Os baixos salários, aliados à falta de conhecimento ou de interesse e, em muitos casos, ao desemprego, fazem com que a maioria dos cearenses dependa exclusivamente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para sobreviver após deixar o mercado de trabalho. Pesquisa do Instituto Opnus revela que 93% dos cearenses não têm outras fontes de renda para complementar a aposentadoria.
Apenas 1% dos entrevistados disse ter poupança, outros 1%, previdência privada, 1% possui empresa ou negócio próprio, 1% contribui para sindicato rural e 2% têm outras fontes de renda. "A gente discute o quanto essa Previdência é dura. E é verdade. Ela tem muitos componentes difíceis. O problema é o salário mínimo, é o tamanho da renda do brasileiro, que é muito baixa. Isso precisa ser sanado", aponta Célio Fernando, economista e presidente do Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) no Nordeste.
Para o economista, a educação financeira para a Previdência é frágil no País. "Hoje, as pessoas estão mais preocupadas com o carpe diem (desfrute o presente). A preocupação é se eu vou ter dinheiro para poder dar alimento à minha família e dar condições aos meus filhos. Essa é a situação hoje em geral do Brasil".
O presidente da Apimec no Nordeste diz ainda que se preocupar com o futuro é essencial do ponto de vista macroeconômico. "Porque quando as pessoas se preocupam com o futuro, elas têm um pensamento de formar uma poupança. Isso dá sustentabilidade a um investimento e você cria uma força motriz. É um círculo virtuoso de geração de emprego e, obviamente, de renda", destaca.
Analfabetismo
O analfabetismo é outro fator que ajuda explicar esse cenário, avalia Célio Fernando. Para ele, o problema ainda é significativo no Ceará e dificulta o acesso à informação. "Por mais que você tente combater a precariedade, a base não tem condições de entender o que você está dizendo, o que está sendo colocado. O modelo está falido porque ele não altera essa condição. A gente entende que as famílias não têm condições de uma construção cultural e educacional para pensar em investir".
Rendimentos
O frentista João Simião (53 anos) trabalha em posto de gasolina há 19 anos, atividade insalubre que lhe dá direito a uma aposentadoria especial. Ele admite que, além de não saber como ficará sua aposentadoria com as novas regras da Previdência, não consegue destinar parte alguma de seu salário para um investimento extra para complementar o benefício que receberá do INSS.
"Eu tenho uma filha que possui autismo. No momento, só consigo pagar as contas mesmo, não sobra nada", revela Simião.
O nível de rendimento do cearense é, historicamente, um dos menores do Brasil. No fim do primeiro semestre deste ano, o trabalhador no Estado ganhou, em média, R$ 1.568 - o sexto menor entre os estados. A média brasileira chegou a R$ 2.214 no mesmo período, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Nova cultura
Para David Oliveira, professor do departamento de Administração da Universidade Federal do Ceará (UFC), a capitalização, proposta futura do Governo Federal, exigirá a adaptação dos brasileiros a um novo tipo de cultura.
"Não necessariamente é um tipo de cultura de sucesso onde foi implementado. Eu estive há alguns anos no Chile e, conversando com algumas pessoas, elas diziam que iam se aposentar em dois anos e tinham que optar ou pela moradia ou pela alimentação. É uma capitalização individual que o Estado participa de forma tímida, que não gera qualidade de vida", argumenta.
Segundo ele, o cearense, assim como o brasileiro mediano, não consegue lidar com a capitalização agora porque a maioria das pessoas ganha salários baixos e não arcam com investimentos como a previdência privada, por exemplo. "Claro que se a gente ganhasse um valor muito maior, e tendo a consciência disso, você tenta outras maneiras de melhorar a aposentadoria. Tem que ter nesse sentido um projeto de País mesmo", diz..
Contribuição
O empresário Bruno Pessoa (31 anos) trabalha com instalação de pontos eletrônicos, atuando como pessoa física, em vez de jurídica. Desde que passou a ser autônomo, há quatro anos, deixou de contribuir para a Previdência.
Pessoa está entre os 42% dos cearenses que não contribuem para o INSS, segundo a pesquisa do Instituto Opnus. Mesmo assim, ele diz que se preocupa com a aposentadoria - principalmente após o nascimento do filho - e já procurou o seu banco para saber mais detalhes sobre previdência privada.
"Pretendo voltar a contribuir com o INSS em 2020 e também ter esse plano B com a previdência privada. Tenho até de me informar como ficarão essas novas regras para saber quanto tempo vou ter de pagar para ter direito".
Do total de cearenses que não contribuem, 71% são do sexo feminino e 43% estão na faixa etária de 16 a 24 anos. Ainda entre aqueles que não pagam, 53% ganha até um salário mínimo e 44% possui escolaridade até o ensino médio.
Por outro lado, o pagamento da contribuição é mais comum entre homens (50%), pessoas com idade entre 45 e 59 anos (75%), com ensino superior completo (71%) e ganhos mensais maiores que cinco salários mínimos (79%).
Paulo Bacelar, sócio da Bacelar e Nousianen Advogados Associados e coordenador do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) no Ceará, avalia que a não contribuição com a Previdência é reflexo da falta de informação.
"As pessoas falam de empreendedorismo, mas esquecem da Previdência. Muita gente trabalha como autônomo e não contribui. A Previdência não é só aposentadoria. Ela também é uma proteção social contra risco, doenças, invalidez permanente, morte. As pessoas ainda acham que é um desperdício, que é jogar dinheiro fora ou dar dinheiro para o Governo", lamenta Bacelar.