A produção do conhecimento científico ainda é restrita e desigual, excluindo diversos grupos - inclusive as mulheres. Pessoas do gênero feminino, apesar de terem conquistado mais espaço na academia, ainda esbarram em mais obstáculos do que homens para se manter nas áreas escolhidas de pesquisa. Mesmo assim, mulheres continuam reivindicando suas carreiras como cientistas para moldar o mundo e incluir suas perspectivas.
No dia 11 de fevereiro, é comemorado o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. A data é promovida pela Unesco e pela ONU Mulheres como um esforço para incentivar a igualdade de gênero no campo científico. Em comemoração, o Diário do Nordeste conta a história de três cientistas que impactam a produção de conhecimento em suas áreas de pesquisa.
Ser cientista
O que é preciso para ser cientista? Para Cristiane Sousa da Silva, educadora física e doutora em Educação Brasileira, ser cientista requer uma vontade de transformar a sociedade. Foi por essa necessidade de impactar os arredores com suas perspectivas que Cristiane virou pesquisadora. Contradizendo crenças do ambiente acadêmico, a professora levou para o seu trabalho a ideia de que conhecimento pode ser produzido em qualquer lugar, por qualquer pessoa.
Formada em educação física, apenas no mestrado Cristiane conseguiu encontrar o tema de pesquisa que levaria para toda a carreira: a educação antirracista. Em sua tese de doutorado, a professora promoveu a troca de conhecimentos entre alunos de uma faculdade particular de Quixadá e a comunidade do Quilombo Sítio Veigas, também localizado na cidade. A produção de trabalhos de conclusão de curso com temática étnico-racial, que antes não existia na instituição, ganhou mais de 10 novas monografias.
O impacto também foi sentido na comunidade, que agora tem diversos alunos em universidades federais. “Ver adolescentes que estavam lá em 2015 ainda no ensino médio e que hoje estão na Unilab, ocupando espaços da academia, pra mim é muito importante”. Com o intuito de continuar incentivando jovens, principalmente meninas negras, a seguir produzindo conteúdo científico, a professora mantém o projeto acadêmico “E não sou eu uma cientista?”, por meio do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) do Instituto Federal do Ceará (IFCE).
Por meio do projeto, ela incentiva alunas a resgatar a história de mulheres negras que deixaram legados importantes nas ciências e tecnologias. A ideia do projeto é “fazer com que essas meninas do ensino médio possam olhar positivamente para essas representações”, segundo Cristiane. Ela procura apresentar cientistas de diversas áreas do conhecimento e de diferentes territórios e culturas, quebrando o paradigma da hegemonia da representatividade de pessoas brancas e europeias como detentoras do saber.
“Mulheres negras nas ciências e tecnologias são fundamentais para que se tenha um outro olhar e para que traga um outro aprendizado. Para que as pessoas possam entender que existe uma outra produção de conhecimento”, diz.
“É complicado você tentar sobreviver numa área em que 97% dos colegas são homens. Mas se você tem um incentivo, você pensa duas vezes antes de descartar essa área”, diz Hilma de Vasconcelos, professora do Departamento de Engenharia de Teleinformática da UFC. Em 2017, a cientista conseguiu uma bolsa de estudos internacional da fundação Faculty For The Future, concedida apenas para cientistas mulheres, para estudar computação quântica na Universidade do estado de Colorado, nos Estados Unidos.
Junto à equipe da universidade e ao professor David Wineland, premiado com o Nobel da Física em 2012, Hilma conseguiu publicar um artigo na prestigiada revista Science com um experimento que busca melhorar o transporte de informações em computadores quânticos. Ela relata a importância da bolsa para sua carreira e compartilha o desejo de que as agências de fomento à pesquisa brasileiras também façam editais específicos para mulheres cientistas, já que estas têm mais dificuldades para conseguir incentivos do que pesquisadores homens.
“Sempre falo para minhas alunas que elas são poucas, que vão passar por dificuldades, mas que aquilo dali faz com que elas sejam profissionais muito mais fortes”, afirma. Assim como a professora de Física que a inspirou a escolher a carreira na ciência ainda no ensino médio, Hilma de Vasconcelos tenta mostrar caminhos para que suas alunas não desistam da carreira na área de STEM (sigla em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática).
Hilma defende que mulheres sempre deram grandes resultados na área da ciência, mas os “holofotes” continuam em cientistas homens, fazendo com que o legado deixados pelas cientistas seja desconhecido. “O impacto das mulheres na área de ciência e tecnologia é muito grande, só precisa ser maior”.
Linha de frente
A médica Sandra Falcão, coordenadora da unidade de pesquisa clínica do Hospital de Messejana, viu a necessidade de mudar o foco dos estudos durante a pandemia. Geralmente voltados para problemas no sistema cardiovascular e respiratório, as pesquisas da equipe precisaram ser direcionadas ao tratamento de pacientes com Covid-19.
A pesquisa feita no Hospital para avaliar a efetividade de medicamentos contra o coronavírus foi publicada em um dos principais periódicos científicos do mundo, o The Lancet.
“Nesse momento de pandemia, principalmente no começo, que se sabia menos ainda do que a gente sabe hoje em dia sobre a doença, era essencial que se houvessem pesquisas que pudessem dar um norteamento melhor sobre como conduzir os pacientes”, afirma a médica.
Não olhar apenas para a doença e procurar soluções que englobam integralmente o problema, para Sandra, é um dos grandes legados de mulheres na sua área de pesquisa. A visão “global” das questões da pandemia, que envolvem o bem estar físico e mental do paciente, traz ganhos para a pesquisa clínica. Para ela, mulheres cientistas são mais capazes de pensar dessa forma e, por isso, trazem uma perspectiva mais diversificada para os estudos.