'Não dão emprego para pessoa sem experiência': as dificuldades dos desempregados há mais de 2 anos

De acordo com dados do IBGE, a porcentagem de desempregados há mais de dois anos é a segunda maior desde o início da série histórica

A rotina da desempregada Bella Asa, de 21 anos, inclui procurar diariamente vagas de emprego na internet e enviar currículos, além de ajudar a mãe e a avó nas tarefas de casa. No entanto, ela não consegue uma oportunidade desde quando terminou o colégio, no final de 2018. 

Ingressar no mercado de trabalho é um desafio para ela que se torna mais difícil com o passar dos meses. Quanto mais a oportunidade demora a chegar, mais ela fica desmotivada, sem esperanças de conseguir um primeiro emprego sem ter experiências profissionais.  

Bella é uma dos 3,4 milhões de brasileiros que estão há pelo menos dois anos buscando emprego. No primeiro trimestre de 2022, 29% dos desempregados no País estavam sem atividade formal há mais de dois anos. 

Este é o segundo maior índice desde o início da série histórica analisada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), menor apenas que o registrado no quarto trimestre de 2021, de 30,3%. 

Não há dados atualizados para a situação no Ceará. O último levantamento é do primeiro trimestre de 2020, quando 92 mil cearenses buscavam emprego há pelo menos dois anos, representando 17,9% dos desempregados à época. 

Primeira oportunidade 

Bella Asa mora com o irmão, a mãe e a avó, que cuidam do sustento da casa. Ela busca emprego desde que saiu do trabalho anterior e conta que, a esta altura do campeonato, aceitaria qualquer oportunidade. 

Sem uma forma de renda, ela nunca chegou a passar necessidade devido à ajuda dos familiares, mas não consegue comprar nada para si. Ela acredita que a falta de experiência profissional atrapalha que ela consiga adquirir experiência, em um ciclo vicioso. 

Apesar de ser formada em redes de computadores pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), ela não conseguiu até agora atuar na área. 

Eu tentei entrar nessa área, mas eles não dão emprego para pessoa sem experiência, principalmente em uma área complexa. O que eu aprendi eu estou esquecendo, porque não tem prática
Bella Asa
desempregada

Seu sonho é conseguir um emprego para, com dinheiro, pagar uma graduação em nutrição, área que realmente deseja seguir profissionalmente. 

Dificuldade em conseguir emprego 

A desempregada Andressa Maia Lima, de 25 anos, até chegou a trabalhar como jovem aprendiz em uma empresa, mas, desde então, não conseguiu outra oportunidade profissional. Ela busca emprego desde 2018. 

“As oportunidades que aparecem têm muito candidato, eu percebo que é muito mais fácil quando tem indicação”, diz.  

A busca por emprego inclui idas ao Sine/IDT e envio de currículos pelo LinkedIn. Até agora, ela foi chamada para poucas entrevistas e ainda não conseguiu um sim. 

Andressa conta que possui curso de administração e atendimento ao público, mas sua qualificação não é ainda o suficiente para chamar atenção do mercado diante da concorrência. Hoje, ela conta com ajuda do marido e da mãe para fechar as contas. 

Meus planos são trabalhar na área da administração. Agora eu quero juntar um dinheiro para fazer uma especialização, não tem como eu ficar com o que eu tenho
Andressa Maia
desempregada

O último emprego formal de Anna Karine Menezes, de 32 anos, teve o contrato encerrado no início do ano passado. Ela hoje faz bicos como empregada doméstica, mas gostaria mesmo da estabilidade de uma carteira assinada. 

O maior empecilho para conseguir uma vaga é sua rotina com seu filho, Jacó, de 8 anos. O menino possui diagnóstico de autismo e precisa comparecer à terapia semanalmente. 

“É difícil para mim que sou mãe, imagina para conseguir alguém para cuidar. Isso que tem me deixado mais triste, e o desemprego. Eu queria poder fazer um curso, uma faculdade, trabalhar para estar pagando isso. Mas é bem escasso mesmo”, lamenta. 

Reingresso ao mercado 

Houve uma elevação relevante no desemprego devido à pandemia e as restrições impostas ao setor produtivo. Em junho do ano passado, foi batido o recorde de 14,8 milhões de desempregados. 

Mais de dois anos após o início do Covid-19 no Brasil, o doutor em economia e professor da FACC-UFRJ Joseph Vasconcelos explica que a reação do mercado do trabalho não ocorre com a velocidade que era necessária para realocar todo esse contingente que perdeu emprego. 

Quem já estava desempregado antes da pandemia tem uma dificuldade ainda maior para ingressar no mercado agora. 

Quanto mais tempo você passa fora do mercado de trabalho, mais difícil é para você se realocar. A pessoa que está desempregada é vista de certa maneira como uma pessoa que tem perdido sua capacidade de desenvolver suas habilidades, são pessoas que são deixadas de lado e fica muito mais difícil se realocar novamente
Joseph Vasconcelos
doutor em economia e professor da FACC-UFRJ

Ele detalha que outro ponto que atrapalha o reingresso ao mercado é que as pessoas que estão há mais de dois anos buscando emprego normalmente possuem um perfil de mais idade e são das classes D e E, menos qualificadas para as vagas disponíveis. 

Segundo o economista, as empresas só devem dar preferência a essas pessoas quando os desempregados a menos tempo conseguirem se realocar. Para isso, seria necessário um crescimento econômico pelo menos na faixa dos 3%, bem acima dos 1,5% esperados para este ano. 

O mercado só vai atingir essas pessoas quando aquelas de outros grupos que estão mais qualificadas e estão no mercado de trabalho há menos de um ano forem contratadas. Para isso, a gente precisaria de um crescimento mais veloz no setor produtivo, o que não tem acontecido no último ano e nos últimos trimestres”, coloca. 

Joseph considera que o governo deveria elaborar políticas públicas voltadas para essas pessoas que estão há mais tempo afastadas do mercado, como existem hoje os programas de primeiro emprego.  

Orientações para voltar ao mercado 

A diretora de operações da consultoria LHH no Nordeste, Carla Verônica Castro, pontua que mais importante do que o tempo de desemprego é o profissional se manter ativo para ser visto pelas empresas. 

“A empresa vai olhar quem se manteve ativo e conectado, estudando. A empresa não vai olhar na carteira de trabalho, há quanto tempo não está assinada. É o que você fez nesses dois anos, o que você fez de diferente enquanto não estava em um emprego formal”, afirma. 

Confira dicas dadas pela profissional: 

  • Mantenha seu perfil profissional sempre ativo nas redes sociais. O LinkedIn pode ser a porta de entrada para empresas. 
  • Invista em qualificação. Diversos cursos estão disponíveis gratuitamente na internet e a indicação é buscar o máximo de conhecimento para estar atualizado com o mercado. 
  • Mantenha a cabeça aberta. Quem quer ingressar no mercado depois de tanto tempo não pode se fechar a oportunidades apenas nas áreas em que já trabalhou. Busque oportunidades e estude sobre outros mercados, talvez a oportunidade esteja onde você menos esperar. 
  • Foco na rede de contatos. Muitas vezes, é necessário de indicações para conseguir uma vaga de trabalho. Avise seus contatos próximos que está em busca de emprego e faça conexões com pessoas de empresas em que você almeja trabalhar. Esse contato deve ser mantido sempre, não apenas quando se está desempregado.