Motorista cearense é desativada de app 'de um dia para o outro' e ganha na Justiça direito de voltar

Ana Rose Duarte do Nascimento alegou que foi desligada da plataforma sem justificativa

Uma motorista de aplicativo que havia sido bloqueada pela Uber em julho do ano passado ganhou na Justiça o direito de voltar para a plataforma e de receber da empresa o pagamento de R$ 5 mil por danos morais e R$ 42 mil por danos materiais. A decisão foi proferida pelo juiz Ney Fraga Filho, da 16ª Vara do Trabalho de Fortaleza. A plataforma adiantou, porém, que não irá reativar a conta e irá recorrer.

Segundo Ana Rose Duarte do Nascimento, 31, a Uber a desligou do aplicativo "de um dia para o outro", sem justificativa, em 2023. "A plataforma me bloqueou de um dia para o outro. Não deixou eu me defender e nunca tive retorno. Fui duas vezes na central, me pediram um prazo de três meses, fui novamente, aumentou [o prazo] para seis meses. E, até hoje, estou bloqueada na plataforma. Não sei bem o que aconteceu, não me deram posição nenhuma", afirmou a motorista.

Os danos materiais que Ana deve receber dizem respeito à base de R$ 3 mil para cada um dos 14 meses em que ficou sem atuar pela plataforma. "Tive bastante prejuízo porque era minha forma de trabalho e fui bloqueada. Não me deram posição de nada", relatou a profissional.

O caso foi apresentado por ela ao vereador Márcio Martins (SD), na Câmara Municipal de Fortaleza, e acompanhado pelo advogado Fernando Férrer. "Essa ação é uma das 300 que a gente está preparando", adiantou o parlamentar. Segundo ele, diariamente chegam ao seu conhecimento reclamações de motoristas alegando terem sido bloqueados sem motivo. "Não existe uma apuração, o motorista não tem direito a ampla defesa e é arrancado da plataforma", resume Martins.

Uber diz que não irá reativar conta da motorista

No processo judicial, ao qual o Diário do Nordeste teve acesso, a Uber alega que a motorista foi bloqueada por violar os termos de uso da plataforma e devidamente comunicada do encerramento do vínculo. O juiz, no entanto, entendeu que "houve abuso de direito" por parte da empresa ao desligar a parceira e "desprestígio da boa-fé objetiva".

Além disso, Fraga Filho pontuou que "houve natural abalo psicológico da reclamante [Ana], por ser indevidamente impedida de auferir renda, causando sérios prejuízos financeiros, visto que as corridas que eram realizadas através do aplicativo da reclamada eram sua forma de sustento".

Em resposta à reportagem, a Uber afirmou que não irá reativar a conta da motorista "antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados" e garantiu que irá recorrer da decisão proferida pela 16ª Vara do Trabalho.

Todas as desativações de contas da Uber estão fundamentadas nas políticas e diretrizes da plataforma, como o Código da Comunidade Uber, que foi criado para que a experiência com o aplicativo seja sempre positiva, segura e respeitosa tanto para motoristas parceiros quanto para usuários. Temos processos rigorosos em nosso suporte, feitos por humanos, que analisam o teor dos reportes enviados pelo aplicativo antes de tomar medidas nas contas envolvidas. A menos que haja uma emergência, ameaça à segurança ou outra situação de risco, enviamos diversos comunicados ao motorista parceiro antes de desativar sua conta permanentemente".
Uber
Por meio da assessoria de imprensa

Questionamento sobre jurisprudência

Em nota, a Uber alegou ainda que "motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviços" à empresa. Para a plataforma, os profissionais são trabalhadores "independentes que contratam a tecnologia de intermediação de viagens oferecida por meio do aplicativo". 

"Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos quatro requisitos legais para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 6.400 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho reconhecendo não haver relação de emprego com a plataforma, além de mais de 20 decisões no TST e de julgamentos tanto no STJ como no STF no mesmo sentido", concluiu a empresa.

No entanto, o advogado Fernando Férrer defende que a questão do vínculo empregatício não tem relação com a matéria, especialmente por não haver pedido de vínculo no processo. "A questão toda é que a emenda constitucional [nº] 45, de 2004, conceitua que toda e qualquer demanda relacionada ao trabalho, não somente o trabalho de carteira assinada, mas ao trabalhador em si, é competência da Justiça do Trabalho. [...] O juiz considerou que a trabalhadora tem o direito, como todo e qualquer cidadão, à boa-fé, que só pode ser excluída, retirada da plataforma, com o devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. E, no caso dos trabalhadores de aplicativo, eles são simplesmente expurgados", afirmou.

Reclamações de motoristas

Segundo o vereador Márcio Martins, devido à Uber recompensar com vouchers passageiros que tiveram experiências ruins com o aplicativo, há a possibilidade de que usuários "maldosos" da plataforma comecem a ver nessas denúncias de violação de termos de conduta "uma oportunidade de ganhar corridas de graça". "A conta é arrancada desse trabalhador e ele não tem o direito básico da Constituição [Federal], que é a ampla defesa", alegou o parlamentar da Capital.

O vereador citou ainda outro caso recorrente em seu gabinete, quando motoristas reclamam de terem sido retirados da plataforma por serem "homônimos" de alguém que cometeu algum delito. "A empresa de tecnologia não tem capacidade de ter um sistema que difere [as pessoas] por CPF. Aí, o motorista é retirado de imediato e vai ter que se virar para provar [a inocência]", exemplificou.