Preços das passagens aéreas chegam a dobrar em alguns destinos; entenda por quê

Voos entre capitais do Nordeste estão entre os que sofreram maiores aumentos

Os conturbados cenários macroeconômicos mundial e nacional têm gerado instabilidade e incertezas que estão abalando diversos setores, incluindo o da aviação civil.

A escalada no preço do petróleo no mercado internacional em função da guerra na Ucrânia, associada com a variação cambial colocam em xeque a velocidade da recuperação do setor e custam caro aos passageiros que almejavam a volta das viagens mais frequentes.

A reportagem do Diário do Nordeste fez simulações de passagens para cinco destinos partindo de Fortaleza: Recife, Salvador, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo.

Alguns dos preços encontrados são praticamente o dobro da média registrada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) em fevereiro, última pesquisa disponível.

As buscas, realizadas na plataforma de buscas Kayak no dia 2 de maio, consideram os menores valores encontrados para viagens no próximo mês com sete dias de permanência - ida no dia 13 de junho e volta no dia 20 de junho.

A maior diferença registrada foi para o trecho Fortaleza-Salvador (ida e volta), que custava em média R$ 666,82 (R$ 333,41 o trecho) em fevereiro deste ano, segundo a Anac, e agora custa cerca de R$ 1.297. O aumento é de 94,5%.

A tarifa considerada é para voos diretos e inclui bagagem de mão de até 10kg e acúmulo de milhas.

Em seguida, o trecho com a maior elevação no valor dos bilhetes foi Fortaleza-Recife, com uma diferença de 49,3%. Os valores passaram de R$ 480,02 para R$ 717 ida e volta.

Já as ligações a capital cearense com São Paulo e Brasília ficaram mais estáveis, com incrementos de 16,4% e 17,8% respectivamente.

Em contrapartida, a simulação feita para viagem de Fortaleza ao Rio de Janeiro se mostrou 4,08% mais barata que a média indicada pela Anac.

Confira os detalhes da comparação:

Prejuízos aos passageiros

A forte pressão inflacionária já prejudica os passageiros de forma significativa, e até mesmo fazendo-os desistir das viagens.

É o caso do advogado Cristiano Lemos. Estudante de concursos, ele já desistiu de três provas em função do alto custo das passagens. Além dos certames que teve que 'abrir mão', Cristiano ainda enfrenta dificuldades para comparecer a outras duas provas nas quais se inscreveu.

O advogado se inscreveu para um concurso que seria realizado em Brasília no fim de maio e comprou o bilhete aéreo em março para evitar preços estratosféricos típicos de véspera de viagem.

No entanto, no dia 29 de abril, a banca organizadora do concurso emitiu comunicado informando que, devido ao alto número de inscrições, teria de distribuir os candidatos para outras cidades além de Brasília.

Na divisão, Cristiano foi realocado para Goiânia. Ele detalha que tentou alterar as passagens já adquiridas, mas a companhia o isentou apenas da taxa de alteração, ainda necessitando efetuar o pagamento da diferença entre os bilhetes.

Pedi pra atendente simular e o valor ficou em R$ 2.220, totalmente impraticável, de forma que eu não vou conseguir alterar essa passagem. Vou ter que ir pra Brasília e de lá pegar um transporte terrestre, um ônibus ou alugar um carro, pra ir até o local da prova, em Goiânia".
Cristiano Lemos
Advogado

Ele ainda pontua que mesmo que pedisse o cancelamento do atual bilhete e comprasse uma nova passagem, ainda não compensaria. 

O advogado também relata que ainda não comprou passagens para a segunda prova que deve realizar, dessa vez em Florianópolis, exatamente porque os valores estão muito altos. "Estou tentando aguardar uma queda para comprar, mas sem muita esperança", desabafa.

Preço do combustível e dólar

O pesquisador do Núcleo de Economia do Transporte Aéreo do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (Nectar-ITA), Alessandro Oliveira, explica que os fatores que influenciam o preço das passagens são o valor do combustível da aviação, derivado do petróleo, e vem sofrendo desde as ameaças do conflito entre Rússia e Ucrânia, e a variação do dólar.

Além disso, ele pontua que a crescente demanda interna supera o ritmo da retomada da oferta.

"É claro que os preços tendem a subir se a demanda crescer mais rápido que a oferta, porque as companhias aéreas vão adicionando capacidade, mas com prudência, porque apesar de ninguém querer perder marketshare, ninguém quer aumentar custos e ficar sem competitividade", esclarece.

O que dizem as companhias

Azul

"A Azul esclarece que os preços praticados na comercialização de seus bilhetes em pontos variam de acordo com alguns fatores importantes como trecho, sazonalidade, compra antecipada, disponibilidade de assentos, entre outros. Além disso, a companhia ressalta que a alta do dólar e do combustível, algo que vem ocorrendo sistematicamente, também são elementos que influenciam nos valores das passagens".

Gol

"A Gol acompanha atenta e permanentemente a alta dos valores do barril de petróleo no mercado internacional registrada nas últimas semanas. As cotações atuais, as maiores desde 2008, impactam os custos das operações de todas as companhias aéreas, que têm justamente no preço do QAV (querosene de aviação), a variável que mais interfere nos preços de passagens aéreas.

O QAV representa hoje cerca de 50% dos custos de um voo, percentual bem acima da média histórica. Comparada a 2019, a alta é de aproximadamente 90% e, em relação aos valores do último trimestre de 2021, de 30%. Diante deste cenário, é inevitável o aumento dos valores das passagens, porém não é possível determinarmos um percentual exato em função da atual volatilidade dos preços do QAV.

Reforçamos que o processo de precificação é dinâmico e também segue a oscilação da demanda e da elasticidade e sazonalidade, inerentes ao setor aéreo. Quanto ao impacto na oferta, por enquanto a GOL não tem mudanças planejadas em virtude do aumento de custos. Ajustes pontuais realizados em algumas bases são naturais da operação e acompanham as oscilações de mercado. Todos os Clientes que tiveram voos impactados pelas alterações programadas estão sendo notificados e recebendo o devido atendimento da Companhia, seja com remarcação ou reembolso integral".

Latam

"A Latam esclarece que a vulnerabilidade externa em função da guerra na Ucrânia impacta diretamente no preço do petróleo e, consequentemente, no preço do querosene da aviação (QAV) e nos custos da empresa. Diante disso, precisou realizar ajustes nos preços de passagens".

Abear

"A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) destaca que os dados mais recentes disponibilizados pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) mostram que houve um aumento de 19,28% nos preços das passagens aéreas comercializadas no mercado doméstico, em 2021, em relação ao ano anterior. Apesar desse crescimento, a tarifa média do ano passado (R$ 494,01) ficou muito próxima da tarifa de 2019, antes da pandemia (R$ 480,64).

Segundo a ANAC, um dos principais motivos foi a expressiva alta de 91,9% no preço médio do querosene de aviação (QAV), que responde por mais de um terço dos custos das companhias aéreas, e o aumento de 8,4% na cotação do dólar, que indexa mais de 50% dos custos do setor, nos mesmos períodos de comparação, o que pressionou ainda mais os custos estruturais da aviação, o Custo Brasil, que afeta negativamente diversas outras atividades econômicas
no país.

Diante disso, a ABEAR destaca que quaisquer eventuais reajustes nos valores dos bilhetes aéreos neste ano devem também levar em conta a pressão adicional nos custos gerada pela guerra na Ucrânia."