A discussão sobre o fim da escala de trabalho 6x1 vai ficar para o ano que vem. A informação foi dada pela deputada federal autora da proposta, Erika Hilton (Psol-SP), em entrevista neste sábado (23), durante a Expo Favela, evento que acontece no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza. O projeto foi aprovado e já superou a quantidade de assinaturas necessárias, tendo mais de 230 assinaturas, quando o mínimo era 171.
"Não quisemos protocolar agora (a proposta de emenda constitucional - PEC) exatamente pela configuração de algumas comissões importantes da Câmara. Entendemos que ao fazer esse protocolo nesse momento o texto poderia cair em mãos duvidosas para dizer o mínimo, e poderia prejudicar o avanço e as conquistas que tivemos até aqui", afirma.
Assim, ela conta que continuará dialogando com algumas outras bancadas em que parte assinou, mas outra parte não e vai esperar algumas mudanças da composição da Câmara dos Deputados para dar andamento nessa tramitação. "Sabemos que não é um debate simples, não é um debate fácil, não é um debate que vai ser aprovado a toque de caixa".
Erika ainda lembra que o debate da Câmara vai ser "atropelado, agora, pela pauta orçamentária, fim de ano, recessos". "Esse assunto vai dar uma baixada, mas não vai cair no esquecimento. No próximo ano deve ser indicado um relator e a partir do relator indicado, a gente vai então aperfeiçoando o texto para conseguir enxugar e ajeitar elementos essenciais para deixar redonda a redação final e não ter nenhum tipo de impacto negativo".
"Temos uma preocupação com o pequeno empreendedor"
Questionada sobre ter um estudo de impacto econômico, principalmente para os pequenos empreendedores que já têm na folha de pagamento um dos maiores custos, a deputada autora da PEC da escala de trabalho reforça que existe um amplo estudo de impacto econômico.
A gente tem, sim, uma preocupação com o pequeno empreendedor, muito mais do que com os grandes, que tem uma estrutura econômica melhor para lidar. Inclusive, existe estudo econômico do ponto de vista da quantidade de benefícios que as empresas recebem hoje no nosso país".
Ele ressalta que o debate não vai ser feito sem todos os estudos de impacto econômico, olhando também para o preço de tudo aquilo que pode ser produzido pelos setores, como também, levando em conta a viabilidade em cada um.
"Temos convidado agora para dialogar, inclusive, cada setor específico. A nossa preocupação é conseguir fazer essa transição de maneira gradual, com tempo para adaptação dos setores, sem gerar nenhum tipo de ônus a nenhum dos setores, em especial ao pequeno empresário do país".
Modelo 4x3 é possível e 5x2 é aceitável
Quando perguntada sobre esse possível modelo de trabalho em que o trabalhador trabalharia quatro dias e folgaria três (4x3), a parlamentar lembra que é ambicioso, mas embasado em modelos já existentes no mundo. Ela dá exemplos países como Japão, Estados Unidos, Islândia e Nova Zelândia.
Temos uma série de estudos que demonstram que a produtividade aumenta e que não tem uma diminuição de lucro com a 4x3. Porém, sabemos que aqui no país a gente vai enfrentar alguns tipos de resistência a essa proposta de ter 4x3 numa escala de 36 horas semanais".
Erika explica que a quantidade de 36 horas tem uma margem para negociação, inclusive levando em conta a possibilidade da escala der 5x2. "Se vai ser 5x2, se vai ser 4x3, qual lugar que a gente vai conseguir chegar, se vai ser 36 ou 40 horas a carga semanal, isso vai depender muito das negociações que a gente fizer e dos debates que forem produzidos".
Ele reforça que qualquer ponto que se avance para o bem-estar do trabalhador é importante. "Claro que a gente tem 4x3 como um modelo já implementado em outros países, extremamente melhor desenvolvidos, inclusive do ponto de vista econômico, do que o nosso, com economias mais fortes, mas a gente vai ter que trabalhar o texto a depender das demandas que forem chegando. Acredito que 5x2 já é uma conquista importante para classe trabalhadora brasileira".
Escala de trabalho e Bolsa Família na mira do setor produtivo
Sobre as constantes reclamações do empresariado sobre falta de mão de obra, atribuindo, entre outras coisas, a programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, unindo-se ao discurso de que "diminuir a escala vai encarecer os preços e gerar quebradeira por ter que contratar mais pessoas", a deputada é taxativa: "Isso é porque hoje nós temos um setor econômico que só vê lucro".
Eu não sei nem qual palavra usar quando um empresário diz que o Bolsa Família retira a mão de obra do trabalhado. Isso é a expressão mais cruel da aporofobia (aversão, desprezo ou rejeição aos pobres) e do classicismo brasileiro, olhar para as pessoas necessitadas, carentes e entender que por receber um benefício do governo elas param, não querem trabalhar".
A deputada ainda reforça que o setor empresarial, na sua grande maioria, porém já com exceções, tem um olhar extremamente distante da realidade das pessoas. "Só visa lucro em cima de lucro. Não importa se as pessoas estão morrendo nos postos de trabalho, não importa se não vive com a família, se uma mãe não vê o filho crescer, isso não interessa. Desde que ela esteja lá, cumpra sua carga horária, trabalhe, e gere riqueza para aquele empregador".
Economia x preocupação com os lucros
No entanto, Erika Hilton aponta que a discussão é muito mais ampla. "Isso não é uma questão de economia, de preocupação com os setores, é uma preocupação com a rentabilidade e o lucro desse empresário. Isso tem aberto o olho da classe trabalhadora e criado essa rede de revolta que conseguimos gerar no país nos últimos tempos".
"Então, a gente vai mostrar os dados, vamos mostrar que não reduz a produtividade, vamos mostrar que não tem um impacto negativo essa mudança, muito pelo contrário, tem um impacto positivo e vamos ter que disputar essa narrativa com esses setores que vão continuar dizendo isso, independente dos números, independente do que a gente mostra, porque querem cada vez mais uma classe trabalhadora silenciada, oprimida, sucateada, cansada, exausta, mas produzindo a riqueza para eles".