Escavações de obras no Centro revelam 4 sítios arqueológicos com materiais históricos em Fortaleza

Achados incluem fragmentos de cerâmica, vidros, e até um canhão, e estão em análise em laboratório. Eles ajudam a identificar a ocupação da Capital

Escavações feitas, no segundo semestre de 2021, em canteiros de obras no Centro de Fortaleza, trouxeram à tona pedaços da história da cidade. Cerâmicas, garrafas de grés (usadas para armazenar e transportar líquidos), faianças (espécie de cerâmica branca), vidros, e até um canhão, foram revelados em 4 pontos distintos nos trabalhos da Linha Leste do Metrofor, e na intervenção da Estação das Artes, próxima à Praça da Estação e à Estação Ferroviária.

As descobertas foram reconhecidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Ceará (Iphan) como sítios arqueológicos

Os fragmentos dos objetos que, em análise inicial, remetem aos séculos 18, 19 e 20, e são vestígios materiais dos antepassados que ocuparam essas áreas, estão, agora, em análise em um laboratório da empresa ARC Soluções em Arqueologia LTDA. A instituição foi contratada pelas empresas responsáveis pela execução das obras públicas para fazer o acompanhamento arqueológico das intervenções.  

No laboratório, é feita, dentre outras ações, a datação (definição da “idade”) desses fragmentos.

Ao serem finalizados os procedimentos de higienização, numeração e registro, os artefatos serão enviados a alguma instituição de guarda - aprovada pelo Iphan - como um museu, uma universidade ou um instituto cultural, para que fiquem preservados, conforme estabelece a legislação brasileira. 

O local que irá abrigar os objetos, conforme o coordenador de gestão do Programa de Acompanhamento Arqueológico da Linha Leste e da Estação das Artes, da empresa ARC Soluções em Arqueologia, Luís Mafrense, ainda deverá ser escolhido.

Com as recentes descobertas, o Centro de Fortaleza passou a ter 5 sítios arqueológicos registrados, segundo o superintendente do Iphan-CE, o geógrafo Cândido Henrique Aguiar Bezerra. 

Antes desses achados, a Igreja do Rosário, templo religioso datado em 1753, já constava como sítio arqueológico no Centro. Em uma obra de restauração iniciada em 2000, de acordo com o Iphan, foram exumados esqueletos, além de fragmentos de faiança fina inglesa e portuguesa, garrafas de grés e utensílios religiosos do local.

Confira as descobertas no Centro 
 

  • Sítio Justiniano de Serpa/Imaculada Conceição

Local: Praça do colégio Justiniano de Serpa (cujo nome oficial é Figueira de Melo), margeando a Rua 25 de Março.
Material encontrado: Fragmentos de faianças, vidros e cerâmicas com cronologia do século XIX e do XX.

  • Sítio Praça da Sé de Fortaleza

Local: Praça (cujo o nome oficial é Caio Prado) localizada em frente à Catedral de Fortaleza
Material encontrado: Materiais históricos dos séculos XVIII, XIX e do XX. São faianças portuguesas e inglesas, garrafas de grés, cerâmicas e vidros artesanais e industriais. 

  • Vala a Céu Aberto Chico da Silva/Moura Brasil

Local: Área próxima à estação Chico da Silva, vizinho ao bairro Moura Brasil
Material encontrado: Materiais históricos dos séculos XVIII, XIX e do XX. São faianças portuguesas e inglesas, garrafas de grés, cerâmicas e vidros artesanais e industriais dispersos ao longo da antiga linha férrea.

  • Sítio Estação Ferroviária João Felipe

Local: Estação Ferroviária e entorno
Material encontrado: Foram descobertos, durante as obras de restauro da Estação, mais um canhão (na década de 1970, outros 3 canhões dos séculos XVII e XVIII foram encontrados), fragmentos de garrafa de grés e de vidro, cerâmica e fragmentos de faiança de procedência inglesa.

Como ocorre o trabalho?
 

No Brasil, conforme as normas da legislação federal, as obras consideradas de média e alta interferência sobre as condições do solo, com grandes áreas de intervenção e nas quais a flexibilidade para alterações de localização seja muito limitada ou sequer existam, para serem executadas, precisam do Acompanhamento Arqueológico

Nesses casos, é imposta a produção de um Projeto de Avaliação de Impacto ao Patrimônio Arqueológico, que deve ser previamente autorizado pelo Iphan. Além disso, é obrigatória a presença de um arqueólogo no canteiro de obra. Ele é responsável pela gestão dos objetos que podem eventualmente serem descobertos durante a execução do empreendimento.

Nas intervenções no Centro, a da Linha Leste do Metrofor já tinha esse trabalho, relata Luís Mafrense, da empresa ARC Soluções em Arqueologia. A da Estação das Artes, devido às características da intervenção, não. Mas, após o achado de um canhão no local, e uma perícia, em agosto de 2021, o Iphan recomendou que passasse a ter. 

“A partir daí, o Iphan entrou no processo da obra, no sentido de provocar o Governo Estado para que ele contratasse uma empresa especializada para fazer o acompanhamento arqueológico. Toda obra que tem uma relação que necessite fazer escavações, que envolva movimentação de terras e solos ou está nas proximidades de sítio arqueológico, é necessário uma equipe de arqueólogos”.
Cândido Henrique
Superintendente do Iphan Ceará

Com o acompanhamento, o trabalho na Estação das Artes conta, além do coordenador, com 2 arqueólogos, 5 graduandos em História e 3 graduandos em Arqueologia, diz Luís. Já na Linha Leste, são o coordenador e 4 arqueólogos.

