A lei estadual n.º 18.774, publicada na edição desta segunda-feira (6) do Diário Oficial do Estado (DOE), impõe que supermercados e hipermercados no Ceará sinalizem aos consumidores sobre a venda de alimentos lácteos similares nos estabelecimentos. Além de maior clareza na informação, especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste acreditam que a medida pode beneficiar a produção de leite no Estado.
Tal medida entra em vigor 120 dias após a publicação no DOE, o que deve acontecer no dia 3 de setembro deste ano. Até essa data, tanto supermercados quanto hipermercados do Ceará terão de se adequar às novas regras. A legislação deixa de fora estabelecimentos como atacarejos, mercearias e mercadinhos.
Segundo o deputado estadual Romeu Aldigueri (PDT), autor da lei em conjunto com o também parlamentar Missias Dias (PT), a exclusão de demais lojas de varejo alimentício é focando nos estabelecimentos que atingem a maior fatia de público e que reúnem mais condições de investirem nas exigências.
"Isso se deve ao foco inicial em grandes estabelecimentos que têm maior alcance, impacto sobre os consumidores e, geralmente, maiores recursos e condições para implementar as mudanças exigidas pela legislação", afirma o deputado.
O deputado acrescenta que o setor supermercadista está alinhado com a nova legislação, e acredita que a transição para as novas regras será "tão suave quanto possível", além de assegurar mais transparência para os consumidores nos estabelecimentos atingidos pela legislação.
"O projeto de lei surgiu da necessidade de assegurar que os consumidores fossem claramente informados sobre produtos que imitam os lácteos, especialmente aqueles que são feitos sem ingredientes de origem animal, promovendo, assim, uma maior transparência na escolha dos produtos", pontua.
Fortalecimento da bacia leiteira no Ceará
Para Christian Avesque, consultor de empresas e professor da Faculdade CDL, a medida é benéfica sobretudo para a produção de leite e derivados no Estado, que vem passando por um crescimento significativo nos últimos anos.
Vale lembrar que, desde o início de 2024, está em vigor a lei isentando o leite e diversos tipos de derivados lácteos produzidos no Ceará do pagamento de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Essa lei vem por dois motivos. O primeiro é para fortalecer a cadeia láctea do nosso estado, que se fortaleceu nos últimos cinco anos, sobretudo com a vacinação dos nossos bovinos, crescimento da nossa bacia leiteira. Havia uma queixa muito grande de principalmente esses produtos lácteos que vinham de outros estados que entravam no estado com um nível de preço muito baixo. Sempre houve uma denúncia que não era 100% lácteo, que a composição não era 100% leite.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ceará é o 9º maior produtor de leite do Brasil. Em 2022, dados do último balanço do órgão, o Estado ultrapassou a marca de 1 bilhão de litros produzidos, com tendência de alta desde o período pré-pandemia. Minas Gerais, historicamente o principal fabricante do alimento, se mantém como o líder no segmento, com mais de 9,3 bilhões de litros processados.
Clareza para o consumidor
Avesque cita como segundo motivo o fornecimento de maior identificação para o cliente que consome produtos lácteos. Ele cita como exemplo a recente mudança no rótulo de alimentos, sobretudo nos ultraprocessados, que precisam deixar claro o alto teor de açúcar, gorduras saturadas e sódio.
"O consumidor brasileiro não costuma ler o rótulo. Lê a marca e o que cabe no bolso dele, não tem a consciência de analisar a ficha técnica. As indústrias se apropriam disso e não informam de forma clara a ficha técnica, tanto é que o Congresso Nacional conseguiu aprovar que as indústrias, principalmente alimentícias de ultraprocessados, colocassem nas embalagens alto teor de açúcar, sódio, dentre outros, para o consumidor adotar o hábito de ler", avalia o consultor de empresas.
O alerta para os consumidores também é notado por especialistas em alimentação. De acordo com a nutricionista Viviane Araújo, "as embalagens são bem semelhantes" e ficam próximas nas gôndolas, o que pode prejudicar o processo de escolha das pessoas, optando por produtos pobres em valor nutricional.
"Os compostos lácteos, por exemplo, a denominação fica na lateral da lata, na parte debaixo, quase ninguém vira a lata para ler o que tem escrito, simplesmente pegam a primeira lata que aparece e colocam dentro do carrinho. Além dos prejuízos nutricionais, há o agravante do consumidor está sendo lesado, enganado pela indústria alimentícia", argumenta a especialista.
Onde serão colocados os avisos?
Um dos pontos de atenção ressaltado por Viviane Araújo é de que a lei não especifica onde devem ser afixados os avisos da comercialização de produtos lácteos similares. Segundo a legislação, "a placa ou informativo deverá ter dimensões mínimas de 30 cm x 20 cm e letras em tamanho legível, garantindo a clara visualização e compreensão por parte dos consumidores".
Para a nutricionista, é preciso que estes avisos estejam fixados nas prateleiras ou geladeiras de supermercados e hipermercados próximo de onde esses alimentos são expostos de modo a estimular o consumidor a ler atentamente às embalagens.
"Se o informativo não estiver próximo aos produtos, a medida não será tão eficaz e não fará sentido. Nitidamente, o estabelecimento que colocar o aviso em um local distante ou de difícil visualização, agirá de má-fé", observa.
Projetando as mudanças que serão realizadas nos corredores dos estabelecimentos, Christian Avesque acredita que os informativos ficarão espalhados pelas lojas, mas não necessariamente identificando qual alimento é um produto similar. Ele pondera ainda ser necessário uma normativa adicional para definir exatamente onde as placas serão colocadas.
"Haverá uma identificação, mas não na gôndola. Principalmente o meio da gôndola, é o que a gente chama de zona quente, área mais procurada pelas empresas. Acredito que vai haver, nas curvas dos corredores ou nas paredes laterais, ou então fixados na área de entrada de um corredor, mas não vai dizer quais são os produtos, as marcas, o que é composto lácteo e o que não é. Isso vai ficar a critério do consumidor, a partir de uma conduta dele ativa, fazer uma comparação", destaca o especialista.
De acordo com Daniel Moita, diretor-executivo do Grupo Lagoa, as mudanças nas lojas do Super Lagoa devem acontecer até o fim de junho: "Devemos fixar placas e letras em tamanho legível, garantindo a clara visualização e compreensão por parte dos consumidores", explica o gestor. A expectativa é de que os informativos sejam colocados no painel de informações e "provavelmente no corredor de lácteos".
Quais as mudanças?
A partir de setembro, supermercados e hipermercados do Ceará precisam colocar placas e informativos, em locais visíveis ao público, com os dizeres "Atenção: Este estabelecimento comercializa produtos análogos a produtos lácteos. Verifique a embalagem antes da compra", no caso de venda desse tipo de item.
Essas alterações refletem a mudança no comportamento do consumidor desde a pandemia. Como vários produtos lácteos dispararam de preço, a alternativa encontrada por algumas empresas e clientes foi optar por similares, que reproduzem certas características dos alimentos que têm por base o leite, mas composição bem diferente.
Um deles é o leite condensado, vendido nas gôndolas geralmente como "leite condensado semidesnatado". Com a pandemia, popularizou um produto similar, com embalagem bastante parecido com a do alimento original e caracterizada por ser mais barata. Oficialmente, a denominação do item é "mistura láctea condensada de leite, soro e amido".
O Diário do Nordeste procurou a Associação Cearense de Supermercados (Acesu), entidade que representa o setor, para repercutir a nova legislação, mas até a publicação desta reportagem, não obteve retorno.