas vezes suja o destino, cria uma massa grande de pessoas que acaba até atrapalhando aqueles que lá estão ficando por um período mais longo, usando de fato os hotéis. Vejo a decisão com bons olhos e como uma forma de ajudar o destino”, aponta.

Ele ainda lembra que os recursos arrecadados com as cobranças serão destinados à infraestrutura da vila, reduzindo a escassez de dinheiro enfrentada pela Prefeitura para investimentos.

Motivação

O reajuste das tarifas foi solicitado pela Secretaria de Turismo do Estado do Ceará (Setur) com o argumento de controlar o turismo desenfreado e de financiar as despesas necessárias para garantir serviços de qualidade aos visitantes e moradores. O titular da Pasta, Arialdo Pinho, revela que apenas a arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS) não está sendo suficiente para cobrir as despesas.

“Nós temos um Conselho lá e estamos fazendo certas exigências. Jericoacoara não tem acessibilidade, não tem tratamento digno do lixo, precisa de serviço de limpeza da areia, falta infraestrutura”.

Ele indica que, no caso do estacionamento, o terreno pertence à Setur e é cedido à Prefeitura. Por conta da falta de organização no local, a Pasta está condicionando a um plano de requalificação para a renovação do contrato de cessão, já vencido. O Governo irá lançar, até 15 de dezembro, nova licitação para ampliar a rede de água e esgoto devido à ampliação da necessidade da comunidade e hotelaria.

Sobre a cobrança da taxa de turismo sustentável, Pinho aponta que o pagamento da estadia por dia não estava funcionando, por isso a reformulação da tarifa para o valor único de R$ 30 que permite a permanência do visitante por até sete dias. “Tinha gente que comprava ingresso de um dia e passava dez”.

Ele também acredita que o aumento das tarifas não irá desestimular o turismo em Jericoacoara por não considerar um gasto expressivamente alto. “Se fosse R$ 90 por dia, eu ficava calado. Mas R$ 30 por uma semana não vai desestimular não”.