André Pepitone: Ceará nunca teve em toda história previsão de receber tanto investimento em energia

Convidado do Diálogo Econômico, o diretor-geral da Aneel também comentou que o Nordeste foi importante para o Brasil conseguir manter o abastecimento energético

Com uma matriz energética já focada na produção de usinas de potencial renovável, o Nordeste foi um dos fatores importantes para o Brasil conseguir manter o abastecimento energético em outras regiões do País.

A perspectiva apresentada pelo diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), destacada durante entrevista exclusiva para Diálogo Econômico, destaca a importância do mercado local no segmento, considerando inclusive a assinatura do projeto regulatório para usinas híbridas, feitas no Ceará.

Contudo, para André Pepitone, os problemas relacionados aos preços mais altos cobrados pela energia no País são referentes a um cenário mais complexo.

Durante a entrevista, o diretor-geral na Aneel discutiu os impactos do mercado internacional no preço de insumos importantes para geração de energia durante a crise híbrida, além de comentar sobre possíveis medidas para reduzir o valor das tarifas no Brasil. 

Umas das iniciativas destacadas foi a reformulação do sistema tributário nacional, para reduzir o modelo de cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). 

Pepitone também apontou o potencial do mercado cearense para a chegadas de novos investimentos a partir da impulsão do mercado de hidrogênio verde nos próximos anos. 

Confira a entrevista completa: 

O CENÁRIO INTERNACIONAL TEM OS PREÇOS DE VÁRIOS INSUMOS QUE TÊM IMPACTO DIRETO NOS CUSTOS DA ENERGIA DO BRASIL. CONSIDERANDO ISSO, COMO A ANEEL FAZ OS CÁLCULOS PARA DEFINIÇÃO DAS TAXAS EXTRAS DAS BANDEIRAS TARIFÁRIAS DURANTE ESSE PERÍODO?

Nós vivemos a pior crise hídrica das últimas nove décadas, e considerando que 60% que atende a carga do Brasil são hidrelétricas, que estavam com os reservatórios castigados por falta de chuvas, nós tivemos de mudar a forma de atender a demanda do País.

Antes, a água que passava pelas turbinas foi substituída pelo gás natural, pelo óleo diesel, e pelo óleo combustível, e no mercado internacional, diante de uma crise energética mundial, ficaram supervalorizados. Nós tivemos de fazer uso desses combustíveis e nós estamos enfrentando a crise hídrica e estamos saindo dela com total sucesso das medidas aplicadas. 

Garantimos totalmente o abastecimento eletroenergético do Brasil, mas temos uma estrutura de custos para suportar. Foram os custos dessas medidas, que passa pelo aumento da geração termelétrica, por programas para deslocamento da carga pela indústria, e uma das formas de combater esse aumento de custos é por meio da bandeira de escassez hídrica, que foi instalada em setembro e ficará em vigor até abril. 

O cenário de chuvas no Brasil melhorou bastante, e temos chuvas já desde outubro. Os níveis dos reservatórios começaram a melhorar, o que nos dá total segurança para o abastecimento dos próximos anos.

Mas o custo das medidas que foram tomadas precisa ser pago, e ele se deu em setembro, outubro e novembro, então a bandeira de escassez, que vai até abril, tem a finalidade de custear essas medidas. O fato de ter aumentado as chuvas no País em nada impacta essa bandeira, até porque os custos já aconteceram. 

O CEARÁ TEM GERADO MAIS ENERGIA DO QUE PRECISA, MAS HÁ A DISCUSSÃO DE QUE O PAÍS AINDA PRECISA INVESTIR MAIS EM LINHAS DE TRANSMISSÃO. NA SUA OPINIÃO, NO QUE O BRASIL AINDA PRECISA EVOLUIR PARA QUE ESSE EXCESSO POSSA SER TRANSMITIDO PARA O RESTO DO PAÍS E QUAL A AVALIAÇÃO SOBRE A INTERLIGAÇÃO DO SISTEMA NACIONAL? 

De fato, o Ministério de Minas e Energia, que cuida do planejamento energético nacional, está fazendo um trabalho que deve ser apresentado no primeiro semestre de 2022 para sinalizar como ocorrerão os investimentos em transmissão para que se possa escoar essa energia renovável que está sendo transmitida no Nordeste.

A gente observa que no auge da crise hídrica, o Nordeste foi muito importante para garantir a segurança energética das regiões Sudeste e Centro-Oeste. 

Houve meses em que o Nordeste produzia 22 mil megawatts e fazia uso de apenas 12 mil, exportando esses 10 mil excedentes para o Sudeste, onde estavam os 70% dos nossos reservatórios sem água.

A região estava com muita criticidade no atendimento, mas graça a energia produzida pelo sol e pelas eólicas, e toda a estrutura de transmissão, nós conseguimos exportar a energia da região Nordeste para o Sudeste.

Em 2001, quando tivemos outra crise hídrica severa, o Brasil tinha 70 mil quilômetros de linhas de transmissão, e agora um fator que nos ajudou a superar essa crise é que temos 165 mil quilômetros de linhas de transmissão, então temos as verdadeiras rodovias para escoar esses elétrons.

