Do início da pandemia de Covid-19 em Fortaleza até a última sexta-feira (5), morreram só no Grande Bom Jardim — que, além do Bom Jardim, abrange os bairros Siqueira, Granja Lisboa, Granja Portugal e Canindezinho — 378 pessoas infectadas com o novo coronavírus.
O número, que consta no último boletim epidemiológico divulgado pela Prefeitura da Capital, é maior do que o acumulado de óbitos em grandes centros urbanos do Ceará e com população estimada semelhante à do Grande Bom Jardim, como as cidades de Juazeiro do Norte (357), Sobral (357) e Maracanaú (302), segundo dados do IntegraSUS até 8h53 deste domingo (7).
O alto nível de mortalidade no Grande Bom Jardim mobilizou moradores a, ainda no ano passado, na primeira onda da pandemia, criar o Comitê Popular de Enfrentamento à Covid-19 para cobrar do poder público estratégias específicas e contextualizadas à realidade da periferia, que difere em muitos aspectos das áreas nobres da Cidade.
“Não dá para conceber uma política de saúde homogênea para uma cidade que é desigual”, avalia Adriano Almeida, sociólogo e integrante do comitê popular.
Logo no início da pandemia, lembra o sociólogo, “os dados [epidemiológicos] apontavam que a tendência seria de as periferias terem mais evolução para óbitos do que nas áreas nobres, onde o atendimento [à saúde] e a qualidade de vida dos moradores era melhor”.
Isso porque, além de, nessas regiões, o acesso a serviços de saúde ser mais restrito e as condições de moradia serem mais precárias, as periferias concentram uma grande fatia de pessoas com comorbidades — o que agrava a infecção — e têm dinâmicas culturais que dificultam o cumprimento das medidas de isolamento social.
“Nossa preocupação é que, agora na segunda onda, com cargas virais mais altas e variantes mais contagiosas, o impacto disso na periferia seja muito maior do que já está. Nosso clamor e nosso alerta é para pautar essa nossa leitura de cidade na agenda epidemiológica da SMS (Secretaria Municipal da Saúde)”, disse Adriano.
Reuniões virtuais
Nesta segunda-feira (8), o comitê deve se reunir virtualmente com pastas do poder público municipal e estadual para dialogar sobre assuntos como testagem em massa para diagnóstico precoce, organização do fluxo de assistência e melhoria da estratégia vacinal.
Sobre a última questão, Adriano argumenta que o Brasil é reconhecido mundialmente pela agilidade e eficácia das campanhas de imunização e que organizar esquemas de vacinação por sites ou aplicativos para smartphone e aplicar por drive-thru segrega ainda mais a periferia da região nobre, além de que subutiliza equipes de Saúde da Família dos postos. “É um processo de vacinação muito injusto, desigual, lento. Não é efetivo”, opina o sociólogo.
Contudo, segundo Adriano, o diálogo com a Prefeitura, que se intensificou na semana passada, tem resultado em mudanças como uma busca ativa maior por idosos com pendências vacinais e de pessoas que passaram pelos postos de saúde com sintomas de síndrome gripal.
Com a permanência desse diálogo, o representante comunitário espera envolver outras associações de bairro e criar um grupo de trabalho intersetorial e participativo, “que tenha ações tanto urgentes, emergenciais, como de médio e longo prazo, porque a gente precisa interferir em práticas comportamentais, lógicas culturais. E, quanto maior o engajamento do poder público, mais efetivo vai ser [esse trabalho]”, acredita.
O Diário do Nordeste procurou a SMS para confirmar a participação da pasta no encontro virtual com o comitê do Grande Bom Jardim e saber se a Prefeitura prevê a montagem de grupo de trabalho para desenhar estratégias específicas de enfrentamento à pandemia na periferia, mas, até o fechamento desta matéria, não obteve retorno.
Óbitos no Grande Bom Jardim
Veja o número de óbitos por bairro do Grande Bom Jardim, segundo o boletim epidemiológico divulgado pela Prefeitura sexta-feira (5):
- Bom Jardim - 79 óbitos
- Siqueira - 56 óbitos
- Canindezinho - 57 óbitos
- Granja Lisboa - 115 óbitos
- Granja Portugal - 71 óbitos