Do frete que transporta o alimento do campo ao comércio até a eletricidade utilizada para produzir bens industriais, os combustíveis e a energia compõem custos-base da economia e têm influência sobre o preço de diversos itens.
A redução na alíquota do ICMS, limitada a 18% para combustíveis, energia, transporte coletivo e comunicações, já vem provocando uma queda no preço dos combustíveis no Ceará. A gasolina já foi encontrada por R$ 5,65 em Fortaleza, após semanas de preços acima dos R$ 7 em diversos postos.
Também há perspectiva de queda nas tarifas de energia. Na semana passada, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou a revisão extraordinária da tarifa, que deve trazer uma queda de até 3,02% nas contas, para além do alívio do ICMS.
A redução nas contas deve repercutir no bolso do consumidor de outras formas, à medida que indústria, comércio e serviços repassem a redução nos custos.
Mas, essas quedas têm o poder de reverter a inflação que já acumula alta de 11,89% nos últimos 12 meses – bem acima da meta de 3,5% fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN)? Há possibilidade de deflação?
O que significa deflação?
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mede a variação dos preços dos mais variados bens de consumo e serviço no país. Ele é quem mede a inflação, porque, geralmente essa variação é sempre positiva.
A deflação ocorre quando, por algum motivo, em vez de subirem, os preços gerais da economia têm queda. O professor e pesquisador do centro Mackenzie de Liberdade Econômica, Ulisses Ruiz de Gamboa, explica que esse fenômeno é raro e não deve acontecer no momento.
O que vai ter é uma redução na pressão de custos, que estava muito forte. Vai ter uma inflação menor que está no momento, vai permitir que o Banco Central encerre esse ciclo de aumento nos juros. Isso significa que o impacto negativo dos juros altos sobre a atividade econômica tenda a ser menor, mas isso só vai repercutir no ano que vem".
Ele avalia que a redução nos preços dos combustíveis e da energia devem colaborar para uma queda na inflação, mas não necessariamente uma deflação. Isso significa que os preços, no geral, não vão parar de subir, só irão subir mais lentamente.
Segundo o professor, mesmo com combustíveis e energia mais baratos, a inflação ainda deve fechar o ano acima da meta, por volta de 8%.
Queda em outros preços
Apesar de não ser prevista uma queda geral da inflação, alguns itens que possuem combustíveis e energia como custos principais podem sim sofrer deflação.
“São dois itens de custo essenciais para o funcionamento da economia. Nós temos a nossa infraestrutura em termos de transporte baseada em transporte rodoviário, com a redução dos combustíveis barateia o transporte geral dos produtos, tem um alívio tanto para o consumidor como para o produtor”, destaca Ulisses.
O coordenador da pós-graduação em mercado financeiro e capitais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), César Bergo, acrescenta que bens industriais e produtos em que o frete corresponde a grande parte do custo, como alimentos, devem ser os principais afetados.
Ele reitera, contudo, que esse efeito não é imediato. Os preços devem cair ao longo do tempo e também podem ser afetados por outras variáveis.
Aos poucos as planilhas de custo das indústrias vão reduzir e isso vai ser repassado para os produtos. Mas isso leva um tempo para que os estoques com preços menores chegarem nas prateleiras. Vamos ter uma queda de preços em cadeia
Uma variável que pode retardar a chegada dessa redução de preços ao consumidor é a recomposição de margem de lucro por parte das empresas, que podem não passar para o consumidor final a redução de custos.
“Pode acontecer, principalmente porque as vendas não estão propriamente tão fortes, poderia ter essa recomposição de margem. No varejo, é esperado um repasse de 60% da redução de custos. Pode ter alívio diretamente a outros itens”, diz Ulisses.
As variações do câmbio e do preço internacional do barril de petróleo também podem influenciar no preço dos combustíveis, mesmo com a redução do ICMS.
Fatores podem causar inflação
Apesar das quedas trazerem perspectivas otimistas, outros fatores podem contribuir para a pressão inflacionária. Para Ulisses, o ano eleitoral traz um clima de incertezas que mexe com o câmbio.
“É uma eleição bem polarizada, tem reflexos no câmbio. O governo atual está tomando medidas que são contrárias a um maior ajuste fiscal, isso aumenta a percepção de risco em relação à economia brasileira e às contas públicas. O preço do petróleo lá fora está caindo, mas se o dólar aumenta isso é água contra fogo”, pontua.
Ele também considera que a cultura de correção monetária deve acabar mantendo o patamar inflacionário atual para o ano que vem.
“O Brasil teve quase 50 anos de inflação alta, essa cultura ficou enraizada. Isso cria uma certa persistência. Se a inflação fecha o ano em 9%, ano que vem os itens vão ser reajustados em 9%, tem uma persistência na inflação”, contextualiza.
Bergo explica que pressões externas também devem afetar a economia nacional, principalmente com o aumento de juros da economia americana. Ele acrescenta que a alta do dólar inflaciona vários itens que têm valor ligado à moeda americana, como é o caso dos combustíveis.
Outro ponto é que, por mais que haja uma redução nas tarifas de energia, houve reajuste de até 64% nas bandeiras tarifárias neste ano. Caso elas sejam acionadas, a conta deve voltar a subir.
“Enquanto tiver na bandeira verde está tudo bem, quando entrar a bandeira amarela ou vermelha, elas foram aumentadas. Deve ser segurado até as eleições”, prevê César Bergo.