Conhecido pelo turismo e pela pesca, o litoral do Ceará também é um hub marítimo importante. Na praia do Mucuripe, em Fortaleza, e no Pecém, em São Gonçalo do Amarante, dois portos cearenses funcionam como porta de entrada e saída do Brasil.
Toneladas de frutas, combustíveis, grãos e minerais chegam e saem dos Porto de Fortaleza e Porto do Pecém todos os dias. A sexta reportagem da série “Economia do Mar” mostra como os equipamentos são fundamentais para o desenvolvimento econômico do Estado.
Os dois portos estão entre as dez instalações do Nordeste com maiores movimentações em 2023, segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) de agosto. No Pecém, o principal perfil de carga movimentado é o granel sólido, como o minério de ferro, carvão mineral e aço. Já no Porto de Fortaleza, 53% das cargas transportadas são líquidas, como petróleo, óleo bruto e derivados.
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O perfil das movimentações está diretamente relacionado ao potencial industrial instalado nas regiões. O Porto de Fortaleza abrange, em sua área, tanques das principais distribuidoras de combustíveis e tem o maior polo trigueiro do País. Já o Complexo do Pecém tem como âncora a Companhia Siderúrgica do Pecém.
Em relação à movimentação de contêineres, de janeiro e agosto, o Porto do Pecém é o segundo da região Nordeste (270,1 mil), com crescimento de 5,74% em relação ao ano passado. Já o Porto de Fortaleza aparece em quarto lugar no movimento dessas cargas (34 mil), com queda de 6,24% em relação a 2022.
José Alcantara Neto, gerente de Operação Portuária do Porto do Pecém, destaca que o equipamento tem destaque consolidado no setor devido à logística para evitar filas e à localização estratégica. “É o porto mais próximo tanto da Europa como da costa leste dos Estados Unidos. É uma grande vantagem pela proximidade de mercados muito importantes”, aponta.
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O equipamento também tem forte credibilidade internacional devido à relação com o principal porto da Europa, o Porto de Roterdã. Desde 2018, o equipamento holandês tem participação de 30% no negócio e tem cadeira na administração. Em contrapartida, investiu 75 milhões de euros e compartilha expertise para aprimorar a logística do Pecém.
Uma parceria internacional, com o porto espanhol de Valencia, também é estudada pelo Porto de Fortaleza, segundo Lucio Gomes, diretor-Presidente da Companhia Docas do Ceará, empresa pública que atua como autoridade portuária do equipamento. O foco da parceria deve ser a descarbonização energética do equipamento. "Estamos indo atrás de quem tem as melhores práticas. Para adotar e eventualmente aprimorar. Nós vamos mapear todas as atividades, todos os processos da empresa, tudo que tem de contribuição 'contra' o meio-ambiente e nós vamos atacar dentro do possível", afirma.
Segundo o diretor-presidente, o Porto de Fortaleza segue com operação crescente e bateu um recorde de oito anos de movimentação de contêineres em setembro. “Todo o combustível que abastece Fortaleza e a Região Metropolitana passa pelo Porto de Fortaleza. O trigo também tem um destaque nacional, temos três moinhos instalados dentro da área do porto. Está crescendo bastante a movimentação de contêineres e outras cargas, principalmente de fruta”, afirma.
INVESTIMENTOS DEVEM ACOMPANHAR CRESCIMENTO
Considerando a grande dimensão do mercado portuário brasileiro, que movimentou mais de 1,2 bilhão de toneladas em 2022, os equipamentos do Ceará precisam de investimentos para aumentar a competitividade na integração logística do País. A avaliação é do coordenador do Núcleo de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Heitor Studart.
“Quando você vira os olhos para os grandes portos desenvolvidos, todo o entorno precisa acompanhar. O Porto do Pecém já é o maior vetor de desenvolvimento do Ceará. Precisa ser complementado por ações, como a conclusão do anel viário e o lançamento do arco metropolitano, que pega todo o tráfego pesado e já liga direto para o porto. É um avanço muito grande que já projetaria o complexo industrial e daria suporte ao ramo do hidrogênio verde para os próximos vinte anos”, aponta Studart.