No caso desta obra, alguns artefatos foram encontrados, explica ele, em áreas (Praça da Sé e a do Colégio Justiniano) nas quais estão previstas a instalação de ventilação para o metrô

Em qual profundidade foram achados, e o que é feito com os fragmentos?
 

Quando um artefato é encontrado, segundo a legislação brasileira, é preciso parar a obra nas áreas onde for identificado o patrimônio arqueológico. Todas as descobertas, acrescenta o superintendente do Iphan no Ceará, Cândido Henrique, devem ser comunicadas imediatamente ao órgão. 

Ao serem retirados do solo, os fragmentos são colocados em sacos plásticos, etiquetados, catalogados e enviados a um laboratório. Compete à empresa contratada fazer os procedimentos. Todo o material recolhido pertence à União. 

"Na Linha Leste, até então, não tinham sido realizadas atividades (relacionadas à arqueologia) de maior intervenção, porque eles tinham começado à priori a escavação com tuneladoras, aquela parte mais submersa e que não é possível o acompanhamento arqueológico, uma vez que ele fica em um profundidade bem maior do que a cota que é interessante do ponto de vista arqueológico”. 
Luís Mafrense
Coordenador de gestão do Programa de Acompanhamento Arqueológico da Linha Leste e da Estação das Artes, da empresa ARC Soluções em Arqueologia

De acordo com Luís, determinadas profundidades são consideradas estéreis para o trabalho arqueológico, pois, “muito possivelmente o homem nem existia quando aquela área era superfície'', lembra ele, e acrescenta “são áreas bem mais antigas que a ocupação humana".

De acordo com ele, a profundidade na qual os fragmentos são encontrados varia muito. No caso dos achados no Centro, “eles aparecem até mais ou menos um metro e meio”, conta. Em algumas situações, ressalta Luís, também é feito o peneiramento da terra escavada e removida para avaliar se há material em meio a ela.  

Qual a importância de um sítio arqueológico?
 

A norma do Iphan que estabelece os procedimentos para a identificação e reconhecimento de sítios arqueológicos define que esses locais são aqueles onde se encontram “vestígios resultantes de atividades humanas, do período pré-colonial ou histórico, localizados em superfície, subsuperfície ou submersos, passível de contextualização arqueológica”.

O processo de identificação requer a delimitação, o georreferenciamento, a caracterização e a contextualização do sítio arqueológico. Os limites horizontais - que formam um polígono - são definidos pela área de dispersão dos vestígios arqueológicos. Em casos de artefatos nos quais não é possível fazer a contextualização, por não ter elementos que permitam fazê-la, eles são cadastrados como “bem arqueológico móvel”.

O superintende do Iphan no Ceará, Cândido Henrique, reforça que “quando não tem (nas obras) um acompanhamento próximo de uma equipe de arqueólogos que entende, que pode determinar que aqueles elementos são característicos de artefatos arqueológicos, muitas vezes, o pessoal da obra, os operários, não reconhecem. Jogam fora. Acaba se perdendo. Quando temos pessoas especializadas, aí é diferente”. 

O representate da empresa ARC Soluções em Arqueologia, Luís Mafrense, reitera que a relevância dos sítios históricos, sob o ponto de vista jurídico, é garantir que os achados são patrimônio da União e precisam ser protegidos. Além dos considerável valor histórico e social, destaca ele. 

“Não tem como a gente evoluir, enquanto sociedade, sem conhecer como a gente chegou até aqui. De tentar compreender a formação de Fortaleza, de determinada região. É a função da arqueologia e da pesquisa o reconhecimento da identidade”. 
Luís Mafrense
Coordenador de gestão do Programa de Acompanhamento Arqueológico da Linha Leste e da Estação das Artes, da empresa ARC Soluções em Arqueologia

Procedimentos da gestão pública
 

O Diário do Nordeste entrou em contato com a Secretaria de Infraestrutura (Seinfra), a Superintendência de Obras Públicas (SOP) e a Secretaria de Cultura (Secult), órgãos do Governo do Estado envolvidos na execução das obras mencionadas, para tratar do assunto. Em nota, a Secult informou que tem ciência sobre os achados arqueológicos.

A nota diz também que a empresa ARC Soluções em Arqueologia LTDA, no caso da Estação das Artes, foi contratada pelo Consórcio Morais Vasconcelos Lomacon Marsou "para cumprir o plano de pesquisa pactuado junto ao Iphan". 

Já a Seinfra reiterou que a obra da Linha Leste "conta com acompanhamento arqueológico das escavações, conforme previsto no licenciamento, trabalho executado por equipe de arqueólogos em campo, que é responsável por realizar a gestão do monitoramento arqueológico".

A pasta menciona que o material encontrado na escavação de um poço de ventilação na obra na Rua 25 de Março "está em fase de análise, sob a guarda do arqueólogo responsável, endossado pelo Iphan". A possível instituição de guarda, diz, "será definida posteriormente, até a conclusão da pesquisa".

A Seinfra acrescenta que "reconhece a importância da preservação de evidências históricas identificadas durante a execução de obras e ressalva a boa relação desta parceria institucional". No caso da obra da Linha Leste, conforme Luís Mafrense, da empresa ARC Soluções em Arqueologia, o contrato é com a Concremat.