A implantação de um empreendimento bilionário traz entusiasmo e esperança à população do entorno, especialmente no Interior. As excelentes expectativas, no entanto, podem se mostrar uma verdadeira dor de cabeça para alguns.
Foi o que aconteceu com microempreendedores de Trairi, localizado a cerca de 130 km de Fortaleza. Cerca de dez moradores do município estão denunciando a empresa terceirizada Railec, responsável por parte da construção do megaempreendimento de energia híbrida (solar e eólica) da Qair Brasil.
O parque da Qair Brasil foi inaugurado na última sexta-feira (21) e contou com a presença do presidente da Qair, Armando Abreu, o CEO, Jorge Borrell, e do Diretor de Operações, Gustavo Silva. O governador do Ceará, Elmano de Freitas também esteve presente. A empresa investiu cerca de R$ 1,92 bilhão no megaempreendimento de energia.
Conforme relatos de moradores, a Railec, contratada pela própria Qair, está com uma dívida de aproximadamente R$ 180 mil há cerca de cinco meses. Quando procurados, os responsáveis pela terceirizada informam que estão se organizando para regularizar os débitos, promessa que não foi cumprida até o momento.
Um dos empreendedores prejudicados é Luiz Antonio Viana, proprietário de posto de combustível em Trairi. O estabelecimento forneceu diesel e gasolina para a obra por quatro meses, entre março e outubro de 2022, período no qual foram entregues 600 mil litros de combustível.
Já na primeira nota faturada, a Railec atrasou o pagamento, acumulando dívida que chegou a ser de R$ 525 mil. O último pagamento ocorreu em maio, no valor de R$ 40 mil, de forma que, atualmente, ainda restam R$ 106 mil em dívidas.
"No início, eles (responsáveis) prometiam, diziam que iam pagar. Agora, ninguém consegue mais falar. Fomos à sede da empresa, em Fortaleza, e só encontramos uma recepcionista", conta Luiz.
Por ser um posto de combustível pequeno, Luiz relata que o caixa do negócio ficou prejudicado com o prejuízo. Isso porque ele realiza a compra de produtos quase diariamente para ter como atender os clientes.
Ainda assim, ele aponta que não foi um dos mais prejudicados. "Afetou muito a minha empresa, mas a minha família não deixou de almoçar e jantar por conta dessa dívida. Agora, tem colegas borracheiros, dono de lava-jato, que contam com esse dinheiro para sobreviver".
Conta de luz cortada
Nivaldo Monteiro Costa é dono de lava-jato e prestou serviço para a Railec por mais de um ano, referente à limpeza dos carros e maquinários utilizados na obra do parque solar da Qair Brasil.
"Quando começou a construção do parque solar, eu e outros empreendedores fomos atrás da empresa para tentar algum serviço, garantir o pão de cada dia. Então, eu firmei um contrato verbal com eles, sem imaginar que a situação ia chegar a esse ponto", afirma.
O microempreendedor detalha que, no início, o pagamento era realizado em dia. Nos meses seguintes, no entanto, foram atrasando cada vez mais até que deixaram de pagar definitivamente em janeiro.
A dívida da Railec com o Nivaldo é de R$ 10.720, referentes a quatro meses de serviços prestados. O valor não recebido está mexendo diretamente no orçamento da família do empreendedor, o único responsável pelo sustento da casa.
Meu lava-jato funciona em casa. Esses dias mesmo cortaram a minha luz e eu tive que religar (ilegalmente), porque não ia deixar minha família no escuro. Veio a conta com juros e a multa por eu ter ligado (a energia), tive que pegar dinheiro emprestado para pagar".
Além da conta de energia, o dono do lava-jato tem débitos em supermercados locais e com funcionários.
Conforme Nivaldo, os responsáveis pela Railec sempre informam, quando procurados, que estão esperando repasses da Qair, que vão vender móveis que ficaram na obra e utilizar o dinheiro da venda para quitar as dívidas, mas ainda não abateram nada do débito.
'Não resolvem nada'
Márcio Ricardo de Oliveira Maciel é mais um empreendedor prejudicado pela Railec. Dono de uma empresa de locação de máquinas e equipamentos, ele forneceu areia grossa para a obra da Qair e aguarda o pagamento do último mês de serviços prestados. O valor em aberto é de R$ 32.130.
"A empresa não tem previsão de nada. Faz tempo que cobro essa nota e agora piorou, porque antes eles estavam pelo canteiro e, agora, só existe um escritório na Avenida Santos Dumont (em Fortaleza). Só ficam duas pessoas por lá, mas infelizmente não resolvem nada", desabafa.
Os empreendedores prejudicados se uniram para cobrar a devedora em uma tentativa de fazer mais pressão e reaver os valores. O grupo também fala de uma possível judicialização do caso.
O que dizem as empresas
Procurada para prestar esclarecimentos, a Qair Brasil emitiu uma nota, assinada pelo diretor de operações da companhia, Gustavo Rodrigues Silva. Conforme o texto, a empresa pontua que a Railec apenas prestou serviço "para a realização de instalações eletromecânicas do referido empreendimento solar fotovoltaico".