Segundo ele, a conclusão da ferrovia Transnordestina, obras nas BRs 116, 222, 020 e implantação de linhas de transmissão também são fundamentais para que o equipamento tenha uma operação mais eficaz. A necessidade é mais latente devido às promessas de investimentos futuros.
Além da área portuária e cerca de 30 indústrias, o Complexo Industrial e Portuário do Pecém abrange a Zona de Processamento de Exportação (ZPE). Efetivamente concebida em 2013, a ZPE Ceará foi a primeira zona de livre comércio a entrar em vigor no Brasil. As empresas instaladas na zona recebem tratamento tributário e administrativo especiais e processos desburocratizados. São mais de 6.182 hectares de área e cerca de 3 mil empregos gerados.
A setor 2 da ZPE deve receber pelo menos três grandes projetos de produção do hidrogênio verde. Alcantara Neto ressalta que a transição energética é um dos principais focos do Complexo do Pecém, que executa trabalho estrutural para viabilizar as instalações de usinas, foco de trinta memorandos de entendimento já assinados por empresas de todo o mundo. “O porto é o que tem a melhor infraestrutura com relação à viabilidade na produção do Hidrogênio Verde em termos de Brasil. É citado como uma das melhores áreas, de menor custo no mundo”, aponta.
Já em relação ao Porto de Fortaleza, Heitor Studart destaca a necessidade de investir no acesso rodoviário até o local e na estrutura do Terminal Marítimo de Passageiros, fundamental para o turismo. O equipamento foi arrematado em agosto por outorga no valor de R$ 100 mil pelo grupo ABA Infra, em leilão realizado pelo Governo Federal. O valor baixo considera que a empresa terá investimento milionário para deixar o terminal nas mesmas condições de quando foi inaugurado.
Lucio Gomes aponta que a expectativa é de que os trâmites de concessão sejam finalizados até meados de 2024, dando tempo hábil para que intervenções na infraestrutura sejam concluídas até o início da temporada de cruzeiros do próximo ano. “Para este ano, nós nomeamos uma comissão interna da Companhia Docas para administrar cada viagem dessa. Para que a gente possa receber da maneira mais digna possível, com conforto e segurança, esses turistas que vão chegar em Fortaleza. Que eles gostem e possam inclusive recomendar", afirmou.
Outro plano apresentado pelo diretor-presidente para melhorar a estrutura é a duplicação da Avenida Vicente de Castro, que dá acesso direto ao terminal.
OPERAÇÃO ININTERRUPTA
Com atracações acontecendo em diversos horários, a operação de trabalho nos portos é ininterrupta e envolve escalas de plantão. No Porto do Pecém, 478 navios atracaram de janeiro a setembro de 2023. A descarga de guindastes e empilhadeiras para movimentação.
O equipamento opera para estar sempre preparado para mudanças no fluxo, segundo Valdinanda Monteiro, coordenadora de Turno de Carga Geral de uma das operadoras portuárias do Porto do Pecém. A recente crise do Rio Negro, no Amazonas, por exemplo, causou o desvio de diversas embarcações para o porto cearense.
"Tudo é um plano de contingência. Temos navios com 800 contêineres, navio com 1.800 contêineres Os navios da safra geralmente são de 1.200 contêineres. A gente mantém dez carretas de operação, um grupo de operadores das máquinas e auxiliares que sobem a bordo para fazer conferência. Geralmente, temos em torno de 45 pessoas por turno", explica.
Valdinanda ingressou na APM Terminals Pecém como conferente de navio e, dentro da empresa, se capacitou para tomar o cargo de liderança. Moradora da Taíba, ela lembra que foi a primeira mulher do setor de operação e viu no empreendimento portuário uma oportunidade para mudar de vida. "Quando tava começando a construção aqui, eu já falava 'vou trabalhar lá'. Era um universo fora das nossas condições, e aí fui fazendo vários cursos, estudava e passava na prova, porque eu não tinha poder aquisitivo", conta.