Mas os investimentos em transmissão continuam acontecendo e no dia 17 de dezembro realizaremos um leilão com R$ 2,4 bilhões em linhas de transmissão para aumentar a nossa estrutura de transmissão.

COMO O SENHOR ENXERGA ESSA NOVA ECONOMIA DE ENERGIA QUE ESTÁ SE CRIANDO NO CEARÁ COM O HIDROGÊNIO VERDE E QUAL A IMPORTÂNCIA DO CEARÁ PARA SETOR ENERGÉTICO BRASILEIRO, CONSIDERANDO A ASSINATURA DO PROJETO REGULATÓRIO DAS USINAS HÍBRIDAS NA SEDE DA FIEC? 

Nós estivemos aqui na Fiec em outubro e assumimos o compromisso de quando a regulação esteve pronta, assinaríamos aqui, justamente para simbolizar esse apoio e estruturação que o Estado do Ceará está tendo pela Fiec em prol da energia renovável.

Temos o deputado Danilo Forte que é presidente da frente parlamentar de energias renováveis na Câmara dos Deputados, então temos um político puxando essa bandeira, e reconhecemos que é um reconhecimento justo para o trabalho que se está fazendo aqui.

E aqui está o grande potencial de geração de usinas híbridas, que está transformando o potencial da região Nordeste. Essas usinas se instalam em municípios com IDH muito baixo e ajuda a movimentar a economia.

Agora, estamos vendo a redenção desses municípios, com o sol sendo o que leva o desenvolvimento. As placas solares estão sendo colocadas e estão ajudando a movimentar a economia, gerando renda e emprego. Então é por meio da política pública adequada e a regulação eficaz que estamos promovendo uma revolução no Nordeste. 

Tivemos a COP26 em Glasgow e tivemos a confirmação da priorização da energia renovável, e isso vai ajudar a atender a demanda por hidrogênio verde.

A Europa vai atender a demanda energética pelo hidrogênio, e o Brasil, com o Ceará, será um grande produtor de hidrogênio verde, até porque temos as condições climáticas e o Porto (do Pecém) para escoar esse insumo. Identificamos no Ceará a questão logística e a climática, dando mais um potencial de impulsionar a economia. 

Acho que o Ceará nunca teve em toda a história um prognóstico de receber tanto investimento em energia. A gente vê todo o trabalho que está sendo realizado pela Fiec para buscar o desenvolvimento para o Ceará. 

HÁ UMA DISCUSSÃO NO CENÁRIO INTERNACIONAL SOBRE A REDUÇÃO DE EMISSÕES DE CARBONO, MAS O BRASIL SEMPRE TEVE UMA MATRIZ VOLTADA PARA AS HIDRELÉTRICAS E, AGORA, PARA AS ENERGIAS RENOVÁVEIS. NA SUA OPINIÃO ONDE O NOSSO PAÍS AINDA PODE MELHORAR NESSE SENTIDO E COMO O SENHOR ENXERGA A RELAÇÃO COM OUTROS PAÍSES NESSE ESFORÇO PARA REDUZIR EMISSÕES DE CARBONO? 

O que existe é um desconhecimento sobre o potencial do Brasil e uma deficiência do País em não se vender para o mercado mundial. Aqui, em um país de dimensão continental, ter um parque gerador renovado é fato raro no mundo.

Hoje, 85% da energia produzida no Brasil é renovável, e estamos totalmente aderentes às expectativas mundiais. Vemos países membros da OCDE em que o parque elétrico é de apenas 25% de energias renováveis, então estamos em um patamar avançado.

Mas temos de criar um rótulo verde. Temos o aço verde, o carro que é produzido aqui é feito com energia limpa, o eletrodoméstico é produzido com energia renovável que vem do Nordeste ou do Norte. 

O Brasil, hoje, enquanto diversos países buscam medidas para limpar a matriz, nós temos uma matriz limpa e renovável, e 85% da nossa energia é renovável. Até 2030 vamos manter esse viés renovável do nosso País. 

O BRASIL VEM VIVENCIANDO UM CENÁRIO DE INFLAÇÃO NOS PREÇOS DE ENERGIA E COMBUSTÍVEIS. HÁ UMA PERSPECTIVA NA ANEEL ATÉ QUANDO ISSO DEVE DURAR NA PERSPECTIVA DE LONGO PRAZO OU QUANDO ESSES CUSTOS DEVEM VOLTAR A UM PATAMAR MAIS BAIXO? 

A Aneel implementa a todo vigor uma agenda de desoneração tarifária, com ações para reduzir a tarifa de energia. Eu cito três pontos que envolvem reduzir o custo da produção de energia, tirar todo subsídio da tarifa de energia, e estamos debatendo com o Congresso a questão da carga tributária, até porque não tem como um setor como esse ser tributário em 30% pelo ICMS.

A gente precisa enfrentar essa agenda da reforma tributária, trazendo os benefícios reais para o setor elétrico, sobretudo para os estados do Nordeste, até porque o ICMS é cobrado pelo consumo e a região está se transformando em um grande produtor. Mas o ICMS é recolhido no consumo, e em grande parte no Sudeste. 

Uma medida justa seria deixar 50% para os estados geradores e 50% para os consumidores. E outra medida seria tirar o ICMS da conta de luz.