A reformulação do sistema tributário brasileiro a partir da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 110 renderia ao Estado do Ceará uma arrecadação adicional de R$ 1,5 bilhão, de acordo com o economista, ex-deputado federal e autor da PEC Luiz Carlos Hauly. "A mudança de paradigma é a cobrança do imposto no destino, porque o imposto é de quem consome, e não de quem produz", pontuou ele durante uma live sobre o assunto realizada na manhã de ontem (23).
Questionado sobre como a proposta toca a questão da guerra fiscal entre os estados - referência a mecanismo historicamente utilizado pelo Nordeste para a atração de investimentos -, Hauly disse ainda que a Região se beneficiaria com a criação de fundos de desenvolvimento, de equaliza-ção de receitas e com a ampliação do fundo de exportação para os estados e municípios exportadores.
A criação de um fundo de desenvolvimento regional se trata de demanda de secretários de Fazenda e governadores, sobretudo da região Nordeste, que mais perderiam com a equiparação dos tributos estaduais no País. Conforme Hauly, o recurso seria de R$ 33 bilhões por ano.
"E a manutenção dos atuais fundos de desenvolvimento regional, de R$ 43 bilhões por ano. E o fundo de equalização para receita por habitante que seja menor do que a receita por habitante da média dos estados e municípios do Brasil", detalhou o autor da proposta.
Na avaliação do advogado tributarista e diretor do Instituto Cearense de Estudos Tributários (Icet), Schubert Machado, assim como a Proposta de Emenda à Constituição 45, que também visa à reformulação do sistema tributário brasileiro, a PEC 110 não ataca os problemas essenciais. "Nenhuma das PECs ataca os nossos problemas essenciais que, ao meu ver, ficam na regressividade do sistema. O sistema continua tributando pesadamente o consumo e não altera em nada a tributação do patrimônio e renda", diz Machado.
Por regressividade, o tributarista se refere ao peso proporcionalmente maior da carga tributária a quem recebe menos do que os mais ricos - com a tributação focada sobre o consumo, por exemplo, o valor cobrado do consumidor é o mesmo, independentemente de sua renda. Ele reforça que a proposta apresentada na última semana pelo Governo Federal também está longe de resolver os problemas do sistema tributário brasileiro.
"Eu diria até que o que o Governo Federal está propondo nem sequer pode ser chamado de reforma tributária. Seria um ajuste na sistematização do PIS/Cofins e transformação apenas do nome. São duas contribuições que já estão unificadas há muitos anos e agora o governo vai apenas dar um nome a essa unificação. Junto com ela vem maior complexidade e aumento da carga tributária, sobretudo no setor de Serviços", frisa.
Na terça-feira (21), o ministro da Economia, Paulo Guedes, entregou ao Congresso a primeira de quatro partes da proposta do Governo de reforma tributária. O texto prevê a unificação de dois impostos federais, o PIS/Pasep e a Cofins. Os dois tributos serão extintos para dar lugar à Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), com alíquota única de 12%.
Na avaliação de Schubert Machado, mesmo a troca de vários impostos por apenas um não proporciona um movimento no sentido de descomplicar o sistema tributário brasileiro. "Esse novo (tributo) que será criado vai ser igualmente complicado, então é trocar uma coisa pela outra, não vejo simplificação real", critica o tributarista.
Ele também criticou que os textos são muito abertos "a leis complementares", o que pode modificar mais a legislação no futuro.
Entrave
Hauly pontuou durante a live que a PEC 110 trata de reduzir a tributação no consumo, fazendo com que as famílias tenham maior poder aquisitivo. "A nossa economia andou lentamente por causa do sistema tributário", destacou, acrescentando que o arcabouço legal dos impostos brasileiros é o principal entrave para o País entrar na Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE).
"São muitos ganhos: a criação de um círculo virtuoso na economia, com os estados do Nordeste voltando a crescer e a prosperar, gerando empregos, riqueza, mais impostos e mais desenvolvimento, melhor educação, saúde e assistência social", disse o autor da proposta durante a transmissão. Ainda de acordo com Hauly, Rio Grande do Norte e Paraíba ampliaram suas arrecadações em R$ 1 bilhão/ano com a adoção de medidas propostas na PEC 110.
Ele explicou que a PEC 110 propõe a troca de nove tributos por um IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) dual, de destino, que compreenderia ISS; ICMS; IPI; PIS; Pasep; Cofins; Cide; IOF e Salário-Educação.
"A proposta 110 não quer eliminar dois tributos como propõe o governo federal ou cinco, como faz a PEC 45. Nós queremos substituir nove por um", disse, destacando que vê "cada tributo na base de consumo como um tumor cancerígeno".
Câmara e Senado
Duas PECs já estavam em tramitação no Congresso desde o ano passado, antes de entrar em jogo o texto - fatiado - enviado pelo Ministério da Economia esta semana. A PEC 45, que tramita na Câmara, e a PEC 110, no Senado. Uma comissão mista foi formada para unificar os textos das duas propostas, evitando disputa entre as casas. A pandemia havia paralisado os trabalhos, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tinha resolvido prosseguir com a PEC da Câmara, causando um mal estar com Davi Alcolumbre, presidente do Senado.
Diante de toda essa movimentação para a aprovação de uma reforma tributária e em meio à crise provocada pelo novo coronavírus, Schubert Machado avalia que o momento não é o ideal para a aprovação de mudanças no sistema tributário.
"Estamos em um momento difícil, de pandemia, no qual a economia está passando por reajuste. Não é o momento de fazer reforma tributária. Reforma tributária é algo sério, tem que ser refletido, profundo. Não é o momento de se aproveitar e fazer reforma. Só quem vai ganhar com uma reforma tributária aprovada de maneira precipitada e atabalhoada é o governo", conclui o advogado tributarista.
Cobrança automática
Durante a live, o empresário catarinense Miguel Abuhab também falou sobre o sistema de cobrança automática de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O sistema, com a aprovação de uma unificação de impostos, visa reduzir sonegação, informalidade e a inadimplência, na visão do empresário.