A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central de manter a taxa de juros básica do Brasil em 10,5%, criticada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi baseada em critérios técnicos e unânime, ressaltam economistas ouvidos pelo Diário do Nordeste.
Lula afirmou em entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste e à rádio Verdinha FM 92.5 que quem perde com a decisão é o Brasil e o povo brasileiro. Seguindo o tom elevado sobre presidente do Copom, Roberto Campos Neto, o presidente afirmou que o Banco Central decidiu “investir no sistema financeiro”. Após a fala do presidente, o dólar fechou em alta nesta quinta-feira (20).
O Copom manteve a taxa Selic 10,5% na reunião realizada nesta quarta-feira (19), quebrando uma sequência de sete reduções seguidas na taxa. Todos os membros do colegiado votaram a favor da manutenção, diferentemente da reunião anterior, em que Campos Neto precisou dar voto de minerva para uma redução em percentual menor.
O presidente afirmou que a manutenção da taxa de juros em patamares altos beneficia os bancos privados, enquanto o governo federal enfrenta dificuldade de atrair investimentos. “A decisão do Banco central foi investir no sistema financeiro, especuladores que ganham dinheiro com os juros, e nós queremos investir na produção”, disse Lula.
Joseph David Barroso Vasconcelos, professor do Departamento de Teoria Econômica da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que os bancos privados acabam se beneficiando com uma taxa Selic alta, já que os produtos financeiros de maior risco se valorizam.
“Quando a Selic está baixa, os títulos de renda fixa tendem a ser menos atrativos. São títulos mais seguros, mas quando a remuneração está muito, o mercado acaba tendo que correr atrás de títulos de renda variável, no caso ações e outros títulos”, aponta.
O que o presidente entende é que o Banco Central tem mantido a taxa de juros muito alta na tentativa de beneficiar esses tipos de agentes econômicos, que estão interessados em retorno financeiro fácil
O professor ressalta, entretanto, que a decisão do Copom é embasada nas projeções do cenário econômico e do comportamento futuro da inflação. As mudanças na taxa de juros só têm reflexo no cenário inflacionário em um período de nove meses.
A expectativa é que o Copom mantenha a taxa de juros nesse patamar até o fim do mandato de Campos Neto, segundo o professor.
Conforme a nota técnica divulgada pelo Copom, o conjunto de indicadores da economia brasileira e do mercado de trabalho apresentam dinamismo maior que o esperado, o que exige cautela.
“O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”, afirma.
Com a decisão, o Brasil segue com o segundo maior juro real do mundo, segundo levantamento do MoneYou, com taxa real de 6,79%. O país líder de juros é a Rússia, com taxa de real de 8,91%.
Confira a entrevista exclusiva de Lula ao Diário do Nordeste e à Verdinha FM:
INFLAÇÃO CONTROLADA?
Ao defender uma redução da taxa de juros, Lula afirma que a inflação no Brasil está 'totalmente controlada'. Os dados que embasam as decisões do Copom, entretanto, consideram risco de alta inflacionária no futuro, aponta Luiz Trotta, vice-presidente do Ibef Ceará.
O executivo afirma que a decisão do Copom é uma sinalização para o governo de que há uma incerteza em relação aos impactos da política fiscal adotada pelo governo (decisões de orçamento e gastos públicos).
“É ruim aumentar os juros, não é bom para ninguém, trava a economia. A pessoa que vai comprar o carro pensa duas vezes, o empresário segura o investimento. Em contrapartida, mantém-se a inflação no ritmo um pouco mais controlado”, afirma.
Trotta afirma que a alta da inflação, que o Copom busca combater com a gerência da Selic, penaliza especialmente a população mais pobre, que tem menor segurança para se proteger das variações de preço.
“É importante dizer que dentro da diretoria do Banco Central existem membros que foram indicados pelo atual governo. E até esses membros votaram a favor da manutenção da taxa”, comenta Trotta.
As projeções dos analistas para a inflação subiram no último Relatório Focus do Banco Central. A estimativa para 2024 subiu de 3,90% para 3,96% Já a previsão para a inflação de 2025 cresceu de 3,78% para 3,80%.
AUTONOMIA DO BANCO CENTRAL
A autonomia do Banco Central foi outro ponto questionado pelo presidente Lula em entrevista ao Diário do Nordeste. “Autonomia de quem? Autonomia para servir quem? Autonomia para atender quem?”, questionou o mandatário.
Lula afirmou que, em todos os seus mandatos, nunca interferiu nas decisões do Copom e do Banco Central, mas que tinha a opção de fazer mudanças no comando da instituição.
Desde 2021, o presidente e os diretores do Banco Central têm mandatos de quatro anos, que não coincidem com o do Presidente da República. O presidente do BC assume no dia 1ª do terceiro ano de mandato do presidente da República, após indicação pelo mandatário e confirmação pelo Senado
.A mudança tem como objetivo assegurar a estabilidade de preços e zelar pela estabilidade e eficiência do sistema financeiro. Segundo Luís Trotta, a autonomia é uma prática adotada por vários países do mundo e dá uma boa sinalização para o mercado.
“Dá a mensagem de que o Banco Central vai fazer o que for necessário para manter a inflação sobre controle, e também assegurar um crescimento. Muda o presidente, mas a política monetária tende a se manterm por pelo menos mais dois anos”, afirma.