Com a economia ainda cambaleante após os impactos da pandemia e a elevação do endividamento e inadimplência, uma boa oportunidade para renegociar as dívidas é interesse de muitos consumidores no vermelho. Aos olhos dos credores, a iniciativa parece atraente ao representar uma oportunidade de oxigenar o caixa.
O Procon Fortaleza já começou a se programar para a sua grande renegociação anual de dívidas, mas desta vez com algumas novidades. Pela primeira vez, o mutirão do órgão de defesa do consumidor terá um site próprio que permitirá a realização do evento e das renegociações por meio da plataforma, além das renegociações por WhatsApp, este último modelo utilizado no ano passado.
Além disso, os consumidores poderão contar com até 100% de abatimento nas multas e juros da dívida. De acordo com a diretora da entidade, Eneylândia Rabelo, o mutirão do Procon deve ser realizado entre novembro e dezembro deste ano e já conta com 35 empresas confirmadas.
“É algo bom para a empresa e para o consumidor, que tem a intenção de limpar o seu nome. As duas partes saem ganhando”, pontua Eneylândia, entrevistada desta semana no Diálogo Econômico.
Ao Diário do Nordeste, a diretora do Procon Fortaleza fala sobre os impactos da pandemia na atuação do órgão de defesa, metas e as pretensões a curto e longo prazo para melhorar as relações de consumo e contribuir para um desenvolvimento econômico sustentável.
Confira a entrevista completa
Quais foram os principais efeitos da pandemia, na sua avaliação, sobre a relação de consumo no Brasil e no mundo? Fortaleza se diferencia de alguma forma do restante do País quando falamos desses impactos?
Houve mudança de hábito do consumidor no que diz respeito à forma de aquisição. As compras virtuais foram intensificadas e o consumidor passou a explorar mais os recursos disponíveis na internet para essas aquisições.
Alguns produtos relacionados a prevenção da pandemia, como máscaras, álcool em gel, luvas e outros itens tiveram acentuada procura com consequente disparada de preços, o que levou a várias denúncias de elevação excessiva dos preços. Isso impôs aos Procons a adoção de medidas para coibir práticas abusivas e equilibrar o mercado de consumo.
Cresceu de forma significativa o exercício da cidadania nas relações de consumo. Pudemos observar muitas denúncias nos órgãos de defesa do consumidor sobre a elevação de preços de produtos relacionados à prevenção e combate à pandemia. O consumidor denunciou porque sabia do seu direito de comprar esse produto sem preços abusivos.
Como a pandemia catalisou e afetou a atuação do Procon no meio virtual? Nesse sentido, quais foram as principais mudanças feitas pelo Procon? Ainda devem ocorrer outras?
Com o incremento das demandas nas relações de consumo de forma virtual, o Procon Fortaleza buscou disponibilizar canais acessíveis aos consumidores para reclamações e denúncias, possibilitando cooperação com os demais integrantes do sistema de defesa do consumidor.
Ainda no cenário virtual, o Procon diversificou e reforçou canais de atendimento à população de forma remota, desde o agendamento do consumidor para atendimento nas unidades físicas até a realização de audiências de conciliação pela internet.
À frente do Procon Fortaleza, diante dos efeitos do coronavírus nas relações de consumo, quais são hoje as principais metas da entidade para curto e longo prazo?
Entendemos que o desemprego e a alta da inflação comprometem o poder de compra das famílias, afetando as relações de consumo de itens básicos, principalmente nos supermercados.
As nossas principais metas estão associadas ao fortalecimento da economia por meio de medidas de recuperação de crédito (mutirões de renegociação de dívidas) e com a aprovação da Lei 14.081/2021, que é a Lei do Superendividamento, talvez seja possível amenizar a situação financeira de tantas famílias, devolvendo o poder de compra aos consumidores.
Veja: um consumidor superendividado está à margem da sociedade. Precisamos ter um olhar sensível para esta causa. Acrescentem-se ainda as ações voltadas à educação para o consumo sustentável e devidamente equilibrado, na perspectiva do equilíbrio financeiro familiar.
Com a crise na economia agravada pelo coronavírus, o superendividamento se tornou um grande problema. Antes da pandemia, nós trabalhávamos com os nossos mutirões presenciais no Ginásio Paulo Sarasate, mas por causa da necessidade de distanciamento social não será possível fazer naquele formato.
O Procon Fortaleza possui essa marca de fazer esses mutirões. No ano passado, fizemos de forma virtual, com as negociações pelo WhatsApp e tivemos 44 mil consumidores participando.
Para este ano, diante da situação persistente da pandemia, nós vamos fazer mais uma vez de forma virtual, mas teremos um site para a realização do mutirão e as negociações com as empresas. É a primeira vez que o mutirão do Procon terá uma plataforma virtual própria. A ideia é que o evento aconteça entre o fim de novembro e o início de dezembro. Imagino que a adesão será ainda maior do que no ano passado.
Nós estamos em negociação para ter 50 empresas participando do mutirão, entre negócios da área de telefonia, bancos e outros. Até agora, temos 35 confirmadas. O mutirão deste ano terá descontos de até 100% em multas e juros. É algo bom para a empresa e para o consumidor, que tem a intenção de limpar o seu nome. As duas partes saem ganhando.
Na sua avaliação, quais são os principais entraves que impedem uma relação mais saudável e clara entre consumidor e empresa?
Considerando as demandas dos consumidores no Procon Fortaleza, um dos maiores entraves estaria relacionado à ausência de informações corretas, claras, precisas e ostensivas prestadas aos consumidores por parte das empresas.
Por exemplo: pode parecer simples, mas é obrigação do fornecedor de produtos ou serviços informar de maneira clara e ostensiva os componentes da venda, como preços, peso, informações relacionadas à saúde no consumo de determinados alimentos, bem como outras questões.
