Os condutores de automóveis movidos a diesel têm precisado desembolsar cifras cada vez maiores para conseguir encher o tanque no Ceará. O preço do combustível no Estado segue batendo recorde, e acumula alta variação desde janeiro, o que pode afetar a logística de transportes de carga e de passageiros.
Segundo o levantamento semanal da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o diesel comum no Ceará tem preço médio de R$ 6,47 por litro. Já o S-10 está sendo vendido a R$ 6,12/litro, mas pode ser encontrado até a R$ 6,99/litro em alguns postos.
Os valores consideram o período entre 17 e 23 de setembro. Este é o segundo maior preço do diesel no ano no Estado, perdendo apenas para a primeira semana do ano (de 1º a 7 de janeiro). Na ocasião, tanto o combustível comum quanto o S-10 custava R$ 6,72/litro, em média.
Em comparação com a semana entre 23 e 29 de julho, o diesel comum acumula alta de 30,18% no Ceará. Naquele período, o combustível atingiu o valor mais baixo do ano no Estado: R$ 4,97/litro. O S-10 estava em R$ 4,92/litro.
Esse aumento contrasta com o restante do ano, conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado no último dia 12 de setembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE). Para o cálculo, são consideradas as maiores regiões metropolitanas do País, como a de Fortaleza.
Com relação ao começo de 2023, o diesel caiu, no acumulado dos oito meses do ano encerrados até o momento, 21,02%. Nos últimos 12 meses, a queda é ainda maior: de 25,29% somente na Região Metropolitana de Fortaleza.
SOBE E DESCE
Pela primeira vez no ano, o diesel registrou alta e foi um dos responsáveis pela inflação positiva em agosto. No mês passado, o combustível ficou, em média, 6,82% mais caro em Fortaleza. Em junho, foi observada queda de quase 8% no preço do produto. Ao longo de 2023, contudo, o diesel acumula queda de mais de 21% no valor do litro.
O encarecimento do diesel vai à contramão do barateamento da gasolina comum. Se entre 10 e 16 de setembro, a gasolina custava, em média, R$ 6,23/litro no Estado, os motoristas encontraram na semana passada (17 - 23 de setembro) bombas marcando R$ 5,97/litro.
O assessor econômico do Sindicato dos Revendedores de Combustíveis do Ceará (Sindipostos-CE), Antônio José, explica a diferenciação dos valores médios da gasolina e do diesel, ambos na modalidade comum, como um movimento do “livre mercado” de preços.
É o sobe e desce do mercado. Tanto a gasolina quanto o diesel são commodities, são recebidos de fornecedores diferentes, a Petrobras não atende totalmente o mercado, existem as refinarias privadas e existe o produto importado. De acordo com o recebido pelo vendedor, é repassado. O vendedor é um repassador de custos.
Ele completa a ponderação sobre a gasolina e o diesel atribuindo ao valor do dólar a principal variável para elevar ou diminuir o custo do combustível repassado aos consumidores.
“A explicação é de que há uma variação no preço do dólar, do barril de petróleo e na distribuição de preços para os varejistas, então o preço é repassado de acordo com a disponibilidade de preço que ele recebe. O mercado é quem dita o preço”, finaliza.
AUMENTOS EM CASCATA
A elevação do diesel nas bombas no Ceará já traz preocupação para consumidores e setores da economia. Como já ocorrido em outras ocasiões, a alta reflete nos preços de alimentos e demais produtos com alto valor agregado, principalmente com demandas cada vez mais urgentes por entregas.
“A nossa dependência do transporte rodoviário faz com que o impacto seja em efeito dominó em todos os produtos que usam do transporte rodoviário. Assim, o preço de produtos de consumo da cesta básica tendem a aumentar. Em torno de 29% do custo do frete do transporte é influenciado pelo preço do diesel. Logo, isso é repassado proporcionalmente para os produtos. No que tange a produtos de alto valor agregado, isso também acontece”.
As considerações são de Gildemir da Silva, professor do curso de Finanças da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador em economia de rede e de transportes, que também argumenta sobre a dependência nacional da matriz do modal rodoviário. Isso traz impactos sentidos quase que imediatamente pelos consumidores.
“De qualquer forma, o problema não é essencialmente o valor do diesel, mas a dependência que temos do transporte rodoviário na matriz de transportes brasileira. Caso tivéssemos outras opções com maior escala o impacto seria menor, mas com a atual configuração, tende ao aumento do diesel ter um efeito cascata em produtos básicos a produtos de alto valor agregado”.
Confira a evolução do preço do diesel (comum e S10) nas últimas sete semanas (preço médio por litro):
23 - 29/07 (menor preço do ano)
- Comum: R$ 4,97/litro;
- S-10: R$ 4,92/litro.
30/07 a 05/08
- Comum: R$ 5,04/litro;
- S-10: R$ 4,92/litro.
06 - 12/08
- Comum: R$ 5,22/litro;
- S-10: R$ 5,04/litro.
13 - 19/08
- Comum: R$ 5,81/litro;
- S-10: R$ 5,80/litro.
20 - 26/08
- Comum: R$ 6,37/litro;
- S-10: R$ 6,07/litro.
27/08 - 02/09
- Comum: R$ 6,32/litro;
- S-10: R$ 6,09/litro.
03 - 09/09
- Comum: R$ 6,41/litro;
- S-10: R$ 6,10/litro.
