A região litorânea de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, deve receber 11 espigões nos próximos anos para conter o avanço do mar, diante da degradação da faixa de praia desde o início dos anos 2000. Em Fortaleza, a construção do primeiro espigão data da década de 1940 e, hoje, há pelo menos 16 estruturas do tipo.
Os processos de desgaste na costa de Fortaleza começaram após a implantação do Porto do Mucuripe, em 1945 - num contexto de grande crescimento demográfico e econômico -, que alterou o fluxo sedimentar marinho.
As informações são de um parecer técnico, de 2018, do Laboratório de Gestão Integrada da Zona Costeira (LAGIZC), da Universidade Estadual do Ceará (Uece), bem como de artigos e dissertações de geógrafos e cientistas do mar cearenses nos últimos 20 anos.
Historicamente, os especialistas descrevem que os sedimentos transportados pelas ondas se acumulam de um lado do espigão, mas causam erosão no outro. Ou seja, com o tempo, a areia que antes se depositava na costa, impedindo que o mar avançasse, diminuiu, deixando mais áreas descobertas.
Para o início da construção do Porto, lembram os pesquisadores, houve a remoção de dunas, o aplainamento e a descaracterização da faixa praia, a instalação de moradias e um grande movimento de navios, fatores que contribuíram para a erosão litorânea.
de praias em Fortaleza e em Caucaia sofreram processos erosivos após a instalação do Porto do Mucuripe, conforme o estudo da Uece.
O primeiro espigão (molhe) da Capital foi instalado durante a construção do Porto, causando a primeira interferência na dinâmica costeira. O segundo foi construído na praia do Titanzinho, em 1963, para resolver problemas causados pelo pioneiro e resguardar a área do Porto - mas é apontado pelo parecer da Uece como um erro “gravíssimo”.
Quanto maior for o molhe do Titanzinho, maior será sua área de barramento da corrente de deriva litorânea e mais sedimentos ele reterá. O assoreamento (acúmulo) provoca o aumento da Praia do Serviluz que, à medida que aumenta sua área, vai sendo ocupada pela população de baixa renda em uma urbanização desordenada, sem as mínimas estruturas urbanas necessárias. Parecer técnico da Uece
Outro espigão costeiro foi instalado na Praia de Iracema, em 1969, mas começou a “empurrar” a erosão em direção à Barra do Ceará. Por isso, nas décadas seguintes, foram construídas mais 14 estruturas. Em 2000, foi entregue o da Avenida Rui Barbosa. O mais recente é o do Náutico, concluído em 2016.
Todos eles tinham como meta proteger o litoral do processo erosivo, mas tiveram como principal impacto negativo a transferência do problema para as praias a oeste, sobretudo em Caucaia. Em resumo, os sedimentos que deveriam “proteger” a área ficaram acumulados em Fortaleza.
Caucaia perde 5 metros de faixa de areia por ano
O doutor em Ciências do Mar e do Ambiente, Davis Pereira de Paula, professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Uece, considera como uma conquista as construções em Caucaia, mas também destaca que as consequências devem ser previamente pensadas.
Segundo ele, há mais de 30 anos os moradores da região clamam pela assistência do poder público sofrendo com o declínio do turismo: “É como se perdesse cinco metros de faixa de praia por ano pelo avanço”.
Essas medidas de proteção são urgentes pela perda de terra, identidade, receita. Não existe intervenção de espigão, colocação de pedras, sem consequência socioambiental. O próprio litoral de Caucaia é um exemplo, mas estamos falando de algo desencadeado no século passado, sem tecnologia e estudos mais apurados"
Davis ressalta que "é uma certeza que os impactos vão ocorrer".
"A areia vai abastecer alguma praia. Pontualmente vai resolver, vai trazer mais segurança e desenvolvimento de atividades. Hoje com a tecnologia de modelagem de cenários futuros, se consegue atenuar muitas questões. Para isso precisa partir de estudos sérios que considerem toda essa questão, como a subida do nível do mar por causa das mudanças climáticas”, pondera o especialista.
Tentativas de evitar a erosão em Caucaia
Nesta sexta-feira (22), o Governo do Estado e a Prefeitura Municipal de Caucaia assinaram um convênio para a construção de 11 espigões na orla e, assim, buscar a restauração costeira. Ao todo, devem ser investidos R$ 174 milhões.
A primeira etapa, ao custo de R$ 44 milhões, inclui três espigões no bairro Icaraí, um dos principais polos turísticos do município e o que mais sofre com o avanço do mar.
Em 2018, a gestão do então prefeito Naumi Amorim já havia buscado recursos federais para a construção de três espigões na área.
No ano anterior, o município investiu cerca de R$ 4,5 milhões na implantação e manutenção de um muro de contenção, o chamado Bag Wall, para proteger a orla. Mas, de acordo com a Prefeitura, à época, o equipamento era “um paliativo, não é uma solução definitiva”.
Porém, há projetos sobre a construção de um espigão no município em datas anteriores. Em 2005, a Prefeitura enviou uma proposta ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) para a implantação de um equipamento paralelo ao mar, a cerca de 150 metros da faixa de praia.
Sem solução imediata, as sucessivas gestões do município precisaram investir em obras mais urgentes, como os dissipadores de energia tipo Bag Wall, em formato de escadaria. Porém, as estruturas continuam sendo destruídas por ressacas do mar.
Para Davis de Paula, é tempo de realizar as alterações necessárias na fase de licenciamento ambiental, que deve ser conduzida com clareza e responsabilidade. “É possível simular possíveis problemas. Há risco? Sempre vai haver, mas ele pode ser minimizado”.