Infecções vaginais, evasão escolar e ansiedade durante o período menstrual são alguns dos impactos causados pela pobreza menstrual. Conforme a ginecologista e obstetra da clínica Femme Vie, Dra. Mayna Moura, além da falta de acesso aos itens de higiene vaginal, esse conceito também considera a carência ao acesso à informação sobre o tema.
Para a moradora do bairro Bom Jardim, Márcia Félix da Silva, 41 anos, a dificuldade para garantir itens básicos da higiene vaginal, como o absorvente, foi intensificada durante a pandemia. Apesar do apoio de doações, vê que a falta de acesso aos produtos menstruais é realidade para mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
No cenário em que 1 a cada 4 brasileiras não têm acesso a absorventes, segundo dados do relatório "Livre para Menstruar" publicado em abril de 2021, algumas mulheres utilizam panos cortados, folhas de jornais e até sacos plásticos, o que não é recomendado devido ao risco de infecção. “A gente não tem como ter certeza se estão limpos”, explica a Dra.Mayna.
A pesquisa realizada pelo movimento Girl Up, iniciativa global da Fundação das Nações Unidas para promoção de igualdade de gênero, aponta também que o Brasil concentra cerca de 60 milhões de mulheres que menstruam, correspondendo a aproximadamente 30% da população do País.
Além disso, quase 713 mil brasileiras vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio, de acordo com o relatório "Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos", do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Impactos na saúde
O uso desses itens não higienizados pode causar infecções urinárias, vaginais, até mesmo a sepse, infecção generalizada capaz de matar. “A morte não é comum, mas pode ocorrer, e essas inflamações não tratadas podem acarretar na mudança padrão de sangramento da mulher”, detalha Dra. Mayna.
Já o psiquiatra e professor de medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fábio Gomes de Matos, aponta que o emocional das mulheres, já afetado pelo período da menstruação, pode se intensificar com a falta dos equipamentos de higiene, como absorvente.
A principal vantagem de usar um absorvente limpo é ter a certeza de que não vai ser um meio de transmissão para você. A garantia disso, dessa não infecção, diminui muito a ansiedade das mulheres.
Rede de apoio entre mulheres
Com o aumento do preço desses produtos, Márcia tem contado com a ajuda de colegas nos momentos em que falta absorvente. “Tem muita gente que não tem condição, precisa cortar blusas e ficar usando como absorvente”, detalha Márcia, que atuava na área de limpeza da construção civil antes da pandemia.
Ficou mais difícil durante a pandemia, até conseguir trabalho. A gente recebe o auxílio, mas é uma coisa que você pega e já tem que fazer muitas coisas. Você não vai deixar de se alimentar para comprar absorvente.
Às vezes, mesmo quando consegue comprar um absorvente de marca mais acessível, relata que algumas mulheres apresentam alergias. “Eu mesma, uma vez em que comprei um, usei e senti como se estivesse esquentando, por conta da alergia”, detalha. .
Quando pode, Márcia também contribui para a rede de apoio. “Tem muita gente que necessita e que precisa, aí eu pego e dou. Mesmo eu estando precisando, pego e dou para pessoas que eu acho que precisa mais”, finaliza.
Menstruação em idade escolar
O relatório “Livre para Menstruar” detalha que quase 7,5 milhões de meninas estão em idade escolar. Cerca de 90% delas frequentam a rede pública de ensino. Além disso, coloca que quase 3% das alunas estudam em escolas que não têm banheiro em condições de uso, representando 213 mil alunas.
Essa deficiência em escolas públicas pode resultar na grande evasão durante esse período, aponta a ginecologista Mayna Moura. “Quando sabem que na escola não tem esse acesso, muitas vezes preferem não ir para não se sujarem ou ficarem muito tempo sem se higienizar”, percebe.
No caso das meninas que faltam às aulas durante o período menstrual, o Dr. Fábio percebe ser papel da escola se inserir dentro desse contexto social e econômico, garantindo o auxílio às jovens.
