A conta de luz dos consumidores que produzem a própria energia no Ceará poderá ficar até 14,5% mais cara já a partir deste mês de março. Isso porque passa a ser cobrado o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre as tarifas de transmissão e distribuição de energia elétrica (TUST e TUSD). Segundo a Secretaria da Fazenda do Estado (Sefaz-CE), a mudança é uma adequação à legislação já vigente.
O diretor de Geração Distribuída do Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Estado do Ceará (Sindienergia), Hanter Pessoa, explica que as pessoas que produzem a totalidade da energia que consomem, seja por energia eólica ou solar, pagam à concessionária, no caso a Enel Ceará, apenas uma taxa fixa referente à iluminação pública e tarifas.
Ele explica que até então a cobrança do ICMS sobre a TUST e TUSD não era realizada e pega os consumidores de surpresa, podendo pesar no orçamento de famílias e empresas durante período de dificuldade econômica desencadeada pela pandemia.
A titular da Sefaz-CE, Fernanda Pacobahyba, esclarece que, em 2015, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) fechou convênio para zerar a alíquota do ICMS sobre a produção própria de energia elétrica. A isenção, no entanto, não inclui a TUST e a TUSD.
"Não teve mudança nenhuma na legislação. A produção continua sendo isenta. Só que, aqui no Ceará, a Enel não fazia a separação desses valores e aplicava a isenção sobre tudo. Nós identificamos e orientamos a empresa a fazer uma alteração no sistema para separar as duas coisas. Aí ela (Enel) começou a aplicar o convênio de forma correta", detalha.
A Enel Ceará, por meio de nota, informou que está apenas "cumprindo a legislação tributária vigente no Estado do Ceará" e que comunicou antecipadamente os clientes sobre a cobrança. "Sobre o valor retroativo, a empresa informa que está analisando o tema", acrescenta o texto.
Impactos para o setor
Ainda assim, Pessoa argumenta que apenas cinco estados do Brasil, nenhum no Nordeste, realiza a cobrança do ICMS sobre as tarifas de transmissão e distribuição, mesmo elas não estando inclusas no convênio do Confaz. Ele ainda critica o momento escolhido para fazer essa adequação.
"É o primeiro estado do Nordeste a passar a fazer essa cobrança. Não estamos questionando o convênio, mas sim o momento inoportuno em que está sendo feita a cobrança. Por conta da pandemia, as empresas estão sem faturamento, os trabalhadores estão de home office e as contas já ficaram mais caras", ressalta o diretor.
Pessoa afirma ainda que a decisão também gera insegurança jurídica aos clientes em potencial, que poderão desistir ou adiar a compra de equipamentos para a microgeração, e às empresas, que podem decidir migrar para outros estados.
"O Ceará sempre foi pioneiro em energias renováveis e estamos perdendo posições para estados vizinhos. A energia solar, inclusive, vinha sustentando a área de engenharia. Muitas empresas da construção civil migraram por verem maior viabilidade de negócio. Isso compromete toda a cadeia de empresas do Estado", acrescenta.
O diretor também lembra que ainda há a discussão sobre se o ICMS deveria incidir sobre a TUST e a TUSD, uma vez que se tratam de infraestrutura, não mercadoria. "É como se você comprasse um celular e pagasse ICMS por ele e pelo transporte", compara.
Sobre isso, a secretária da Fazenda aponta que há um debate aberto junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Contrários à cobrança
O diretor do Sindienergia revela esperar que a decisão seja revista, em especial pela atual fragilidade em que se encontra a economia cearense e brasileira.
O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-CE), por meio de nota, também se posicionou "desfavorável a qualquer tipo de ajuste que venha a onerar o bolso do contribuinte e inibir o desenvolvimento do segmento".
"É imperativo que seja feita uma readequação tributária do segmento, minimamente como forma de suporte para amenizar os efeitos de tão severa crise, além de caminhar na criação de emprego e renda, aproveitando o ambiente favorável a essa atividade", acrescenta o texto, assinado pelo presidente do Crea-CE, Emanuel Maia Mota.