Ela aponta que, em dez anos trabalhando no local, conseguiu transformar a vida da sua família. "Fui referência, tanto para a família como para minhas amigas. Elas se espelham em mim. A gente quebra esses paradigmas, hoje tem muitas mulheres aqui trabalhando. A maioria das famílias da região tiram o sustento da zona do complexo portuário. Aqui mudou a minha vida, consegui fazer a minha casa e investir também na educação", aponta.
Também morador da região, o operador de máquinas Eremilson Silva se mudou do Paraná há vinte anos para trabalhar no Porto do Pecém. "Me atraiu demais esse projeto. Poder estar aqui, tirar o sustento da minha família e criar minha família aqui. Meu filho chegou pequenininho, já tenho mais dois. Tô muito bem adaptado", conta.
Trabalhando 'nas alturas', Eremilson é responsável por operar a máquina STS - tipo de guindaste para movimentação de conteiners. Ele aponta que o maquinário exige um preparo intenso e rapidez para a movimentação de cerca de 32 cargas por hora.
O profissional lembra que o início no porto foi surpreendente pela dimensão das máquinas e dos navios, mas que aos poucos foi se fascinando pela função. "Você transporta o País, movimenta o País, a economia do País é praticamente gerada aqui dentro. Participar desse processo é gratificante", ressalta.
PROTEÇÃO AMBIENTAL
A construção de equipamentos de grandes dimensões no mar tem impactos no ecossistema. O oceanógrafo Marcelo Soares, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), aponta que os riscos vão desde a invasão biológica de espécies ao afugentamento da fauna local pelo ruído dos navios.
O especialista aponta que portos onshore, como o de Fortaleza, precisam de dragagem (retirada de sedimentos do fundo do mar) para serem instalados. O processo pode contaminar o ecossistema, modificar a qualidade da água e intensificar a erosão, impactando nas praias do Titanzinho, de Iracema e outras.
"Aqui no Ceará, as areias são transportadas no sentido oeste e alimentam as praias. Então, se eu bloqueio esse transporte, eu posso gerar um problema de erosão das praias. No caso do Pecém, a solução adotada foi bem bacana, ele é mais dentro do mar e aí você uma ponte que leva até a área portuária. E as pilastras são vazadas, ou seja, as correntes passam por essas pilastras", aponta.
Lucio Gomes, diretor-Presidente da Companhia Docas do Ceará, afirma que pareceres técnicos recentes não identificaram a necessidade de um novo processo de dragagem - a última foi realizada em 2022. Ele reforça que tem trabalhado para fortalecer a atuação da coordenação de meio ambiente e a agenda sustentável.
"Vamos fazer um trabalho para gerar a própria energia por células fotovoltaicas. E quem sabe até reativar um daqueles quatro aerogeradores. Já conversamos para ver a viabilidade. Porque tem que ter uma subestação, e a subestação da docas não suporta", ressalta.
Além da agenda do hidrogênio verde, o Porto do Pecém trabalha com planos de apoio à comunidade local e contenção de riscos. Francisco Willame, gerente ambiental do equipamento, afirma que há uma análise rigorosa das qualidades da água, do ar e da dinâmica sedimentar para avaliar as consequências da operação.
Entre os programas que beneficiam a comunidade, está uma ação de resgate cultural da 'Dança do Coco' e compensação com pescadores. "Existe um programa específico de educação ambiental, é um dos mais robustos, que e é onde a gente identifica quais as ações são as mais requisitadas e geram mais interesse", explica.
Marcelo Soares reforça que as atividades portuária devem seguir uma regulamentação ambiental bem definida, com foco principalmente em rezar as emissões de carbono da operação. "É ideal que vá se modificando e retire o modal do carvão o mais rápido possível, já que ele acelera o processo da emergência climática, que o maior problema ambiental da história da humanidade", afirma.