Observamos ainda que há uma linha crescente nas reclamações contra prestadoras de serviços essenciais de energia e de água e esgoto. Isto requer avaliação e percepção desses prestadores sobre o que está ocasionando essa crescente demanda junto aos órgãos de defesa do consumidor para solucionar esses problemas.
Resumindo, é preciso que as empresas entreguem o que prometem ao consumidor. Do contrário, teremos relações de consumo maculadas pela falsa publicidade ou fantasiosa promessa.
Em setembro, o CDC completou 31 anos. Quais foram as principais vitórias na defesa do consumidor ao longo desse período?
Tivemos grandes conquistas: maior atuação dos órgãos de proteção e defesa do consumidor, bem como dos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor; marco legal nas compras pela internet e ainda a Lei do Superendividamento.
Eu diria que há ainda várias vitórias. O perfil do consumidor mudou e muito se deve à sua criticidade no exercício da cidadania.
O CDC tem contribuído para popularizar os direitos dos consumidores. Temos um conjunto de normas que protegem o consumidor, como um dos mais avançados do mundo.
Mas ao mesmo tempo em que temos um CDC moderno e modelo para o mundo temos a necessidade de continuar sensibilizando fornecedores para o cumprimento dessas normas. Quando uma empresa respeita as leis que protegem as relações de consumo, todos saem ganhando, inclusive, as empresas. Consumidor satisfeito é a certeza de novas compras e mais lucros para qualquer segmento de mercado.
Como uma relação clara entre consumidores e empresas se relaciona com uma economia pujante? É fundamental para o desenvolvimento sustentável de uma economia que haja essa educação das duas partes (consumidor e empresa)?
É indubitável a necessidade de que as partes se encontrem devidamente abastecidas de seus direitos e obrigações nos termos da legislação, proporcionando como reflexo o desenvolvimento sustentável da economia.
Aqui mesmo, no Procon Fortaleza, temos uma parceria com a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL Fortaleza), em que realizamos encontros para esclarecer ao segmento empresarial as principais dúvidas e direitos dos consumidores. Uma empresa que respeita o direito do consumidor evita problemas e consolida-se num mercado onde o que importa cada vez mais é a relação do consumidor com aquela marca, com aquele serviço.
Sabemos que a Defesa do Consumidor e a Educação Financeira andam lado a lado. Inclusive, a Educação Financeira é um tema que passou a ganhar mais espaço na última década. Como essa difusão da Educação Financeira contribuiu para a Defesa do Consumidor nos últimos anos?
Uma economia equilibrada está intimamente associada com o planejamento eficaz concernente em aquisições e contratações, pautadas na capacidade financeira de honrar compromissos assumidos. Os órgãos de defesa do consumidor têm propagado ações e difundido informações de maneira a proporcionar uma consciência financeira pautada no equilíbrio.
Em breve, após o período rígido de isolamento social, pretendemos retomar o projeto “Procon Fortaleza nas Escolas”. A ideia é orientar crianças e jovens sobre as relações de consumo, construindo um cidadão crítico e participativo quanto aos direitos e deveres. Uma sociedade que conhece seus direitos certamente terá mais equilíbrio nas relações de consumo.
Podemos dizer que uma das vitórias em defesa do consumidor foi a sanção da Lei do Superendividamento, este ano. Como essa lei vem sendo difundida pelo Procon no acolhimento aos consumidores que possuem muitas dívidas, por exemplo?
A Lei é muito recente e requer algumas regulamentações e experiências práticas para ajustes na sua execução. O Procon está formalizando parceira com outros segmentos do Sistema de Defesa do Consumidor, a exemplo da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará e ainda buscando experiências de outros segmentos como forma de definir as diretrizes necessárias a atender aos pleitos dos consumidores pautados no incremento do CDC com a edição da Lei 14.081/2021 (Lei do Superendividamento).
Você avalia que a Lei do Superendividamento, da forma que foi sancionada, ainda falta com o consumidor em alguns aspectos? Quais pontos poderiam ser melhorados?
Como dito, a Lei é muito nova e com pouca experiência em termos práticos. No decorrer de sua aplicação, a partir das demandas que chegarão, poderemos nos deparar com eventuais necessidades de ajustes.
Por exemplo, como faremos para reunir todos os credores numa única audiência, com tantos problemas diversos? A depender do tipo e valor da dívida, o consumidor terá condições de honrar com as parcelas, mesmo sabendo que a Lei estabelece prerrogativa do consumidor na proposição de valores? Enfim, são questões que somente a prática poderá elucidar.
O Rio de Janeiro teve recentemente uma espécie de Código de Defesa do Consumidor sancionado. Na sua avaliação, Fortaleza carece de leis municipais nesse sentido?
O Município de Fortaleza, por meio do Procon Municipal e demais integrantes do sistema, tem proporcionando inovações e preenchido lacunas de maneira a dar ao consumidor a devida guarida nos termos dos limites impostos pela legislação.
Na Capital, bem como no estado do Ceará, algumas leis especificam questões de defesa do consumidor que são tratadas de forma genérica no CDC. É caso da Lei Municipal 10.189/2014, que regulamenta o atendimento preferencial a pessoas idosas em estabelecimentos públicos e privados.
Podemos citar ainda a Lei Estadual 13.312/2003, que dispõe sobre o tempo de atendimento ao consumidor nos caixas das agências bancárias.
Há ainda como exemplo de legislação municipal a Lei 9.545/2009, que estabelece a obrigatoriedade da informação do valor, por quantidade de produto, nas gôndolas dos supermercados.
Todas são exemplos de como a legislação consumerista se atualiza para atender às necessidades dos consumidores em cada período da sociedade.