O estudante Sâmulo Oliveira Mendonça, 27, viveu momentos de alegria ao saber da aprovação em medicina pelo sistema de cotas da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Apesar do êxtase da notícia, a matrícula não pôde ser efetivada. O cearense não foi considerado pardo pela Comissão de Heteroidentificação da instituição.
A Comissão foi criada com o objetivo de evitar fraudes e considera características fenotípicas do candidato entre os critérios para admitir a aprovação dos estudantes.
Abalado, o cearense recorreu da decisão. Mesmo com o recurso administrativo, a Banca Recursal também não validou a autodeclaração do estudante.
Sâmulo tenta reverter a situação com ajuda de um advogado que entrou com um processo judicial.
Em nota pública, a Universidade disse "não ter conhecimento de qualquer reprovação injusta. No caso específico do concurso vestibular 2021.1, todas as solicitações recursais foram atendidas e os candidatos recorrentes reavaliados por nova comissão de heteroidentificação".
Reconhecimento como pardo na UFC
Antes de sonhar com o curso de medicina, Sâmulo estudou e conseguiu passar no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como cotista pardo. Ele iniciou o curso de engenharia elétrica pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Sâmulo cursou engenharia elétrica por cerca de um ano. Não feliz na carreira, por saber do gosto pela área da saúde, seguiu com os estudos para tentar novamente o vestibular da Uece e também o Enem.
O estudante sonha começar o curso na Uece ainda este ano. "Desistir do meu sonho não passa na minha cabeça", ressalta ele. Sem condições financeiras para pagar uma faculdade de medicina privada, mesmo com programas como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o jovem diz que a saída é seguir com os estudos para uma nova tentativa.
O cearense também se inscreveu novamente no Enem, neste ano.
Inspiração em casa
Foi em casa que Sâmulo começou a olhar pela área da saúde como carreira para seguir profissionalmente. A mãe é técnica de enfermagem, o pai é caminhoneiro. Nascido e criado no bairro Pirambu, eles moram atualmente no município de Horizonte, Região Metropolitana de Fortaleza.
"Eu cresci vendo minha mãe trabalhando em hospitais. Ele trabalha muito tempo com UTI. A minha maior inspiração é ela. Ele sempre também fez ações sociais no nosso bairro por meio da Igreja católica. Isso me inspirou tanto. Poucas pessoas fazem o mesmo. Isso sempre me marcou e disse para mim que queria seguir o mesmo", destaca Sâmulo.
Atualmente, Sâmulo mora com os pais. No meio da pandemia do coronavírus, o pai de Sâmulo ficou desempregado. Com moradia de aluguel na Capital, eles precisaram se mudar devido aos altos custos do período.
Confira a nota da Uece na íntegra:
A Universidade Estadual do Ceará (UECE) visa, em primeiro lugar, garantir que grupos historicamente discriminados e com pouco acesso ao ensino superior ampliem o seu ingresso no ensino público, gratuito e de qualidade, tomando como princípio o entendimento já exarado pelo Supremo Tribunal Federal via análise fenotípica (mesma análise considerada na Resolução Nº 1657/CONSU). E, em segundo lugar, a instalação das comissões de heteroidentificação na UECE busca coibir eventuais fraudes no ingresso de estudantes nos cursos de graduação por meio de cotas raciais. Todo esse processo é regulado pela Resolução Nº 1657/CONSU, de 1º de abril de 2021.
Assim, conforme se depreende da normativa mencionada todos os candidatos não só ao vestibular, mas a qualquer seleção ou concurso onde sejam ofertadas vagas para cotas étnico-raciais deverão passar pelas comissões de heteroidentificação constituídas para esse fim, conforme Portaria Normativa 04/2018 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão/Secretaria de Gestão de Pessoas – MPOG.
Essas comissões são constituídas por pessoas capacitadas de acordo com artigo Art. 6º “O procedimento de heteroidentificação será realizado por comissão criada especificamente para este fim.”
Em seu § 1º A comissão de heteroidentificação será constituída por cidadãos: III ‐ que tenham participado de oficina sobre a temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo com base em conteúdo disponibilizado pelo órgão responsável pela promoção da igualdade étnica previsto no § 1º do art. 49 da Lei n° 12.288, de 20 de julho de 2010; e IV ‐ preferencialmente experientes na temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo” da referida Portaria Normativa.
O artigo 9º informa que a Comissão de Heteroidentificação da UECE, nos processos de verificação e de validação de que trata esta Resolução, considerará:
I. o teor da autodeclaração assinada e entregue pelo candidato por ocasião de sua inscrição;
II. a análise de documentos complementares solicitados pela CHET/UECE;
III. as características fenotípicas do candidato, observadas durante procedimentos conduzidos e registrados pela Comissão de Heteroidentificação.
1º. O critério de ancestralidade/ascendência não será considerado em nenhuma das situações expressas nos incisos I, II e III deste artigo.
A comissão avaliadora foi composta por 3 integrantes, sendo 2 docentes da UECE e 1 representante da comunidade externa vinculados a outras instituições de ensino superior e/ou a organizações sociais. Todos os membros avaliadores participaram de treinamento, além de já serem estudiosos da área.
Por fim, todos os candidatos submetidos à Comissão que tiveram classificação como “Não cotista” tiveram prazo para interposição de recurso, possibilitando a esses candidatos uma nova avaliação. Não temos conhecimento de qualquer reprovação injusta. No caso especifico do concurso vestibular 2021.1, todas as solicitações recursais foram atendidas e os candidatos recorrentes reavaliados por nova comissão de heteroidentificação.