Nutricionista da periferia de Fortaleza divulga nutrição política, sem dietas e gentil na internet

Pabyle Flauzino, a nutri desconstruída, acredita que passar conteúdos científicos sobre nutrição de forma acessível é uma forma de responsabilidade social

Momentos antes da entrevista, ela fez uma enquete com seus seguidores para saber o que usaria na frente das câmeras. Com um senso de humor contagiante, Pabyle Flauzino usou essa caraterística para adaptar os conteúdos que aprendeu na graduação e no mestrado sobre Nutrição, fazendo com que ela virasse a Nutricionista Desconstruída no Instagram. A moradora de Canindezinho, tem mais de 70 mil seguidores que aprendem com ela sobre corpo, alimentação, ciência e autocuidado

A história da Nutri Desconstruída é contada na série de matérias que Diário do Nordeste publica sobre mercado de criadores de conteúdos e sobre influenciadores digitais da periferia de Fortaleza. Além deste, outros quatro perfis de influencers foram publicados, mostrando como eles chegaram ao sucesso nas redes sociais, sendo eles: Eclético, Yarley, Pobretion e Loma.

Pabyle começou fazendo vídeos no quarto para os amigos e conhecidos do bairro onde mora há 20 anos, mas logo passou a produzir conteúdo para desconhecidos também que começaram a segui-la na rede social. O número de seguidores começou a aumentar após ela publicar um vídeo em que criticava ideias pré-concebidas sobre o jeito certo de ser saudável.

"Eu publiquei um vídeo e deixei o celular de lado um pouco, e quando eu voltei, tinha mais de 100 notificações e o vídeo já tinha mais de 600 mil visualizações, então foi algo surpreendente", relata

Responsabilidade social

Uma preocupação de Pabyle é sobre o conteúdo que ela compartilha nas redes. Tudo o que ela posta,  advém de um embasamento teórico aprendido na Universidade Estadual do Ceará, local onde ela faz mestrado em nutrição e saúde. Os conhecimentos que ela adquire é destrinchado e e entregue para seus seguidores de uma forma mais didática.

Mas esse compromisso veio, não apenas pela sua formação superior, mas também pela responsabilidade social que ela reconhece possuir por ter acesso à educação, enquanto outras pessoas do seu bairro não.

 “Esse é um dos meus objetivos: facilitar o conteúdo. Trazer esse conteúdo acadêmico, principalmente para as pessoas do meu bairro e para as pessoas que não tem acesso ao muro da universidade. É isso que eu pretendo fazer com a rede social, trazer informação de qualidade científica de forma acessível, porque não adianta falar de alimentação e nutrição de uma forma que não seja compreensível para quem mais precisa”.
Nutri Desconstruída

 

Desconstruindo a alimentação

"Minha comida favorita é bolo", ela declara animada. Mas embora ela tenha tido boas memórias com a comida, principalmente em reuniões de família, ela admite que já se submeteu a dietas restritivas com o intuito de emagrecer, mesmo tendo um corpo dentro do padrão. "Eu lembro que esse momento da minha vida foi muito frustrante. Eu só pensava em comida, eu só queria comer", compartilha.

Ela também acredita, com base em leituras, que essa fixação da sociedade em obrigar as mulheres a adotarem a concepção do corpo ideal é uma forma de silenciamento político e social. Pois essa busca incessante por este objetivo - que nunca vai ser realizado pois não existe o corpo perfeito - provoca uma alienação, "As mulheres só fazem isso, só pensam nisso [no corpo ideal]". 

"Como nutricionista, eu decidi que não ia trabalhar com dietas restritivas e iria incentivar um comportamento alimentar mais saudável para as mulheres, para honrar esses corpos, seja qual for o tamanho, as formas, a cor desses corpos, e que a comida funcionasse como uma fonte de prazer, porque todas as nossas relações têm que ser prazerosas, inclusive a com a comida", detalha.

Outro ponto que Pabyle discute é os discursos acerca da alimentação e exercícios, que acabam sendo gordofóbicos e estigmatizantes. Segundo ela, nas redes sociais é mostrado que alimentação e exercício é algo de cunho individual, que qualquer um pode fazer, mas ela, por ter conhecimento da realidade de seu bairro, sabe que isso não é verdade.

"Por exemplo, existe a realidade do meu bairro. As pessoas não conseguem fazer atividades físicas porque passam muito tempo em locomoção, no trajeto casa-trabalho, e quando chegam em casa estão exaustas. Então eu vejo que não é questão da força de vontade. Isso elas têm”
Nutri Desconstruída

Ética e internet

Embora não consiga ainda se manter por meio da internet, ela relata já ter recebido ‘mimos’ (presentes enviados seja com cunho publicitário ou não). No entanto, ela não pode publicizar esses presentes, pois o código de ética da nutrição não permite que a imagem destes profissionais esteja associando às indústrias de alimentos, sendo a principal categoria de mimo que ela.

“Produzir o conteúdo que eu produzo é ir à contramão da mídia hegemônica. Porque eu só consigo falar sobre isso nas redes sociais. Trazer esse conteúdo mais espontâneo é uma forma de conectar mais pessoas, porque eu acredito que essa é a forma que a nutrição deve ser mostrada", finaliza.