O avanço da epidemia do novo coronavírus no Ceará chegou a mais um marco preocupante e, sobretudo, pesaroso: mais de mil mortes pela Covid-19 foram registradas no Estado. Até as 17h08 desse sábado (9), a soma chegava a 1.062 óbitos. No mesmo dia, conforme os dados da plataforma IntegraSUS, da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), foram contabilizados 15.879 casos confirmados da doença.
Em gráficos que traçam a curva da epidemia, as mortes preocupam. Para além dos quatro dígitos, dentro do lar de cada família que perdeu uma vida, ou mais, para a Covid-19, o medo dá lugar à dor, que se agrega a uma rotina que já não era a mesma — e agora, nunca mais será.“Ainda não deu tempo de processar o que aconteceu”, revela Edson Cândido, 44. Ele acompanhou de perto cada etapa que o primo Wilmerson Cândido viveu com a doença. “Ele tinha 45 anos, tava com pressão alta, acima do peso e teve muita complicação quando foi ser entubado”, conta. Wilmerson foi atendido em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Fortaleza, onde faleceu no dia 2 de maio.
A despedida do primo não trouxe nenhum consolo. O processo, então, rápido demais: Edson chegou à unidade, assinou um documento e reconheceu o corpo de Wilmerson. Pouco tempo depois, já estava no cemitério. “Era eu, meu primo e o coveiro. Não teve direito a uma vela, uma flor, ligar pra alguém, nada. É muito cruel o sepultamento de uma pessoa que faleceu por conta da Covid-19”, lembra.
Edson relata que o luto ainda não pôde ser vivido pela família, cujos olhares se voltam para Maria Arlete Cândido, de 77 anos, mãe de Wilmerson. Ela também esteve internada após receber o diagnóstico da infecção, mas recebeu alta na última quarta-feira (6), no Hospital do Coração. Arlete passou 30 horas à espera de uma vaga para internação e, embora ainda não tenha sido considerada curada, continua tomando medicações e se recuperando em casa.
“Ontem, eu estava chorando muito. A ficha tá caindo aos poucos. Minha tia está ficando boa, graças a Deus, mas aí vem a memória do meu primo. Meus primos também choram, mas escondidos. Agora tem ainda mais essa preocupação, além da saúde, que é como ela vai receber essa notícia”, lamenta Edson.
‘Processo doloroso’
Enquanto o impacto da perda surpreende dezenas de famílias por dia, é realidade conhecida para outras. Faz mais de um mês que o luto acompanha os parentes de José Maria Dutra. Aos 72 anos, ele foi o primeiro paciente a morrer por Covid-19 no Ceará, no dia 25 de março. “Eu não tinha notícias dele. Avisam por boletim, mas a gente não sabia como ele tava se sentindo, não podia ver. Foi horrível”, conta Gorete Dutra, 63, viúva de José Maria. “Eu passava mal, achava que ia morrer. Mas era psicológico. Se eu visse qualquer coisa sobre isso, as pessoas que morriam, eu me sentia mal. Hoje, o que me dá força sãos os meus filhos. Mas não tá tudo bem”, lamenta.
Paralelamente à morte do marido, Gorete teve que permanecer isolada por 14 dias como medida de prevenção. Depois, recebeu o resultado negativo do teste para o coronavírus. Agora, continua cumprindo o distanciamento, porém, morando com outros familiares em uma casa.
“É um processo doloroso, complicado. Estamos tendo esse momento juntos pela primeira vez, esse contato, e o sentimento aflora. Vêm as lembranças dele, do dia que aconteceu. É como se tivesse acontecido agora”, relata Amilton Dourado, 50, genro de Gorete. Segundo ele, somente nesta semana, a família soube que José estava lúcido em seus últimos dias, apesar do estado grave em que se encontrava por causa da doença.
Para ele, o contato com a família, ainda que à distância, por videochamadas, é o que ajuda a passar pelo momento de dificuldade. “Depois que esse período passar, vai ser esse contato físico que vai confortar. Isso é muito importante. Só depois que esse distanciamento passar que vamos poder começar a superar de verdade”, diz Amilton.
Perfil
O número elevado de óbitos já estava previsto conforme as projeções feitas pela Secretaria da Saúde. De acordo com Magda Almeida, secretária executiva de Vigilância e Regulação da Sesa. Segundo ela, a expectativa é de que a doença não chegue a um pico no Estado, e sim a um “platô”, e se mantenha dessa forma por algum tempo. Ela afirma, ainda, que as medidas mais rígidas de isolamento adotadas nesta semana só surtirão efeito sobre os registros da Covid-19 daqui a 15 dias.
“A gente precisa ver a adesão da população a essas medidas, como isso realmente vai funcionar, e uma coisa que a gente tem que levar em conta no Ceará é que a dinâmica da epidemia é heterogênea. Ela acontece de uma maneira em Fortaleza, mas no interior está acontecendo de outra, um pouco mais lenta”, avalia. “A gente teve vários feriados em que a gente sabe que houve aglomeração de pessoas, e isso pode ter desencadeado esse pico agora de internação e de óbitos”, afirma a secretária executiva.
No Ceará, o perfil mais frequente das mortes causadas pela Covid-19 é de pacientes do sexo masculino, com 80 anos de idade ou mais. Ainda de acordo com a plataforma IntegraSUS, Fortaleza se mantém como o município com maior número de mortes, sendo 809, ao todo. A taxa de letalidade da se mantém em 6,7% desde a sexta-feira (8). Outros 332 óbitos suspeitos estão sendo investigados, e 41.886 exames para testagem da doença já foram realizados.
Nesse sábado (9), a Secretaria da Saúde passou a divulgar também o número de pacientes recuperados em todo o Estado do Ceará. Conforme a Pasta, há 7.173 casos recuperados, sendo 6.107 deles considerados curados e 1.066 com alta definida.