O Governo Federal deve lançar, ao longo desta quinta-feira (25), um programa para baratear os carros populares no Brasil. Os detalhes ainda não foram divulgados, mas se sabe que o enfoque do pacote é reduzir o valor dos automóveis vendidos entre R$ 50 mil e R$ 60 mil, incluindo a redução de impostos e outros incentivos para o setor.
O projeto, contudo, tem sido questionado por especialistas devido aos pontos críticos. São eles: o favorecimento das montadoras em detrimento da indústria nacional, o estímulo ao transporte individual e o impacto negativo sobre os mais pobres e os possíveis prejuízos ambientais.
O professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e PhD em Desenvolvimento Regional, Lauro Chaves, considera o projeto relevante para a classe média baixa conquistar esse bem de consumo, mas pondera sobre a necessidade de priorizar outros modos de locomoção.
Para ele, o ideal é discutir sobre como oferecer vários modais de qualidade, como ônibus, veículo leve sobre trilhos (VLT) e metrô. “A tendência da economia e do urbanismo mundial não é o transporte individual, é reduzir a dependência dele e alavancar o público”, analisa.
“Assim, democratiza a mobilidade, reduz a poluição e uma série de problemas para as cidades, contribuindo para um desenvolvimento sustentável”, complementa.
Propostas esperadas
Dentre as propostas ventiladas para o programa, estão:
- A redução de tributos para a indústria automotiva;
- Possibilidade de sacar parte do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para a aquisição do bem.
O doutor em urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Roberto Andrés, observa que o plano favorece um segmento com baixa contribuição para a geração de emprego e renda no País.
“No entanto, pela concentração de capital e força simbólica, concentrou incentivos do setor de transporte, no Brasil, nas últimas décadas. Esses incentivos tendem a drenar recursos públicos para as montadoras tomarem decisões de produzir veículos que já produziam há 10 anos”, avalia.
Na contramão da economia verde
Para Andrés, impulsionar a produção de carros populares é uma direção contrária às tendências mundiais relacionadas às questões ambiental e urbana, cujas prioridades são o transporte coletivo e a mobilidade ativa. Nesse contexto, aponta, não “é viável ter automóveis poluindo a atmosfera e emitindo gases que geram o aquecimento do planeta”.
“É um programa em descompasso com a economia verde, que deveria priorizar transporte público, ônibus, bicicletas, bondes, metrôs e investimentos em fábricas dessas áreas”, enumera.
Os automóveis são inviáveis tanto da perspectiva de gastos públicos, porque os custos sociais são muito grandes, quanto da perspectiva individual. Uma parcela grande da população brasileira, que está nas classes D e E, não tem condição de comprar e manter um carro. Essa população vai ser sempre refém do transporte coletivo. No entanto, é a mais prejudicada pelo excesso de carros, que geram congestionamentos, acidentes e poluição do ar"
Haverá benefícios para a indústria brasileira?
O País sofre com o fenômeno de desindustrialização, mas a avaliação é de que incentivar as fábricas de veículos populares não é um caminho para solucionar esse problema, conforme o professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, Paulo Feldmann.
“Um programa de carro popular vai favorecer as montadoras de automóveis, setor o qual não há empresas brasileiras. Portanto, não atende às principais necessidades da indústria no Brasil”, destaca.
Feldmann acrescenta que o Brasil tem potencial para fabricação materiais ligados às energias renováveis, incluindo painéis solares e pás eólicas.
Somos um País muito rico nesse aspecto, mas não produzimos nossos equipamentos. No Ceará, há fábricas que fazem, mas são poucas. A maioria dos itens é importada. Não era o caso de beneficiar a nossa indústria do futuro?"
“Há 30 anos, éramos grande potências no setor de calçados e brinquedos, hoje somos marginais nessas áreas. Uma política industrial inteligente deveria favorecer os segmentos ligados a energias renováveis e não montadoras, que são poderosas”, enfatiza.
Carros elétricos
Já a Federação das Indústrias do Ceará (Fiec) disse, em nota, “encarar esse programa de retomada do incentivo ao carro popular como uma oportunidade para o desenvolvimento sustentável brasileiro”.
“Temos que inserir nessa questão os carros elétricos, buscar novas tecnologias. Nós já temos no mundo carros movidos a hidrogênio, precisamos ter um aço verde que será produzido na Companhia Siderúrgica do Pecém", afirmou.
A entidade acredita que o ideal seria atrelar o estímulo ao uso do automóvel popular às novas técnicas de combustível, focando em veículos elétricos e movidos a hidrogênio. Desta forma, os carros incentivados usariam um “método de produção mais sustentável”.
Procurada, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) disse que só se pronunciará após a divulgação das medidas. Já o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) não respondeu aos questionamentos até a publicação desta matéria.