Um dos principais credores do Brasil são os estados. Segundo o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a dívida das unidades federativas com a União ultrapassa a casa dos R$ 750 bilhões. O projeto de lei 121/2024, que passou a tramitar na última terça-feira (9) no Congresso Nacional e de autoria do próprio senador, pretende redefinir a cobrança como é feita hoje, mas encontra resistência de setores do mercado financeiro. O setor, inclusive, quer "adquirir a preço de banana a propriedade dos estados endividados", afirma Pacheco.
As declarações foram dadas pelo presidente do Senado Federal nesta sexta-feira (12), durante o 19º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em São Paulo (SP).
Pacheco explica que a proposta visa revisar a cobrança de juros da dívida dos estados, com taxas consideradas "impraticáveis" nas palavras do presidente do Senado. Segundo ele, o projeto tem causado ainda distorções no mercado financeiro por distorções de interpretação.
Uma delas é relativa a um dos pontos do projeto que permite que os estados tenham a possibilidade de pagar a dívida entregando ativos de sua propriedade para a União. Pacheco argumenta que parte do mercado financeiro critica a proposta por achar que o texto pode aumentar o rombo do endividamento do Estado Brasileiro em mais de R$ 400 bilhões, o que o presidente do Senado rechaça.
"O projeto nada mais é do que a possibilidade que o estado tem de pagar essa dívida entregando ativos de sua propriedade, e uma correção do indexador da dívida para que continue IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, a inflação) + 4%, mas esses 4% podendo ser revertidos para investimentos sobretudo em educação no próprio estado. Isso foi inclusive uma ideia do Ministério da Fazenda, então não há nenhum tipo de controvérsia em relação a isso", define.
Alguns pontos podem ser melhorados, estamos abertos para isso, mas na essência, isso foi muito discutido com o Ministério da Fazenda. O que está acontecendo hoje é que estão reagindo a esse projeto de lei alguns setores do mercado financeiro, que querem nada mais nada menos adquirir a preço de banana a propriedade dos ativos dos estados endividados. Eles arrepiam em pensar na ideia de federalização com entrega de ativos do Estado para União e estão trabalhando contra o projeto.
Rodrigo Pacheco foi categórico ao chamar de "mentiras" de certos setores do mercado financeiro interessados na compra de ativos de estados endividados. O senador cita ainda o caso de Minas Gerais, cuja dívida "passou de R$ 115 bilhões para R$ 165 bilhões, porque o Governo do Estado não pagou nada", e que algumas entidades estariam interessadas em adquirir ativos da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).
"Não vamos permitir que mentiras inventadas por setores que querem acabar com o projeto para poder comprar a preço de banana ativos como a Cemig, a Copasa em Minas Gerais, não afetam o que é uma solução efetiva Federativa da União que vai receber o principal mais juro mais IPCA e para os estados que vão poder pagar as suas dívidas", decreta.
O que diz o projeto de lei?
Segundo informações do jornal O Globo, está em discussão desde 2023 por parte dos estados uma redefinição na cobrança das dívidas. Atualmente, a lei define que os débitos são corrigidos ou pelo IPCA do ano anterior + 4%, ou pela Taxa Selic em vigor. Prevalece nesta situação o que for menor.
No projeto de lei proposto por Rodrigo Pacheco, os estados poderão pagar a dívida entregando ativos, como estatais, à União. Como contrapartida, terão abatimento dos juros. Estão contemplados também créditos judiciais ainda a receber e débitos de contribuintes inscritos em dívida ativa, além de participação em empresas.
Os 4% de juros, como acontece hoje, permanecem na proposta do Presidente do Senado. A alíquota, no entanto, pode ser abatida seguindo os seguintes requisitos:
- Abatimento de um ponto percentual caso o estado entregue ativos que correspondam a 10% a 20% do estoque da dívida;
- Abatimento de um ponto percentual caso utilize como pagamento um ativo com valor superior a 20% do total da dívida;
- Abatimento de um ponto percentual caso o dinheiro seja destinado para investimentos;
- Abatimento de um ponto percentual caso o montante seja destinado a fundo a ser criado e disponibilizado para todos os estados.
Os estados poderão pagar como juros apenas o IPCA caso cumpram todos os requisitos. A prioridade para a destinação dos recursos é para a educação profissionalizante. Caso já haja cumprimento do percentual mínimo para o setor, o dinheiro poderá ser destinado para áreas como infraestrutura, prevenção de desastres e segurança pública. Fica vetado o uso dos recursos para pagamento de salários.
"Temos que reconhecer, e o Ministério da Fazenda tem que reconhecer também que temos um problema gravíssimo na Federação Brasileira. Dívidas impagáveis de estados com a União fruto de um juro que é impraticável, que é de IPCA + 4%. Não tem jeito de estados endividados arcarem com esses pagamentos. Existe uma dívida de mais de R$ 750 bilhões que não é paga, a União não tem perspectiva de receber, os estados não vão conseguir pagar. Depois de 30 anos, estamos buscando ter uma solução efetiva", diz Pacheco.
Endividamento dos estados em debate
Com exceção do Rio Grande do Sul, cujas dívidas com a União poderão ser suspensas por até três anos em virtude das enchentes que ocorreram no Estado entre abril e maio deste ano, outras unidades federativas são campeãs de endividamento, como explica o presidente do Senado.
"Do ponto de vista de justiça, esses estados que são mais os endividados são inclusive os mais geradores de riqueza também e onde metade da população brasileira reside. Não é uma questão de conflito entre o estado endividado e não endividado. São brasileiros, são estados da federação, que têm que agir de maneira cooperada", pondera.
Mais cedo na Abraji, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pontuou que o projeto apresentado por Rodrigo Pacheco "precisa passar por uma revisão", mas reconheceu que a cobrança da dívida dos estados, da forma como é atualmente realizada, beira o insustentável.
"Penso que 4% do juro real, em cima do IPCA, é realmente insustentável, porque a arrecadação não cresce 4% ao ano. Entendo o pleito dos governadores, mas você não pode cobrir a cabeça e descobrir o pé. Você tem que fazer um jogo que acomode as contas estaduais, sem prejudicar as contas nacionais", decretou Haddad.
A expectativa é de que o tema seja uma das prioridades de discussão da equipe econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na próxima semana. Ainda tramita no Congresso Nacional as leis que regulamentam a Reforma Tributária.