10 - 16/09
- Comum: R$ 6,46/litro;
- S-10: R$ 6,12/litro.
17 - 23/09
- Comum: R$ 6,47/litro;
- S-10: R$ 6,12/litro.
Vale lembrar que, em 16 de agosto, a Petrobras anunciou um aumento médio de R$ 0,78 no preço do litro do diesel, alegando retomada da cobrança de impostos federais e variações no preço internacional do petróleo. Em 5 de setembro, nova alta, desta vez de R$ 0,10.
DEPENDÊNCIA DO DIESEL
Apesar de o modal rodoviário ser, em larga escala, o mais utilizado no Brasil para o transporte de mercadorias, outros meios, que comportam mais cargas e podem baratear o preço final do produto, também são movidos via diesel. Isso inclui trens e navios.
No atual contexto de aumento exponencial do combustível, a questão-chave fica pela subida de todos os custos, devendo o consumidor final ser o mais impactado no curto prazo, como explica Bruno Bertoncini, professor do departamento de Engenharia de Transportes da UFC.
O aumento dos custos na cadeia em si vai ter impacto sobre o custo de vida, consequentemente isso implica em redução de qualidade de vida. As pessoas vão acabar, para comprar o mesmo nível, precisando de mais dinheiro, e vai ser um dinheiro que elas não vão poder acabar investindo em outras coisas ou então alguns setores, principalmente aqueles mais carentes, vai impactar em não conseguir mais comprar o que conseguia anteriormente.
“Isso vai acabar impondo o aumento da competitividade, algumas empresas vão ter que acabar reduzindo seus custos em outra parte com o mesmo padrão de frete, tentar com isso não perder clientes, mas isso implica em não conseguir dar a manutenção adequada no veículo, fazer uma quantidade de entregas superior ao que seria mais eficiente do que eventualmente vinha sendo praticado”, completa Bertoncini.
O professor de Engenharia de Transportes também alerta para os efeitos a serem sentidos pelos trabalhadores autonômos, como caminhoneiros “freelancers”, ou seja, motoristas que não têm vínculo fixo com empresas. O fator informalidade pode trazer prejuízos a essas pessoas, principalmente pela extensão de jornada.
“Muitas vezes eles não têm contratos a longo prazo, então eles trabalham muito em função de se ter uma carga. Essas negociações que são muito pontuais às vezes acabam sendo dificultadas com esse aumento porque muitas vezes ele não vai conseguir repassar esse aumento para a manutenção dos seus custos”, pontua.
A atual opção de compra dos brasileiros, atualmente cada vez mais atrelada a plataformas internacionais, também deve trazer o repasse do aumento do diesel para o consumidor final, sobretudo em um contexto de entregas com maior necessidade de rapidez.
“Para se ter uma relação custo-benefício importante, a gente tem que entender que não é uma solução trivial. No caso de equipamentos eletroeletrônicos, a nossa dependência tem uma vinculação com outros países, e isso impõe a necessidade de transporte em longa escala que vai ser associado, isso é um panorama global”, diz Bertoncini.
“É um problema que precisa ser visualizado de uma forma mais macro e virar política pública. Não vejo essa situação de controlar o preço do diesel a principal bandeira de planejamento, acho que não é o caminho. Acho que a precisa evoluir e ter um pensamento mais condizente com a sociedade em que vivemos, pautada por um consumo intenso, que está ao alcance dos dedos da tela do celular e demanda entregas cada vez mais urgentes. Acho que tem que ser tratado com o devido respeito e atenção devida”, analisa o professor da UFC.
RESERVAS IMPORTANTES
Os aumentos com custos logísticos devem chegar aos consumidores nas próximas semanas, principalmente sem indícios de queda no preço do litro do diesel, mas isso deve acontecer em uma velocidade menor do que o esperado, como prospecta o analista de mercado Odálio Girão.
Conforme o especialista, o Ceará deve sim ser atingido pela alta dos preços, principalmente com produtos oriundos de regiões mais distantes, incluindo aqueles que vêm de países vizinhos da América do Sul. Girão ainda acrescenta que as frutas e as hortaliças devem manter os valores por mais tempo.
“O modal rodoviário realmente é o principal meio de transporte, 98% dos produtos que chegamno Ceará vêm por meio rodoviário. Tem produtos que caminham até 4 mil km, e isso deve encarecer o frete e a logística dos produtos que vêm do Rio Grande do Sul, do Centro-Oeste e de países da América Latina. Quanto mais distante, maior o frete, mas até o momento, esse frete não foi impactado no mercado local porque estamos atravessando um período de boa safra e o próprio mercado está equilibrado com produtos com preços ainda baixos para o consumidor”, destaca.
O analista, porém, traz prognósticos de aumento de preço para aqueles produzidos em larga escala pelo agronegócio brasileiro, como carnes e grãos, incluindo arroz e feijão. Após leve queda, os dois cereais devem ter o valor elevado nos próximos dias nas prateleiras em virtude do diesel. Materiais como adubo, defensivos agrícolas e fertilizantes também devem encarecer para o produtor rural.
“São produtos que poderão sofrer impacto maior devido à logística, vindo da Região Centro-Oeste do Brasil ou os vindos de fora e chegando através dos portos de Santos e Paranaguá. O ano de 2023 não vai ter mais aquela produção como se esperava, vamos ter uma produção bem menor do que se esperava, então isso vai se impactar nos grãos inicialmente, depois nos laticínios que se vêm de fora”, expõe Girão.