Há 24 anos, as medidas que regulam as relações de consumo, garantindo a defesa dos direitos dos fregueses do comércio e usuários de serviços, eram institucionalizadas por meio da lei federal nº 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Mais de duas décadas após a criação da norma, as relações de consumo passaram por mudanças - boa parte delas, acompanhada pelo Código, e os consumidores tornaram-se mais conscientes da existência dos seus direitos, mas a legislação ainda encontra barreiras que impactam em sua efetividade.
Criado com a função de disciplinar as relações entre fornecedores e consumidores, gerando uma espécie de equilíbrio nesses relacionamento, o CDC ainda não é encarado, por boa parte das empresas, como norma orientadora da conduta de atuação. "Enquanto os consumidores estão atentos aos seus direitos, e o Judiciário analisa caso a caso, os fornecedores fazem uma leitura econômica do Código. Isso significa que a empresa faz um cálculo perverso: se ela tiver mais lucros descumprindo os direitos do consumidor, ela vai assumir essa postura", explica o advogado e professor de direitos do consumidor da Universidade de Fortaleza (Unifor), Hércules do Amaral.
Segundo o advogado, uma mudança de cenário será possível apenas quando o Judiciário começar a, também, adotar uma visão econômica sobre esses casos. "Poderiam ser aplicadas multas mais pesadas (às empresas que desrespeitassem o CDC) ou penalidades alternativas, como suspender as atividades", defende Hércules, reforçando que o atual desafio do Código é sua efetividade.
A aplicação de medidas mais efetivas sobre as empresas, na visão de Hércules, iria fazer com que elas, de fato, mudassem suas práticas, realidade dificilmente percebida entre as instituições que lideram o ranking de reclamação dos clientes. "O jurídico resolve os casos individuais, mas as empresas pensam em massa. É preciso entender a lógica das empresas, a lógica do mercado e fazer com que a lei possa se materializar", atesta.
No contexto de dificuldade de efetivação do CDC, a coordenadora geral do Órgão de Proteção e Defesa do Consumidor Municipal (Procon Fortaleza), Cláudia Santos, acrescenta a posição de alguns juízes, que insistem em aplicar o Código Civil nas relações de consumo. "O Código Civil pode ser usado, mas de forma complementar ao Código de Defesa do Consumidor", pondera.
Consciência dos direitos
Apesar das barreiras que se impõem na aplicabilidade da legislação, o Código de Defesa do Consumidor, segundo Cláudia, trouxe avanços importantes, como a maior popularização dos direitos entre os consumidores. "As pessoas estão buscando se informar, exigindo seus direitos, procurando os órgãos de defesa", ilustra. De janeiro deste ano até ontem, segundo a coordenadora, o Procon Municipal havia realizado 12.257 atendimentos, um aumento de 16,2% em relação à quantidade do mesmo período do ano passado. "Criou-se um fortalecimento em relação aos direitos do consumidor", complementa.
A criação do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), a regulamentação das relações no e-commerce e os prazos estabelecidos para atendimento bancário são algumas conquistas ligadas ao CDC, citadas como importantes pelo secretário executivo em exercício do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon), João Gualberto.
"O Ceará, inclusive, foi pioneiro nessa iniciativa. Quando ainda nem se falava em proteção e defesa ao consumidor, aqui já existia o Sistema de Defesa Comunitária, que funcionava nos moldes do Procon, mas não podia aplicar multar", resgata.
Interiorização
Mesmo com histórico de pioneirismo, o Estado enfrenta dificuldades no reconhecimento dos direitos do consumidor, segundo Gualberto. "Aqui no Ceará, vejo muita relutância das prefeituras em criar o Procon Municipal. Por conta dos relacionamentos primários, os prefeitos, que são apoiados por comerciantes ricos, têm medo de perder votos", revela. O fato de muitos prefeitos terem negócios em comércio e serviços nessas cidades também agrava essa situação, de acordo com o secretário.
A interiorização tem sido a estratégia utilizada pelo Decon para atender os consumidores do Interior do Estado. "Nessas cidades, se o consumidor tiver algum problema, ele pode procurar o promotor que atende no Juizado, ele é o braço do Decon, e não pode se furtar em fazer esse atendimento", informa.
PROTAGONISTA
Certeza da importância de garantir direitos
A compra do celular novo tornou-se uma dor de cabeça para o estudante de Direito Hilgemberg Gonçalves. Após constatar um defeito no aparelho, ele o levou à assistência técnica e, ao receber o objeto de volta, constatou que o problema não havia sido resolvido. As idas e vindas ao conserto se repetiram mais duas vezes. "Na terceira, fui atrás dos meus direitos no Procon", conta. Em um prazo rápido o caso foi resolvido e ele recebeu a quantia equivalente ao celular. "Agora vou sempre buscar meus direitos, pode ter certeza".
Hilgemberg Gonçalves, 29
Jéssica Colaço
Repórter