Maternidade Escola registra mais de 50 partos em adolescentes e crianças por mês em 2020

Instituição contabiliza 517 procedimentos do tipo entre janeiro e outubro. Taxa de gravidez na adolescência por 1.000 habitantes é de 20,3 em 2020, diz Sesa

Escrito por Natali Carvalho , natali.carvalho@svm.com.br
Legenda: A gravidez na adolescência é um problema de saúde pública, dizem especialistas
Foto: Fabiane de Paula

Em 2019, por meio da Lei nº 13.798/2.019, foi criada a Semana Nacional da Prevenção da Gravidez na Adolescência, que vai do dia 1 ao 8 de fevereiro. Iniciativa que procura evitar que crianças se tornem mães precocemente. Entre janeiro e outubro do ano passado, 517 partos de menores de idade foram realizados na Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac). São mais de 50 procedimentos do tipo por mês em 2020, dentre os quais o de uma criança de 11 anos.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 113.081 meninas tiveram filhos com menos de 18 anos no Ceará entre 2009 e 2019. Já a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) registrou no ano passado 20,3 casos de gravidez entre adolescentes de 15 a 19 anos por 1.000 habitantes. Os dados ainda estão sujeitos a alterações. Apesar de grave, já foi pior. Em 2014, esse índice era de 33,1 e vem caindo desde então. Na faixa etária de 10 a 14 anos, essa taxa era de 1,8 em 2014 e 1,2 em 2020.

Como consequência da gravidez precoce, a maioria dessas adolescentes tende a abandonar os estudos para criar seus filhos, e tem três vezes menos oportunidades de conseguir um diploma universitário, de acordo com o relatório do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA).

Esses números alertam e apontam para um problema não só de saúde pública, mas também social. Ser mãe tão jovem é um dos principais motivos para o abandono da escola por parte dessas crianças. Sendo uma forma de perpetuação da pobreza, explica Maria Tereza Dias, Chefe da Unidade de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente da Meac. Lá, entre 2018 e novembro de 2020, houve 1735 partos de menores de 18 anos.

Segundo a médica, o Estado está falhando com os cuidados desse público.

"A adolescente vai ter que cuidar do filho, acaba não conseguindo bons empregos ou consegue sub-empregos, por isso é um problema de saúde pública. Precisamos atuar antes da gravidez ocorrer", explica.

Mariana Bastos fez parte dessa estatística. Aos 17 anos, engravidou de Alice, que não apenas fez mudanças em seu corpo como também em sua vida e na de seus pais, que segundo afirma, "ficaram desesperados". Hoje com 20 anos, ela conta que antes de ser mãe ela vivia "uma realidade totalmente diferente de agora. Tinha minha liberdade, mais amigos, saía mais, tinha mais tempo para me dedicar aos meus estudos, tinha mais tempo para tudo. Depois que eu engravidei, tive que renunciar a muitas coisas".

Uma dessas renúncias foi a escola, para onde retornou após muita dificuldade. "Eu fico me cobrando muito para continuar estudando e me apresso muito querendo me formar logo hoje, para começar a trabalhar o mais rápido possível, mas ainda tem uma longa caminhada para isso", explica. Por isso, superando todas as dificuldades, Mariana concluiu o médio graças ao Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja).

A prova aplicada pelo Governo Federal oferece a oportunidade de obter o certificado do ensino fundamental ou médio, para aquelas pessoas que não conseguiram se formar. Mariana foi aprovada, mesmo tendo que levar Alice para fazer a prova com ela. Em 2020, ela conseguiu entrar numa Faculdade, mas teve que abandonar para cuidar da filha. Neste ano, após conseguir uma bolsa através do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), ela ingressou no curso superior de Odontologia.

Sem escola

No Brasil, a maioria das meninas que são mães entre 15 e 16 anos está fora da escola. Essa parcela tem 60 vezes menos chances de estar na instituição do que outra da mesma idade que ainda não se tornou mãe, segundo o Censo Demográfico de 2010 do IBGE. Essa experiência foi vivenciada pela Estefany Nunes, que engravidou aos 15. A mãe dela, a doméstica Gleuciane Nunes, relata. "Foi muito difícil. Ela era uma menina estudiosa que nunca tinha me dado trabalho".

A jovem que gostava de estudar teve uma gravidez de risco, situação comum entre jovens nessa condição segundo a ginecologista e obstetra, Mayna Moura. "Complicações na gestação e parto são a segunda maior causa de mortalidade entre meninas entre 15 e 19 anos. Além disso, a gestação na adolescência está associada a maiores riscos de partos prematuros, de recém-nascidos com baixo peso, de eclâmpsia, de transtornos mentais (como a depressão) e de morte devido a complicações decorrentes de abortos inseguros ou da gravidez e do parto", afirma a especialista.

Destino

Segundo a médica Maria Tereza Dias, muitas jovens entendem que já estavam destinadas a essa situação com "a maioria das adolescentes aceita a condição, pois é como se fosse um papel já escrito para ela. Aceitando de forma passiva, pois é uma realidade que já é conhecida na família".

A jovem Melissa Vasconcelos, de 17 anos, teve sua filha recentemente, no dia três de fevereiro. Ela confessa que precisou "amadurecer muito rápido" quando soube aos 16 que seria mãe.

"Eu mudei bastante, tive que ter responsabilidade e dar prioridade a outras coisas. Tem um ser humano dependendo de mim, e não posso mais fazer o que eu tenho vontade. Eu era uma pessoa bem irresponsável, até porque eu era adolescente, é normal, mas agora tenho que fazer tudo pensando nela, para que ela seja uma criança saudável", explica.

Educação sexual

Segundo a ginecologista Mayna Moura, um dos principais fatores da gravidez precoce é a falta de educação sexual. De acordo com uma pesquisa feita com 23.894 mulheres após o parto, 66% das gestações que ocorrem na adolescência são não intencionais, o que significa que a cada 10 adolescentes que engravidam, 7 referem ter sido "sem querer". Essa foi a realidade de Mariana, que relatou ter engravidade por um "descuido". Para ela, "o governo deveria ser investido mais em educação sexual, o que ainda é visto como tabu", reclama.

A Sesa foi procurada para informar dados de abandono de escolas em decorrência da gravidez precoce. No entanto, a secretaria informou que não tinha essa contabilização, mas uma pesquisa nesse sentido seria iniciada pelo órgão.

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