A escola tem que ser proativa, tem que ter uma conexão com posto de saúde para que disponibilize o absorvente às meninas e adolescentes, não pode ser um ente isolado dentro da comunidade.
Redução no índice de felicidade
Ao encarar a pobreza menstrual como uma privação de liberdade substantiva na perspectiva do economista e filósofo indiano Amartya Sen, a pesquisadora do Laboratório da Pobreza (LEP), Lilian Lopes Ribeiro, conclui que as mulheres privadas do direito à higiene menstrual costumam ser, em média, mais infelizes.
Podemos afirmar que a pobreza menstrual, além de causar os já esperados impactos negativos na escola; no trabalho e na sociabilidade dessas mulheres, impacta também no nível de felicidade das mesmas.
Conforme observa a professora do curso de Economia da UFC, do campus de Sobral, os pesquisas empíricos demonstram que pessoas privadas de tal liberdade tendem a ter um nível de felicidade mais baixo comparado àquelas que não sofrem de tal privação.
Iniciativas de combate à pobreza menstrual
Considerando a demanda de produtos de higiene por parte das mulheres em situação de vulnerabilidade, projetos e campanhas organizam arrecadação de absorventes e dinheiro para conseguir doar absorventes e sabonetes. Confira algumas iniciativas que buscam garantir dignidade menstrual no Ceará.
Projeto Deixa Fluir
Atuante em Fortaleza, o projeto Deixa Fluir, criado em março deste ano por um grupo de amigas, arrecada absorventes e doações em dinheiro, que são revertidas na compra dos produtos buscados. A partir disso, fazem o repasse para instituições que entregam os kits diretamente às mulheres, explica a estudante de psicologia Isabela Gurgel, 20 anos.
Dentre as parcerias está: Amembem, que oferece apoio a moradores de rua; o projeto Cuida, que trabalha com redução de danos em contextos de prostituição e outras instituições, como o Lar Santa Mônica, que acolhe meninas em situação de vunerabilidade e violência.
Para doar: a chave do pix é projeto.deixafluir@gmail.com
Mais informações: @projetodeixafluir
Projeto Florescer
O Projeto Florescer, atuante desde 2019 em Fortaleza, já doou cerca de 500 kits para mulheres de bairros como Centro e Barra do Ceará, aponta uma das fundadoras do projeto, Ágata Cabral.
Muitas mulheres não têm acesso a produtos de higiene pessoal e elas chegam até a morrer por conta disso. A gente tenta fazer o mínimo, que é usar nossa voz, nossa plataforma do instagram, doar e fazer alguma coisa acerca de tudo que acontece.
Os kits incluem um pacote de absorvente, rolo de papel higiênico e sabonete. Quando as doações aumentam, conseguem incluir calcinhas e até lenços umedecidos. “Então acredito que o impacto do projeto é muito maior do que a gente imagina, mesmo que seja pequenos passos”, conclui ao considerar o cenário em que o projeto atua.
Para doar: a chave do pix é floresceracadadia@gmail.com
Mais informações: @floresceracadadia
Campanha Dignidade Menstrual
A campanha Dignidade Menstrual, iniciada dia 18 de junho deste ano, tem como objetivo arrecadar absorventes descartáveis e converter em doações às mulheres em situação de extrema vulnerabilidade social no município de Russas.
Através das redes sociais dos projetos, realizam campanhas de educação e conscientização sobre o tema pobreza menstrual a fim de desmistificar tabus envolvendo a menstruação, detalha a coordenadora do Projeto Filhas de Edwiges, professora Camila Lima Maia.
A ação foi organizada pelos projetos de extensão da UFC Filhas de Edwiges, Meninas Digitais do Vale e Mulheres de Aço.
Para doar: Os pontos de doações na cidade de Russas podem ser encontrados no supermercado Rabelo, supermercado Granjeiro, mercadinho Bibi, no bairro da Catumbela, SETAS (Secretaria do Trabalho e Assistência Social de Russas), campus da UFC em Russas e sede da ABRACE.
Mais informações para doação: @filhasdeedwiges e @mulheresdeacoufc