Os governos do Ceará e de Fortaleza acumulam uma conta de mais de R$ 558 milhões em precatórios a serem quitados até o fim de 2024 - soma das dívidas de R$ 444,2 milhões do Estado e de R$ 114,2 milhões da Prefeitura. Esses são valores aos quais entes do poder público estadual e municipal foram condenados a pagar em ações com trânsito em julgado nos Tribunais de Justiça do Ceará (TJCE), Regional Federal da 5° Região (TRF5) e Regional do Trabalho da 7ª Região (TRT7).
O montante diz respeito apenas a dívidas acumuladas entre março de 2015 e julho de 2019, conforme levantamento do TJCE. Considerando apenas as decisões do Tribunal, 1.168 credores aguardam o pagamento de R$ 174,2 milhões do Estado e outros 463, R$ 52,7 milhões do Município. As ações dizem respeito, principalmente, a vantagens devidas a servidores públicos, diferença de pensão, indenização, desapropriação e pagamento a fornecedores.
A Corte, responsável pelo pagamento dos precatórios, prevê liquidar esses débitos antes do prazo de 2024. A expectativa do Tribunal é de que os precatórios do Estado sejam pagos até janeiro de 2023 e os do Município, até setembro de 2022. O TJCE ressaltou que tanto o Estado quanto o Município estão adimplentes nos pagamentos das parcelas.
Com a quitação total da dívida nos próximos cinco anos, o Estado e a Prefeitura sairão do atual regime especial de pagamento das requisições judiciais e passarão para o regime geral, em que o tempo máximo para pagar os precatórios é de 18 meses.
Atrasos
Com a mudança, a expectativa é que futuramente não aconteçam mais casos como o do cliente de Fabiano Aldo Lima, advogado do Sindicato dos Professores e Servidores da Educação e Cultura do Estado e dos Municípios do Ceará (Apeoc).
"Na ação que mais demorou, o credor recebeu (o precatório) após 23 anos de espera. A ação era de 1994 e o autor conseguiu em 2017 a diferença de pensão da esposa. Logo que recebeu, faleceu dois meses depois", lembra.
Das mais de 9 mil ações existentes da Apeoc contra o Estado, em média 70% requerem pagamentos em precatórios, ou seja, têm valores de causas superiores a 2,5 mil Ufirce (Unidade Fiscal de Referência do Estado do Ceará), o equivalente a R$ 11.224,42 neste ano.
Segundo Lima, os credores esperam em média quatro a cinco anos para receber os pagamentos - ele estima ser o caso de 90% dos clientes, o que seria possível por se tratarem de valores baixos e por serem prioritários (com mais de 60 anos ou doença grave).
"Em média, a Apeoc vem recebendo de 50 a 60 precató-rios a cada dois meses pelo Estado. Aqui está andando rápido, porque os valores são pequenos. Mas, quem tem valor grande recebe pela parcela prioritária o valor prioritário em quatro a cinco anos e o remanescente vai pela fila cronológica", explica.
A maioria dos precatórios é referente à devolução de indébitos: em muitos casos, os servidores se afastavam por aposentadoria e o Estado continuava recolhendo a contribuição para a Previdência, quando a lei dizia que era para suspendê-la após 90 dias. "Cerca de 70% são casos como esse, porém tem também por salário atrasado, gratificação atrasada, reintegração de servidores, por exemplo", acrescenta o advogado.
"Conheço colegas com valores grandes (de precatórios a receber) e que não são pagos pelo prioritário. A demora é grande ainda. Para sair um precatório desse integralmente leva 15 a 20 anos", aponta Lima, que também preside a comissão de Credores e Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE).
"Na Apeoc, temos ações de pessoas que não têm prioridade e que elas não recebem, só após completarem 60 anos, quando a gente pede a prioridade. A gente tem ação com pessoa com 53 anos de idade que até não completar, não recebe. Quando falta dois a três anos, a gente orienta a não fazer o acordo e esperar para completar os 60", ressalta.
Município
Diferentemente dos precató-rios do Estado, a associação tem poucos credores prioritários em ações contra o Município. De acordo com Lima, a Prefeitura paga de forma bem mais devagar que o Governo estadual. Para piorar, em 2018, segundo lembra, o valor base do precatório foi alterado, alongando o tempo de espera dos clientes abaixo dos 60 anos.
"Em 2018, o prefeito enviou um lei e a Câmara aprovou equiparando o valor da RPV (Requisição de Pequeno Valor) ao teto do INSS (hoje, R$ 6.101,06), então, em decorrência disso, a grande maioria virou precatório. Isso foi muito prejudicial aos servidores de Fortaleza, dificilmente tem ação menor que R$ 6 mil. Antes, todo mundo recebia por meio do RPV e depois de 2018 virou precatório", destaca.
Assim como o precatório, a RPV é uma requisição de pagamento judicial, mas de valores menores e com prazo menor de pagamento: no caso de Fortaleza, a quitação deve ser feita em até 60 dias.
Novo prazo
Além dos R$ 114,2 milhões devidos por Fortaleza e R$ 444,2 milhões pelo Estado, somando a dívida consolidada até julho de 2019, novos preca-tórios são protocolados constantemente. Por isso, uma nova emenda foi proposta para prorrogar de novo o pagamento de entes públicos com dívidas em atraso.
Enviada à Câmara dos Deputados no fim de 2019, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 95 quer adiar de 2024 para 31 de dezembro de 2028 o prazo de vigência do regime especial. Diferentemente da anterior, a medida visa prorrogar o prazo apenas dos débitos que não tenham natureza alimentícia, não envolvendo questões de salários, proventos, pensões, benefícios previdenciários, vencimentos e indenizações por morte ou invalidez.
Os casos que poderiam ser adiados são, por exemplo, relativos a questões de desapropriação e de pagamento de fornecedores.