Um estudo entre a Universidade Estadual do Ceará (Uece) e a Energia Pecém, usina termelétrica instalada no Complexo Industrial e Portuário (Cipp), pretende criar um carvão mineral híbrido, também chamado de biocarvão. O novo composto em desenvolvimento irá misturar o combustível fóssil com a biomassa do coco, abundante no território cearense.
Nesta quarta-feira (28), houve a assinatura de memorando de entendimento (MoU) entre as duas partes para o estudo. O projeto tem duração prevista de 24 meses e terá investimento inicial de R$ 2,5 milhões da Energia Pecém. A expectativa é de que, até o segundo semestre de 2026, haja definições sobre a viabilidade do carvão híbrido.
De acordo com a empresa, a pesquisa vai avaliar ainda "o uso do biocarvão produzido a partir de resíduos de esgoto pelo processamento termoquímico do iodo de estação de tratamento de esgoto (ETE)".
Ao todo, o projeto terá 12 etapas de execução, incluindo estudos e viabilidade técnica, econômica e ambiental. Na fase final, é esperada que a tecnologia desenvolvida na parceria entre Uece e Energia Pecém seja utilizada na usina, com a gradual substituição do carvão mineral pelo biocarvão.
Durante a assinatura do MoU, Monalisa Moura, coordenadora do projeto e professora do curso de Física da Uece, ponderou que o Brasil é o país que mais produz coco no mundo, seja ele verde ou em outras formas.
"A Região Nordeste é responsável pela maior produção de coco do País. Especificamente, o Ceará desponta no ranking como responsável por mais de 70% dessa produção. Na indústria do coco, 70% dele vira resíduo. Além de que nas regiões litorâneas, 70% do lixo encontrado em praias provém também da casca do coco verde. Estima-se que 2 milhões de toneladas desse resíduo de biomassa vegetal tem sido gerado por ano no País", argumentou.
Do fóssil para o biodegradável progressivamente
A Energia Pecém é uma termelétrica instalada no Cipp e conta com duas unidades geradoras para produção de energia a partir da queima de carvão mineral. Segundo Carlos Baldi, presidente do complexo, as usinas conseguem produzir energia para atender 80% da população cearense quando estão em operação.
A capacidade total instalada é de 720 MW, o que, conforme dados da Energia Pecém, é responsável por 50% do potencial de geração instalado no Ceará. As usinas são ligadas de acordo com a necessidade do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que pede o acionamento das termelétricas para suprir necessidades de abastecimento energético.
Somente em agosto, a Energia Pecém foi acionada duas vezes, sendo a última delas entre o dia 18 de agosto até o início desta terça-feira (27). Pelo contrato entre a empresa e o Governo Federal, o tempo mínimo que as usinas geradoras ficam ligadas é de oito dias.
O carvão mineral utilizado pela termelétrica chega ao Porto do Pecém importado da Colômbia, e o estudo em curso com a Uece visa diminuir a necessidade de compra do produto de fora do Brasil.
"O cronograma do estudo vai durar 24 meses e está em várias etapas, que envolve desde entendimento do conceito, custos associados, custos que vamos ter para tornar isso escala industrial, mapear o volume de biomassa que temos, como vamos fazer o transporte dessa biomassa, como dá o tratamento. É um projeto que engloba toda a cadeia até a gente poder utilizar o carvão na caldeira", explica Carlos Baldi.
Transição energética justa
A parceria com a universidade também vai determinar quanto a mistura entre biomassa do coco e carvão mineral pode significar em redução de emissões de gás carbônico (CO₂). O presidente da Energia Pecém acrescenta que haverá ainda a definição sobre questões técnicas, como se o biocarvão tem um poder de queima melhor ou pior do que o combustível 100% fóssil.
A questão de emissão vai fazer parte desse estudo, se tem características de poder calorífico análogas a que a gente tem aqui com o carvão, mas tem outras peculiaridades que precisam ser estudadas para ver como a gente faz essa mistura entre o coco com o carvão mineral convencional. Esse trabalho que a gente está fazendo com a Uece é justamente identificar se eu vou poder fazer uma mistura de 1%, 2%, 5%, 10% e quanto isso vai representar em redução de emissão de carbono.
Como a maior parte do coco no Ceará não é aproveitado, como explicou a professora Monalisa Moura, o objetivo, segundo ela, é "transformar o passivo ambiental em ativos energéticos". Dessa forma, é possível pensar em uma transição energética "justa".
"A tecnologia proposta produzirá novos combustíveis sólidos mais sustentáveis, chamado carvão híbrido. Para este insumo, partirão da mistura de biomassa, com biomassa transformada em biochá, biocarvão oriundo do processo bioquímico da casca do coco, e misturando-se com o carvão mineral processado na usina. Iniciativas desse modelo vêm sendo observadas em outros países, como China e Canadá".
Ainda se referindo aos dois países, a coordenadora do projeto estima que as emissões de CO₂ podem ser reduzidas em 45% quando há a queima em conjunto de biomassa com algum combustível fóssil, seguindo a perspectiva de transição energética justa e gradual.
Essa é estimativa de redução de emissões de CO₂ nas termelétricas somente com a substituição de combustíveis 100% fósseis, como o carvão, pelo carvão híbrido, que mistura o carvão mineral tradicional com a biomassa.
"Esse projeto contribui ainda mais para a sustentabilidade das térmicas, mostrando quão estratégica é para o setor, pensando sempre nessa transição energética justa. Não é somente pensar nas mudanças climáticas em si, mas pensar o quanto uma indústria como essa emprega, quantas pessoas e o quanto a segurança energética está relacionada. A transição energética justa realmente precisa ser entendida", destacou Monalisa Moura.
Descarbonização das térmicas do Pecém em pauta
Além do projeto em desenvolvimento com a Uece, a Energia Pecém mira a descarbonização da Termelétrica Pecém I. A empresa prevê investir entre R$ 800 milhões a R$ 4 bilhões, a depender das regras do próximo leilão de reserva de capacidade.
O objetivo é deixar de usar a queima de carvão mineral, importado da Colômbia, para utilizar o gás natural, cujo terminal está instalado no porto, como detalhado por Carlos Baldi. Posteriormente, a expectativa é poder aproveitar o hidrogênio verde como combustível na termelétrica.