A Qair também ressalta que a implantação do parque solar já foi concluída e que, portanto, "já não possui relação contratual vigente com a mesma". Além disso, a nota garante que a Railec não faz parte do grupo de fornecedores e terceirizadas de outros projetos da companhia.
A multinacional ainda destaca que não possui nenhuma dívida com a Railec ou subcontratados da mesma. "Também se faz necessário esclarecer que a Qair não possui qualquer débito junto a Railec, ou a terceiros subcontratados ou fornecedores dela, não restando pendências de ordem financeira sob responsabilidade da Qair Brasil".
Apesar de alegar não ter responsabilidade nos atrasos, a empresa informa estar ciente da situação e, em função da Política de Responsabilidade Socioambiental, está sensível à situação e "vem empenhando seus melhores esforços a fim de clarificar o contexto do alcance e impactos dos débitos deixados pela Railec e, posteriormente, intermediar uma solução pacífica, justa e rápida para todas as situações nas quais envolvam pendências financeiras entre a Railec e seus terceiros subcontratadores e fornecedores".
A reportagem do Diário do Nordeste também procurou a Railec através dos telefones e endereço de e-mail informados no site da empresa. No entanto, não houve resposta até a publicação desta matéria.
No site, a Railec se apresenta como uma empresa que "atua em todo território nacional, no segmento de mercado de energia elétrica, com foco na execução de projeto, execução e montagem de linhas de transmissão, subestações de energia elétrica, até 500kV, redes de distribuição interna de parques de geração eólica e solar".
A empresa também afirma atuar nas áreas de projeto, construção e montagem eletromecânica de parques de geração de energia solar. Entre dados informados, a Railec aponta 39 obras realizadas, 2,3 mil km de linhas de transmissão construídas e 14,5 mil MW conectados.
Lei a nota da Qair Brasil na íntegra:
A Qair Brasil Participações S.A (“Qair”), desenvolvedora do Complexo Solar Fotovoltaico Serra do Mato “Empreendimento” por meio de sociedades de propósitos especificas para implantação do mesmo (“Sociedade(s) Controlada(s)”), vem por meio desta prestar os devidos esclarecimentos sobre a denúncia, realizadas ao vosso jornal, da existência de pagamentos à fornecedores em atraso por parte da empresa contratada para execução de EPC eletromecânico, RAILEC ENERGIA E CONSTRUÇÃO S.A. (“Railec”).
Primeiramente, a Qair tem um sério compromisso com a legalidade de suas ações, bem como com o cumprimento de suas responsabilidades perante terceiros. A companhia é norteada por políticas de governança pautadas na lei e nos valores de ética, justiça, respeito e segurança, o que impõe uma postura bastante rígida no cumprimento das normas e contratos firmados.
Fica esclarecido que a empresa contratada Railec prestou serviços de EPC apenas para a realização de instalações eletromecânicas do referido empreendimento solar fotovoltaico e que, uma vez que se encontra finalizado seu escopo de fornecimento, a Qair já não possui relação contratual vigente com a mesma. Adicionalmente, informamos que a Railec não fez parte do grupo de fornecedores contatados para implantação de outros projetos da Qair Brasil, principalmente os projetos eólicos implantados no município do Trairí/CE.
Também se faz necessário esclarecer que a Qair, ou qualquer Sociedade Controlada, não possui qualquer débito junto a Railec, ou a terceiros subcontratados ou fornecedores dela, não restando pendências de ordem financeira sob responsabilidade da Qair Brasil.
No tocante às alegações de existência de pagamentos em atraso, de obrigação da Railec, em favor de alguns dos seus terceiros subcontratados ou fornecedores, informamos que a Qair está ciente da situação; inclusive de falsas alegações, realizadas por alguns dos responsáveis das empresas cobradoras, que identificam a Qair como sendo a devedora e que utilizam as mídias sociais como palco de pressão a fim de pleitear, perante a Qair, o adimplemento de obrigações de responsabilidade exclusiva da Railec.
Dito isto, esclarecemos que, dada a natureza de empreitada (EPC) do Contrato firmado entre as Sociedades Controladas e a Railec, a Qair não possui, nem nunca possuiu, qualquer relação comercial com os autores das referidas denúncias. Adicionalmente, dada a gravidade das falsas alegações, o material por meio do qual a Qair Brasil foi exposta e apontada como responsável pelas obrigações da Railec está sob análise e que ações serão devidamente tomadas contra os responsáveis pelas falsas alegações feitas em face da Qair Brasil.
Entretanto, a Qair e suas Sociedades Controladas, ao abrigo da sua Política de Responsabilidade Socioambiental, são sensíveis a situação de todos os envolvidos, direta e indiretamente, nos seus projetos, principalmente aqueles que se possuem endereço social nos municípios onde atua. Neste sentido, a Qair vem empenhando seus melhores esforços a fim de clarificar o contexto do alcance e impactos dos débitos deixados pela Railec e, posteriormente, intermediar uma solução pacífica, justa e rápida para todas as situações nas quais envolvam pendências financeiras entre a Railec e seus terceiros subcontratadores e fornecedores.
Por fim, salientamos que a Qair está sempre aberta ao diálogo, principalmente em por prezar o respeito e a boa-fé na condução dos seus negócios.