As recentes mortes do menino João Pedro, 14, no Rio de Janeiro; e de George Floyd, 46, nos Estados Unidos, ambas causadas pela polícia; evidenciaram as discussões sobre racismo, nas redes sociais, e facilitaram o acesso de todos a pautas cotidianas para a parcela preta da sociedade – que também enfrenta no Ceará a força dessa violência.
A professora da Universidade Regional do Cariri (Urca), membra do Grupo de Valorização Negra do Cariri (Grunec) e do Movimento Negro Unificado no Ceará, Zuleide Queiroz, pondera que a discriminação contra a população preta é enraizada de maneira a ir além de episódios visíveis, de modo que se nega a própria existência da violência.
“Uma das grandes questões hoje é partir da compreensão de que o racismo é estrutural. Todas as situações de racismo no mundo perpassam a história da escravidão”, resgata. “Racismo não é só quando entro numa padaria e farmácia e o segurança me segue pra saber se eu vou roubar. Ah, se fosse só isso. Isso não vai passar enquanto não houver uma política estrutural. O que temos para os negros no Ceará e no Brasil? A política da morte. Em tempos de pandemia, quem tem direito a respirar? Não tem momento mais terrível do que este para escancarar as nossas desigualdades”, reflete.
Mais de sete em cada dez infectados pelo novo coronavírus no Ceará são pretos ou pardos, segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), atualizados até as 9h08 dessa quarta-feira (3). Os pardos respondem, sozinhos, por 24.948 (69,2%) dos casos confirmados. Somam-se a eles 749 (2%) pessoas com Covid-19 consideradas pretas.
A razão disso, para a pesquisadora, é que a parcela da sociedade que tem acesso a saúde, moradia e educação de qualidade é a branca. Aos pretos e pardos, que ocupam as periferias, resta a exposição. “E a situação seria ainda pior se não tivéssemos o SUS”, conclui.
“Uma dificuldade muito grande desse tema no Ceará é até de o sujeito se reconhecer negro. Como tivemos uma participação grande da população indígena, esse processo ficou muito mais mascarado dentro dessa perspectiva de miscigenação”.
Zuleide destaca que além de questões que valorizem a identidade do povo preto no Ceará, são necessárias políticas que reconheçam e respeitem essa presença – sobretudo em relação à segurança pública. “Números negativos são pretos, mas os positivos vão se embranquecendo. Quem ganha mais de cinco salários? Quem viaja? Quem está na universidade? Não é só um corpo que passa na rua que se sente agredido ou sofrendo situações racistas – é uma população que no Ceará é maioria”.
A população autodeclarada negra cresceu 82% no Ceará, entre 2012 e 2018, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua 2018, publicada no ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O índice passou de 2,9% para 5,3% (480 mil pessoas), mas ainda é o menor do Nordeste. A maior parcela populacional cearense é a de pardos, englobando 65,7% dos habitantes – cerca de 5,9 milhões de cearenses.