As dores de cabeça vinham tão fortes, à noite, que Gáudia Sampaio tinha dificuldade para dormir. Quando conseguia, acordava com dor em todo o braço direito e achava que tinha dormido de mal jeito. A situação ficou tão grave que a contadora teve que parar de trabalhar, por não conseguir mexer o braço.
Foi investigar o que estava acontecendo e, logo, recebeu o diagnóstico: estava com a Síndrome do Smartphone. Ou seja, as dores que iam do pulso à base do crânio estavam associadas ao uso excessivo de celular.
Ela confessa que demorou um pouco para digerir a notícia. “É um pouco chocante, né, porque eu nunca me vi dependente, assim, do smartphone, porque hoje em dia a gente faz tudo com ele. É e-mail, é mensagem, é banco”. Mas, olhando o histórico do celular, a contadora teve um choque de realidade.
É o tempo que só em um sábado a contadora com Síndrome do Smartphone ficou com o aparelho na mão.
O fisioterapeuta José Meudo conta que atende cada vez mais pacientes com a síndrome e que muitos só percebem que usam a tecnologia de forma abusiva depois das consequências físicas.
“Muitos pacientes que procuram a gente já têm passado por um neurologista, mas a dor de cabeça não tem fundo neurológico, têm feito uma investigação com cardiologista, pra ver se não tem uma alteração de pressão arterial, e também não tem”.
A investigação fisioterapêutica acaba indicando sérias tensões em pontos-gatilho do corpo que levam ao uso do celular.
Meudo explica que nunca o polegar humano foi tão sobrecarregado. “O polegar, na verdade, é o mais importante dos cinco dedos da mão. Ele tem uma função de garra, de pinça, ele não foi projetado para que a gente tivesse essa sobrecarga de uma digitação”, explica o fisioterapeuta.
“Imagine se a gente fosse comparar, se a gente caminhasse quatro horas direto, a musculatura ia se fadigar e a gente ia se lesionar”. Segundo ele, essa é a carga mínima, que a maioria dos polegares de hoje enfrenta.
Escalada de dores: do pescoço a bursites nos ombros
A Síndrome do Smartphone pode ter várias escalas de gravidade. Os movimentos repetitivos e a sobrecarga excessiva sobre “ferramentas tão pequenas”, os dedos, podem gerar tendinites ou miosites, que são inflamações nos tendões ou na musculatura da mão.
Com o “espessamento dessa região”, o “paciente começa a ter dificuldade para pequenas tarefas, para se alimentar, girar a chave do carro, abrir o trinco, escovar os dentes, abrir uma torneira, tudo isso vai ficando muito difícil porque vai ficando tudo muito sensível e dolorido”, explica o fisioterapeuta.
Das mãos, a sintomatologia pode avançar para o punho e gerar um edema, que são novas inflamações. José Meudo explica que apesar das pessoas geralmente associarem as doenças pelo uso de celular às partes do corpo que tem contato direto com ele, é comum que as dores “sigam todo o canal do membro superior”, gerando outros males como as epicondilites, inflamações no cotovelo, além de tendinites e bursites no ombro, inflamações nos tendões na região.
Outra área bastante afetada é a região cervical, ou seja, o pescoço. Nela, são comuns as protusões e hérnias, desgastes do disco invertebral da coluna.
Imagine que quando a gente está com o celular na mão, olhando de frente, já são 5 quilos. Quando a gente projeta esse celular pra baixo, num ângulo de 60 graus da minha cabeça, eu passo a ter cerca de 27 quilos de sustentação, de peso, aqui na cervical.
E completa: "E a gente não fica só um minuto digitando, a gente se perde no tempo”.
Ergonomia Digital
Os problemas físicos também foram mapeados pelo Instituto Delete, núcleo especializado no vício patológico em celular e desenvolvido por pesquisadores do Instituto de psiquiatria da UFRJ. O grupo chegou a publicar o livro “Ergonomia Digital”.
Segundo Anna Lucia Spear, doutora em saúde mental do Delete, “as pessoas, em média, estão abaixando a cabeça 100 vezes por dia pra ver o celular. Então, calculando, serão 700 vezes na semana, mil e 400 vezes em duas semanas, 2 mil e 800 vezes por mês que você abaixa a cabeça e nem se dá conta. Se somar isso em um ano, dois, três, quatro anos, imagine como vai ser sua coluna cervical com esse comportamento repetitivo e diário”, alerta.
Recuperação com fisioterapia e pilates
Para a contadora Gáudia, a fisioterapia e o pilates foram as principais estratégias para se recuperar das dores, além da redução drástica do uso do celular. Na fase mais aguda, foram necessárias técnicas com potencial anti-inflamatório, como correntes elétricas, laser, acupuntura, ultrassom terapêutico.
Depois, com a diminuição do inchaço, entraram as terapias manuais, massagens, atividades de fortalecimento e alongamento das regiões do punho, braço, ombro, pescoço.
Meudo explica que o resultado do tratamento depende, diretamente, do empenho do paciente.
Nós ficamos 60 minutos numa sessão de fisioterapia, mas o paciente vai ficar as outras 23 horas do dia sozinho. Se ele não mudar os hábitos, desfaz a nossa terapia nas duas horas seguintes. Então, orientamos que ele diminua o tempo de exposição ao celular
“Viu que já está a 50 minutos com o celular na mão?"
Ele também dá algumas dicas para evitar lesões futuras. Entre elas, fazer alongamentos e massagens nos dedos antes de momentos de digitação prolongada, além de dar intervalos e pausas para recuperação da musculatura. “Viu que já está a 50 minutos com o celular na mão? Então, solta o celular um pouquinho, massageia a região, dá uma alongada, que isso já vai ajudar com certeza”, orienta Meudo.
Tentar olhar para o celular sempre na altura dos olhos também pode aliviar as tensões na cervical. “Pra isso a gente pode usar o cotovelo e apoiar o braço, pra poder fazer essa posição ideal e não cansar”, explica o fisioterapeuta.
A psicóloga Anna Lucia Spear também recomenda piscar mais vezes para manter a lubrificação natural dos olhos, ficar atento à postura e escolher “mobiliário adequado a seu peso e tamanho porque senão, daqui a 10 anos, a pessoa está com um problema similar ao de uma pessoa idosa”, afirma a pesquisadora.
Atualmente, Gáudia segue as recomendações à risca e, também, mantém uma vigilância constante sobre o tempo de utilização do smartphone.
“Hoje em dia eu faço que nem o pai faz com o filho, uso o celular de manhã, depois do almoço e à noite. Comecei a diminuir o uso e foi aí que eu vi que as dores também diminuíram. Hoje eu estou 90% bem”
Ela também reconhece que evitar o celular é uma batalha diária que trava consigo mesma e vence. “Todas as pessoas ao meu redor estão com celular na mão. Então, é difícil você estar num canto, todo mundo com celular e você, de braço cruzado. Aí você fica naquela tentação, ‘eu vou pegar também’, mas resisto ‘não vou’. Então, eu tive que ter esse choque, essas dores, para poder dar essa pausa”, conta.