A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (19), por 313 votos a favor a 166, o texto-base da Medida Provisória que permite a privatização da Eletrobras, empresa que atua no setor de geração e transmissão de energia elétrica. Os deputados federais analisam agora os "destaques", que podem alterar o teor da proposta.
Ela autoriza o Governo Federal a diluir sua participação na estatal, hoje em torno de 60% para 45%, por meio da oferta de novas ações no mercado.
Enviado pelo Governo Federal em fevereiro, a privatização é uma das prioridades do Executivo e aposta na área econômica para ampliar investimentos da empresa. A proposta terá de ser analisada pelo Senado Federal até 22 de junho, quando perde a validade.
Resistência de partidos
A MP foi aprovada sem apoio da oposição e com resistência de partidos da base aliada. Pela manhã, partidos entraram com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar impedir a votação.
O líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), disse que a votação era uma afronta à democracia, por não ter sido discutida em uma comissão mista, formada por deputados e senadores.
"É uma afronta à democracia porque não houve a comissão mista, exigida pela Constituição. O que houve foi um império do relator", afirmou. Ele disse que a criação do colegiado é, justamente, para evitar que "uma única pessoa possa trazer o texto que quiser ao plenário".
Aumento na conta de luz
Apesar da negociação do Governo Federal com o relator da proposta, deputado federal Elmar Nascimento (DEM-BA), nos últimos dias, a MP foi aprovada com diversos "jabutis", como são chamadas as emendas que mudam o teor do texto do Executivo.
Por meio de um acordo, o ele chegou a retirar algumas das medidas, mas manteve propostas que terão como consequência o aumento da conta de luz do consumidor final.
O primeiro parecer apresentado por Elmar Nascimento condicionava a privatização da Eletrobras à contratação prévia de 6 mil megawatts (MW) de termelétricas em locais definidos pelo relator.
A contrapartida foi retirada do texto em uma nova versão do relatório, apresentado nesta tarde durante análise da matéria no plenário.
A exigência foi suprimida depois de o Governo Federal alegar que não havia projetos para todas essas usinas e com o risco de que isso impedisse a privatização, prevista para ser concluída no início de 2022.
Contratação de termelétricas
Contudo, o relator manteve a contratação dessas termelétricas, por meio de leilão, nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, onde há poucas reservas e gasodutos. A construção de infraestrutura para escoar o insumo deve resultar no aumento de custos para o consumidor.
Deputados federais se manifestaram contra à proposta. "Estamos reduzindo a eficiência do setor como um todo, criando um custo desnecessário. Podemos, sim, contratar energia de térmicas, onde há gás e gasodutos", afirmou o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES).
Ao contrário do que foi acordado com o Governo Federal, o parlamentar não retirou a obrigação permanente de contratar uma mínima de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) em leilões de energia nova.
Ele manteve uma regra pela contratação mínima de 2 mil MW de PCHs nos leilões A-5 e A-6. Depois desses 2 mil MW, os leilões ainda deverão contratar 40% de PCHs nos leilões até 2026, por 20 anos, ao preço do leilão A-6 de 2019, de R$ 285,00 por MWh.
Prorrogação de contratos
O texto-base aprovado também permite a prorrogação dos contratos das usinas contratadas no âmbito do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).
Com o vencimento dos contratos, as usinas teriam de disputar leilões de energia velha e reduzir seus custos.
A MP, no entanto, vai permitir que elas tenham as outorgas estendidas de forma automática, por mais 20 anos, a preço de energia nova - que inclui o valor da construção de um novo empreendimento, embora elas já estejam prontas.
Realocação de famílias
Nascimento também manteve a obrigação da União realocar famílias que moram em faixa de servidão de linhas de transmissão em até três anos.
A medida valerá para todas as regiões metropolitanas das capitais e será paga com recursos do Programa Casa Verde e Amarela. Não há, porém, estimativa de custos da medida.
Como proposto pelo governo, Nascimento manteve a possibilidade de renovação antecipada da usina de Tucuruí, um dos maiores ativos da Eletronorte, e incluiu também a prorrogação da concessão da Hidrelétrica Mascarenhas de Moraes para Furnas.
Participação de acionistas
O texto também traz uma trava de 10% para a participação de cada acionista no capital social e a criação de uma ação de classe especial 'golden share' para a União, que assegura poder de veto em decisões estratégicas.
Assim como previsto no texto original, a Eletronuclear, que opera as usinas nucleares, e a Itaipu Binacional não vão entrar no processo de privatização. O governo fica autorizado a criar uma nova empresa pública ou de economia mista para gerir essas empresas.
Energia a preços livres
No processo de capitalização, a Eletrobras terá de pagar R$ 25,5 bilhões ao Tesouro Nacional pelos novos contratos de concessão de usinas, o que vai permitir que a empresa comercialize energia a preços livres.
O modelo difere do regime de cotas, que cobre apenas custos de operação. A empresa também deverá transferir R$ 25,5 bilhões para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), o que vai permitir atenuar as tarifas pagas pelos consumidores.
Abater tarifas
Em seu relatório, Nascimento determinou que esses valores serão usados para abater as tarifas apenas dos consumidores atendidos pelas distribuidoras.
Na prática, o deputado excluiu os efeitos para os grandes consumidores, que negociam no chamado "mercado livre" de energia.
Divisão de recursos
O texto também traz uma divisão para os recursos do superávit de Itaipu após 2023, quando serão quitados os empréstimos e financiamentos para construção da usina.
Pelo texto, de 2023 a 2032, dois terços desses recursos devem ser repassados à CDE e 25% ficará com a União.
Sem detalhar, a MP estabelece que o governo deverá usar os recursos em um programa de transferência de renda. De 2033 em diante, 50% ficam com a CDE e 25% com a União.
Os outros 25% serão destinados para manter os programas regionais na Região Nordeste, Norte e Sudeste - pelo texto original, os repasses acabariam em dez anos.
No caso do Nordeste, os recursos vão ser geridos por um comitê a ser criado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional - depois de muita polêmica, o relator retirou essa atribuição da Companhia de Desenvolvimento dos Valores do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal marcada por indicações políticas e mau uso de recursos públicos.